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Em entrevista exclusiva, médico desabafa sobre como é sua rotina de trabalho em uma clínica da família e na UPA da Maré na pandemia

Por Hélio Euclides em 11/03/2021 às 6h, editado por Daniele Moura.

A pandemia colocou em evidência alguns profissionais, em especial os da saúde. São especialistas e técnicos que se afastaram de familiares, deixam o descanso de lado para se dedicar aos doentes provenientes do coronavírus. O Maré de Notícias entrevistou Caio de Oliveira Aarestrup, médico que atua há dois anos na Clínica da Família Jeremias Moraes da Silva, na Nova Holanda, onde presta atendimento primário, com consultas para tratamento e acompanhamento de moradores da Maré. Em outro turno, o profissional trabalha há 20 meses como plantonista na Unidade de Pronto Atendimento, na Vila do João, onde recebe pacientes na emergência que muitas vezes correm risco de morte e precisam de transferência. 

Abaixo, acompanhe a rotina do doutor Carlos, que além de atuar no atendimento das enfermidades do dia-a-dia, no último ano ainda socorreu pacientes que contraíram algo ainda novo, a covid-19.

Maré de Notícias: Como foi este ano para um médico que atua na linha de frente numa favela carioca?

Caio Oliveira Aarestrup: Da parte profissional como médico foi um ano de muitos desafios, muitas informações novas em todos os momentos e das mais variadas fontes. Filtramos as informações que mais beneficiavam os pacientes com o máximo de comprovação possível para o momento. Convivemos ainda com problemas que afetaram praticamente todo o Brasil, com escassez de respiradores e de médicos.

MN: Como está sendo enfrentar o coronavírus na Maré?

COA: Em relação aos moradores da Maré foi mais um desafio, pois as orientações sobre isolamento dos pacientes são muito difíceis de serem seguidas, já que muitos moradores necessitam utilizar transporte público para ir trabalhar diariamente se expondo ao risco de contágio da doença. O perfil das casas também são fatores complicadores, pois quando uma pessoa está com a doença deve se isolar o máximo possível dos outros moradores,  e casas apertadas e com muitos moradores aumentam a chance de todos da moradia serem infectados. 

MN: O que foi mais marcante no atendimento neste um ano de pandemia?

COA: Foram muitas marcas que a pandemia me causou, cada vida de paciente perdida prematuramente e são muitas. Quando houve superlotação no município, na primeira onda, os pacientes morriam à espera de um leito de CTI (Centro de Terapia Intensiva). Perdemos amigos, funcionários da UPA e jovens saudáveis, com toda a vida pela frente. São tempos de muito trabalho, eu assim como muitos colegas profissionais da área da saúde entrei em estresse intenso devido à sobrecarga com trabalho, precisei diminuir o número de plantões devido ao esgotamento. 

MN: Pode se dizer que a população percebe o tamanho do problema?

COA: Em relação a preocupação e medidas de prevenção percebo que não há um padrão na população, vejo pelas ruas pessoas sem nenhuma apreensão, ao contrário de pacientes que vão a consulta e relatam que sequer estão saindo de casa. O problema do primeiro grupo é que o vírus não para de circular, portanto um apelo que faço é que tomem o máximo possível de medidas de prevenção como forma de amor ao próximo. Não usar máscara não é apenas não se proteger, é não resguardar o outro, é poder contagiar uma pessoa que pode ter complicações.

MN: Nesta pandemia qual período o senhor mais trabalhou?

COA: Desde o início da pandemia não parei de receber pacientes com suspeita ou com covid confirmado. A primeira onda no ano passado foi a que eu mais trabalhei. O aumento de forma intensa recente no número de suspeitos está novamente preocupando. A parte pessoal como médico o ano de 2020 foi desafiador, felizmente contei com o apoio da minha esposa Raquel ao meu lado para superar a saudade imensa da família que mora em Minas Gerais e dos amigos que estou vendo pouquíssimo.

MN: O que discorda no Brasil na questão do combate ao vírus?

COA: Na minha opinião foram inúmeros erros, o negacionismo em relação a doença, o combate inexplicável a medidas simples como uso de máscara, o combate ao distanciamento social, o investimento em tratamentos sem nenhuma comprovação, contrastando com a falta de investimento em compra de respiradores e agora com a lentidão no programa de vacinação.

MN:O que podemos esperar para o futuro?

COA: Existem diferentes futuros possíveis. O futuro com a falta de medidas de distanciamento social e outras medidas de prevenção a propagação do vírus é visto com grande preocupação. Infelizmente quem já teve a doença pode pegar novamente com novas variantes, além de transmiti-la. Já o futuro com medidas de prevenção a propagação salvaria muitas vidas, que teriam a doença até que sejam vacinadas. Hoje apenas a vacina pode reverter o nosso quadro e fazer com que tenhamos o máximo de normalidade de volta.

MN:Qual recado o senhor daria para o território?

COA: Deixo um pedido aos moradores da Maré, que façam distanciamento, usem máscara e se vacinem quando chegar sua vez na fila, são atitudes de amor a si mesmo, ao próximo, e um ato de cidadania.

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