Alguma coisa está fora da ordem

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Maré de Notícias #89 – junho de 2018

O problema do lixo na Maré é sério e exige diálogo entre Comlurb e moradores

Hélio Euclides

“O lixo de um homem é o tesouro de outro”, esse é o lema do artista português Artur Bordalo, conhecido como Bordalo II. Ele desenvolve ideias com materiais reciclados. No Rio de Janeiro, visitou uma cooperativa e, com os resíduos encontrados, fez um lobo-guará gigante, e a criação está na Cidade das Artes. Mas nem sempre o lixo é considerado luxo. Na Maré, o lixo se transformou em um problema para os moradores. Apesar da coleta domiciliar diária, ainda existem lugares onde o descarte é feito de forma inadequada. O projeto dos laranjões, caixas coletoras de 3,2 metros quadrados, ainda não funcionou, e pequenas quantidades de lixo são dispensadas no chão, por ausência de caixas coletoras.

Ao andar pelas ruas da Maré, é fácil encontrar copos, garrafas, latas e todo tipo de papel. Material que poderia ser reciclado, mas acaba indo parar nos bueiros de águas pluviais. A cidade do Rio de Janeiro produz cerca de 10 mil toneladas de lixo por dia, e dessa quantidade, apenas 1,9% são destinados à reciclagem. “Falta o pensamento da qualidade de vida, com a diminuição do consumo e a reciclagem. O lixo serve de geração de renda, pode voltar como outro produto. É preciso reeducar, ter uma mudança de hábitos, como andar com copo na bolsa, evitar usar descartáveis, repensar o consumo, comprar a granel e separar o lixo para os catadores”, aconselha a bióloga e educadora Júlia Rossi.

Para Júlia, não existe uma dinâmica de como tratar o lixo na comunidade. “Ele acaba ficando a céu aberto. O controle do lixo é necessário, em especial quando pensamos nos descartes e no lençol freático. Não podemos deixar de fazer a nossa parte e cobrar do Poder público caixas de coleta para as embalagens do que consumimos na rua. A humanidade necessita pensar no ciclo do lixo, que pode acabar poluindo, pois ele não evapora”, adverte.

 

Os laranjões

A questão do lixo abriu um debate entre os moradores. A Edição 55 do Maré de Notícias, de julho de 2014, trazia o lançamento do projeto Comunidade Limpa, que tinha como carro-chefe os laranjões. Já a Edição 66, de setembro de 2015, apresentou uma fotonovela, com a avaliação de jovens sobre a coleta de resíduos. Há um ano, na Edição 77, mostramos as consequências do descarte em local não apropriado. “Não vejo ninguém levantado esse tema tão importante na comunidade, aliás só esse Jornal. É triste ver o acúmulo de lixo na segunda-feira, na entrada das travessas da Vila do Pinheiro. Antes tinha a caçamba, que era lavada. Depois acabaram com o sistema e ficou o cheiro ruim. Agora retiraram os laranjões e ficaram as montanhas de lixo, que atraem ratos. O prefeito precisa vir à favela ver isso”, reclama o morador Paulo Maurício.

Os laranjões são questionados desde o início de sua implantação. “Quando foi oferecido o Projeto, não aceitei aqui. Foi a única comunidade que disse não. Hoje vemos alguns na beirada do valão, entre o Rubens Vaz e o Parque União, com lixo caindo na água. O problema é que o caminhão vive quebrando e junta muito lixo”, comenta Vilmar Gomes, o Magá, Presidente da Associação de Moradores do Rubens Vaz. Em algumas comunidades, as caixas coletoras estão sendo retiradas. “O morador não quer lixo na sua porta, mas joga na do vizinho, onde ainda tem os laranjões. Retiramos alguns, por reclamações de roedores, mau cheiro e lixo no chão. Muitos colocam o lixo na esquina da rua, o que traz insetos e entope os ralos de águas pluviais. A empresa tem de dialogar com a população, para que a coleta seja feita de porta em porta”, sugere Cláudia Santana, Presidente da Associação de Moradores do Parque Ecológico.

 

Todos precisam fazer a sua parte

A questão do lixo afeta o dia a dia da população e da empresa pública de coleta. “Parte do lixo espalhado tem um percentual nosso. Temos de colaborar, fazer a nossa parte, preservando o meio ambiente. Vejo os garis trabalhando e alguns laranjões pela comunidade, mas o que falta é organização desse descarte do lixo”, avalia Raquel Figueira, moradora da Vila Pinheiro. “É preciso fazer o certo, se o caminhão passou e o morador perdeu a coleta, que guarde o lixo para o outro dia”, sugere Solange Oliveira. Já Vânia Correia pensa numa coleta seletiva. “É preciso um trabalho de educação. Eu separo o lixo reciclável dos resíduos, o que ajuda os catadores. O ideal seria caçambas de cores diferentes para dar início à coleta seletiva na Maré”.

Messias, conhecido como Rei do Cloro, diz que tenta fazer a parte dele, ao varrer a frente da sua loja, na Nova Maré, todos os dias. “Por outro lado, não vejo o gari buscar na porta aqui na Nova Maré. Assim, o ideal é colocar o lixo na caçamba, e lembrar de pisar no pedal para abri-la. Onde moro, no Beco das Américas, no Parque Maré, só vejo a Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana) de vez em quando, e não tem hora para passar. O morador perdeu o momento da entrega do lixo, então vai buscar um ponto de acúmulo na comunidade”.

“A questão do lixo está cada vez pior. Às vezes, o caminhão passa e outras vezes, não. O Salsa e Merengue está precisando de uma limpeza geral”, reclama Marluce Almeida. Para Márcio José, morador da Vila do Pinheiro, o lixo é o grande problema da Maré. “O serviço de coleta deixa a desejar, em especial nas travessas. Não podemos colocar o lixo nas esquinas, então saímos atrás dos laranjões, pois temos de dar um jeito”, explica.

 

A opinião de quem coleta

No dia 16 de maio foi comemorado o Dia do Gari. A palavra é uma homenagem ao empresário francês Aleixo Gary, que se destacou na história da limpeza da cidade do Rio de Janeiro, em 1876. Contratado pela Prefeitura, ele coletava e levava o lixo para uma ilha, Sapucaia. E conseguiu resolver um dos maiores problemas da cidade. A partir de então, quando os cariocas queriam que as ruas fossem limpas, chamavam os garis.

Um gari que atua no caminhão recolhendo o lixo domiciliar da Maré e preferiu não se identificar avaliou algumas questões: “é uma pena que os moradores ainda joguem muito lixo no chão. Nosso trabalho e o dos garis comunitários vai ser mais fácil se tiver apoio. O maior problema é que os caminhões estão no limite, e a Empresa que administra, a TRD Serviços e Administração Ltda., não tem como trocá-los. Dessa forma, eles vivem quebrados, o que interrompe a nossa ação e, por isso, a reclamação da coleta. Não existe caminhão reserva”, alerta.

Para o gari com quem conversamos foi boa a retirada dos laranjões. Ele diz que “diminuiu o lixo no chão. O correto é lixo na porta. A população reclamava muito do mau cheiro. A Empresa explica que eram lavados, mas não esfregavam; o chorume (líquido) e alguns resíduos ficavam neles. Era dinheiro jogado fora, então não se usa mais esse tipo de caminhão. Se tem problema na coleta, não é culpa da gerência-adjunta, que fica na Nova Holanda, eles se esforçam para fazer com o que tem”.

 

Uma das áreas mais críticas é a Via C4, onde é possível ver uma montanha de lixo | Foto: Elisângela Leite

A limpeza urbana da Maré

A Maré, pela quantidade de ruas e habitantes, supera muitos bairros e se aproxima do padrão de uma cidade. Segundo a Comlurb, para coletar as 143 toneladas diárias, num total de 4.290 toneladas mensais, a Empresa utiliza 227 laranjões, 12 equipamentos compactadores, 33 veículos, 56 garis da Empresa, e 67 garis comunitários, que realizam a varredura nas principais vias.

Cláudio Brito, o Chiquinho, é Gerente de Departamento da Comlurb, responsável pela Maré, e tem como uma das principais preocupações o lixo próximo aos valões. “É um trabalho de educação, é cansativo, mas não podemos parar. A população precisa ficar atenta e colocar o lixo cedo, para não perder a coleta”, aconselha. Uma das carências da favela é o coletor de papel, fixado nos postes. “É um custo alto de manutenção. Estamos voltando a colocá-los em praças e próximo às escolas. Sobre os laranjões, alguns foram retirados por não se adaptarem, pois ficava muito lixo no seu entorno. Quem precisar da coleta de entulho, deve procurar a Gerência local (Rua Tancredo Neves, Nova Holanda). Sabemos que ainda existe falha, mas procuramos fazer o melhor”, conclui.

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