ADPF 635: deixando os números falarem

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Em 20 anos, as polícias do Rio de Janeiro mataram, no mínimo, 2 pessoas por dia

Por Projeto De Olho na Maré

O Brasil frequentemente aparece nas manchetes internacionais como o país com os maiores índices de homicídios em números absolutos. No entanto, pouco se fala sobre a proporção significativa desses assassinatos cometidos por agentes do Estado. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, houve 46.328 mortes violentas intencionais no Brasil em 2023. Das 46.328 mortes violentas intencionais, as forças policiais brasileiras foram responsáveis pela morte de 6.393 pessoas em todo o país em 2023. O número de mortes resultantes da atuação policial no Brasil quase triplicou em uma década, de acordo com o Anuário de Segurança Pública do ano de 2023.

Qual é a situação no Rio de Janeiro? 

A polícia do estado do Rio de Janeiro se destaca pelo uso frequente e excessivo da força e isso se expressa nos números: entre 2003 e 2023, as polícias do Rio de Janeiro estiveram envolvidas na morte de 21.498 pessoas durante intervenções policiais, de acordo com os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e do Instituto de Segurança Pública (ISP). Isso significa, pelo menos, duas mortes por dia. Em 2023, o estado é o terceiro em letalidade policial, com uma taxa de 5,4 mortes por 100 mil habitantes, ficando atrás apenas do Amapá e da Bahia, como aponta o Diagnóstico da Segurança Pública Fluminense Pós ADPF 635, publicado pelo FBSP. Esse índice é superior à média nacional, que permaneceu com uma taxa de 3,1 por 100 mil habitantes no mesmo período. Para se ter uma ideia, a taxa de letalidade policial na Maré é de 6,4 por 100 mil habitantes, segundo dados de 2023 do De Olho na Maré com base nos dados do Censo do IBGE (2022). A ADPF 635 incidiu exatamente nesse cenário.

Segundo o Diagnóstico da Segurança Pública Fluminense Pós ADPF 635, as mortes resultantes de intervenções policiais no Rio de Janeiro caíram 52% de 2019 para 2023. Apesar da diminuição, o mesmo estudo aponta que para se chegar a um cenário minimamente aceitável, a redução teria que ser de 66%.

Nesse cenário, o uso excessivo da força é ainda mais alarmante nas favelas e comunidades urbanas, onde as operações policiais tendem a violar uma variedade de direitos e resultam em um número desproporcional de mortes. Podemos, assim, afirmar que o Brasil enfrenta uma situação de violência endêmica que, no caso do Rio de Janeiro, é intensificada pela atuação das forças policiais e pela intensidade da violência estatal. Esse cenário se torna especialmente brutal nos territórios periféricos e nas favelas, onde a ação do Estado é historicamente marcada por um uso desproporcional da força.

A análise dos dados revela dois períodos de queda nas mortes causadas por intervenções policiais no Rio de Janeiro: o primeiro entre 2008 e 2013, e o segundo, a partir de 2020, oscilando até uma nova queda em 2023. De acordo com o estudo mais recente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a primeira queda nas mortes por intervenções policiais no Rio de Janeiro está relacionada à introdução de programas de policiamento voltados para a gestão de conflitos, como as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). A segunda redução significativa, registrada em 2019, está relacionada à Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 635, que tem como objetivo conter atos do poder público que violem ou ameacem direitos fundamentais. Esses direitos incluem o direito à vida, à dignidade, à segurança e à inviolabilidade do domicílio, além de garantir a igualdade e a prioridade na proteção de crianças e adolescentes como um dever do Estado.

O que é a ADPF 635?

A ADPF 635 desempenha um papel essencial ao reforçar a importância de mecanismos de controle, fiscalização e transparência na atuação policial. Trata-se de uma conquista significativa da mobilização de moradores e moradoras de favelas e de ativistas de direitos humanos, que há anos reivindicam políticas de segurança pública menos letais. Protocolada em 2019 pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e por organizações da sociedade civil, o instrumento foi utilizado pelo Supremo para restringir operações policiais durante a pandemia da COVID-19, permitindo-as apenas em casos “absolutamente excepcionais” e exigindo a preservação de registros visuais em todas as intervenções.

Diversos pedidos foram feitos na ação, sendo os principais: 

  • A formulação de um plano de redução da letalidade policial e de controle de violações de direitos humanos;
  • A vedação ao uso de helicópteros como plataformas de tiro ou instrumentos de terror;
  • A obrigatoriedade de que os órgãos do Poder Judiciário, ao expedir ordem de busca e apreensão, indiquem, de forma mais precisa possível, o local, o motivo e o objetivo, sendo que o cumprimento dos mandados deve se dar durante o dia;
  • A determinação para que haja ambulâncias e equipes de saúde nas operações policiais;
  • O reconhecimento de que a realização de operações em perímetros nos quais estejam localizadas escolas e creches deve ser excepcional;
  • A publicização de todos os protocolos de atuação policial;
  • A instalação de equipamentos de GPS e de sistemas de gravação de áudio e vídeo nas fardas dos agentes;
  • A compatibilização das perícias com parâmetros normativos;
  • O aprimoramento das investigações de possíveis crimes cometidos por policiais.

Algumas destas medidas ainda serão votadas.

Hoje, no dia 13 de novembro, o STF inicia o julgamento de mérito da ADPF das Favelas. Na ocasião, o plenário iniciará a leitura do relatório do caso, que apresenta o histórico da ação, seguida das sustentações orais das partes envolvidas. A data para a votação final será definida posteriormente. 

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