A tradição popular das ervas medicinais

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O poder da natureza e o saber popular sendo passado de avós e mães para filhos

Maré de Notícias #113 – junho de 2020

Hélio Euclides, Douglas Lopes e Matheus Affonso

“Para um forte resfriado… Só limão com cobertor. Tudo isso é resultado das coisas que mamãe me ensinou”, esta é uma parte da música “As Coisas Que Mamãe Me Ensinou”, de 1989, composta por Leci Brandão e Zé Maurício. A canção retrata a sabedoria dos idosos e o poder da natureza. Em diversas casas da Maré encontram-se vasinhos de plantas que ajudam na saúde, como hortelã, boldo, camomila, capim- santo, erva cidreira e tantas outras. Apesar de não existir um remédio para a COVID-19, moradores se aproximam da sabedoria popular como forma de aliviar sintomas e como tratamento associado aos remédios.

Há registros que uma das primeiras utilizações das ervas se deu por volta de 3000 anos antes de Cristo, pelo imperador chinês Sheng Wung. No Brasil, este uso está muito ligado à tradição indígena, conhecimento passado de geração em geração, que se juntou à cultura dos negros trazidos para o Brasil, que utilizavam as ervas para fins religiosos e medicinais, além de estudos de botânica da Europa.

Karla Rodrigues, moradora do Rubens Vaz e mãe de Pedro, de 4 anos de idade, lembra com carinho da infância. “No próprio prédio onde eu morava, no Conjunto Pinheiros, tinha muitas plantas, como boldo e erva de santa maria, uma para curar dor barriga e outro para combater vermes, que minha mãe pegava quando tinha algum problema”, conta. Amante dessa terapia alternativa, Karla recomenda que todos sigam a tradição. “Era comum ter ervas medicinais em casa, pois não tínhamos farmácia em cada esquina. Acho que o tema das ervas e chás é crucial, em especial nesse momento de pandemia”, comenta.

Tereza Onä, ativista com ênfase racial, na Maré, acredita que as ervas fazem parte da cultura de um povo. “Além do poder curativo, fazem parte da minha memória. Porém, é necessário conhecer a propriedade da erva, caroço e da casca, para não ter um efeito contrário”, adverte. Ela enfatiza que as plantas são referência desde a alimentação até o banho, que fortalece a alma. “Sou preta, minha casa parece um terreiro de tantas ervas, faço questão de tê-las e cultivá-las. Todas as plantas e ervas, além de purificar o ar, estimulam o paladar e protegem a casa. Todos nós já fomos à rezadeira um dia e ela sempre usou uma erva”, lembra.

Uma das mudas da casa da Karla – Foto: Matheus Affonso

O meio ambiente também é sua casa

O Censo Populacional da Maré constata que 25,8% dos mareenses são nordestinos, que vieram tentar a sorte na cidade maravilhosa. Muitos viveram na zona rural e muito próximo à natureza. Dona Lourdinha, agente do conhecimento tradicional da Rede Fitovida, trabalha com as plantas e muito aprendeu com seu pai, que era de Pernambuco. “Quando as pessoas se feriam, meu pai sabia qual era a planta certa para colocar no machucado”, conta. Ela lembra de um fato marcante quando morou na Vila dos Pinheiros: “Minha laje era pequena e as pessoas perguntavam por que eu tinha árvores plantadas. Eu respondia que usava os brotinhos das folhas, como abacate, aroeira, assa-peixe, romã e jamelão, tudo sem sair de casa.” Além dos chás, ela também realiza a reza das pessoas, algo que aprendeu com sua mãe de umbigo.

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