Em entrevista exclusiva ao Maré de Notícias, Ministra conta que pretende fazer posse simbólica na Maré
Por Samara Oliveira e Lucas Feitoza
Cria do Conjunto de Favelas da Maré, Anielle Franco, 37 anos, ocupa desde 11 de janeiro o cargo de Ministra da Igualdade Racial. Além de Anielle, outras dez mulheres foram nomeadas para liderar ministérios pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Este é o maior número de mulheres no primeiro escalão do governo desde o mandato de Dilma Rousseff. No dia em que assumiu o cargo, a ministra fez um discurso emocionado agradecendo as mulheres que a apoiaram, principalmente depois do dia 14 de março de 2018, data do assassinato de sua irmã, a vereadora Marielle Franco.
Em entrevista exclusiva para o Maré de Notícias (MN), ela falou sobre desafios, representatividade, planejamento com outros ministérios e o legado de Marielle Franco.
MN: O que representa para você, mulher, mãe, preta, de origem favelada ocupar uma cadeira de ministério neste governo Lula?
Anielle: Toda vez que eu olho para uma mãe, uma menina, uma jovem negra, eu sempre penso no quanto essa pessoa sonha em chegar a lugares que podem ser, e tem sido negado historicamente para a gente. Então representa muita coisa. Representa inclusive eu querer muito voltar a Maré assim que eu puder e fazer também uma fala, uma posse simbólica na Maré pra dizer: ‘Nós existimos aqui no nosso lugar de raiz, onde nós nascemos, crescemos, nós cuidamos, nós criamos e que a gente pode ser o que a gente quiser.’ Então acho que é um pouco isso que representa pra mim. “Por que quando uma de nós vence todas nós vencemos, sabe?”. Quando a gente chega a lugares que nunca foram imaginados que nós estaríamos ali, que foram ocupados pouquíssimas vezes ou até mesmo que nunca foram ocupados, significa que também a favela chega nesse lugar.
MN:Você já havia almejado ocupar cargos como esse com a criação do Instituto Marielle Franco?
Anielle: Eu nunca pensei em estar em um cargo público, muito menos em ser ministra de Estado. Mas eu entendo também que é o reconhecimento do meu trabalho de tudo que tem sido feito e que foi feito desde 2018 pra cá. Não que antes eu não trabalhasse com isso, eu trabalhava, mas nos bastidores. Eu tinha a minha líder, uma pessoa que falava por mim. E eu desde muito nova aprendi a lutar e galgar espaço maiores sempre. Eu era aquele tipo de menina que escrevia o que eu queria ser no ano seguinte, que fazia o meu diário com os meus objetivos anuais. Eu sempre sonhei muito alto e sempre almejei estar em lugares que eu pudesse ajudar a minha família, que eu pudesse ajudar outras pessoas, fazer com que outras pessoas também subissem junto comigo.
MN: Como cidadã, como você enxerga a atual composição dos ministérios e governo Lula e o que isso pode gerar para as pessoas e o Brasil?
Anielle: Eu acho que a composição dos ministérios no governo Lula é um avanço, uma melhoria muito importante. A gente ter 11 mulheres à frente de pastas importantes é um marco sim, mas a gente também sabe que a gente tem que batalhar por ainda mais mulheres. Quem sabe um dia teremos cinquenta por cento de mulheres em pastas ministeriais? A gente ter como presidente da Caixa Econômica e do Banco do Brasil duas mulheres, isso é muito marcante, muito impactante. Estamos num caminho em que vamos conseguir aumentar essa paridade, mesmo que não seja agora, de imediato, mas iremos.
MN: Qual será o maior desafio para atuar como ministra de igualdade racial no país que ainda nega sua estrutura racista?
Anielle: Eu acho que a gente tem muitos desafios de que as pessoas nos escutem e acolham, que façam políticas públicas conosco. Que nos tratem como um ministério de uma pauta que é de extrema importância para o país inteiro.
MN: Quais são as primeiras ações planejadas para o ministério?
Anielle: Estamos ainda planejando as ações prioritárias pra esses 100 primeiros dias, mas eu já garanto que nestas ações estão principalmente o enfrentamento ao genocídio da população preta; o fortalecimento de leis que permitam e garantam cada vez mais o acesso das pessoas no ensino superior; o fortalecimento de leis que já existem como a Lei 639 e 645, que tornaram obrigatório o estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira nas escolas. A gente vai debater a saúde da população negra de uma maneira eficaz, concreta porque são dados muito alarmantes. Passa por garantir que essas pessoas tenham a dignidade de volta, então é comida no prato, emprego, condições de moradia. Estas ações são prioritárias.
MN: Existe algum planejamento de atuação conjunta com o ministério dos Direitos Humanos, ou secretarias como a das mulheres, juventude ou população LGBTQIA+?
Anielle: Já estamos conversando com alguns ministérios, vamos continuar fazendo isso tanto com Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania quanto com Ministério da Justiça para os próximos dias.
MN: O que a população de favelas e periferias podem esperar das ações do Ministério da Igualdade Racial?
Anielle: Teremos uma assessora especial para periferias e favelas para estabelecer esse diálogo que é muito importante, é inadmissível que uma pessoa que venha da favela não tenha esse contato, então teremos esse canal. Eu preciso estar conectada com as favelas do Brasil inteiro, isso é questão de honra, estamos planejando como vai ser isso. Essa é uma das minhas prioridades também.
MN: Qual o principal legado que a luta de Marielle deixou para o seu trabalho como ministra?
Anielle: O legado da Mari, que chega também até aqui, é uma resposta para esses quatro anos tenebrosos que nós tivemos. É uma mulher preta favelada que também chega aqui. Então é pensar a favela como esse lugar cultural, digno, de felicidade, esse lugar que tem inúmeros astros que estão ali só esperando uma oportunidade. A gente pode avançar nisso. Eu sou fruto da oportunidade do esporte, também farei coisas com Ana Moser, – Ministra do Esporte – o esporte e a educação salvaram minha vida. Quero pensar um plano em conjunto para estabelecer ações concretas para o povo favelado.