Os desafios do Movimento Baía Viva que defende a Baía de Guanabara e o Rio Paraíba do Sul há mais de 40 anos
Por Andrezza Paulo
A Baía de Guanabara faz aniversário neste dia 18 de janeiro, mas não há muitos motivos para comemoração. Os desafios daqueles que defendem a preservação da Baía ainda são os mesmos de 40 anos atrás. Vale lembrar que a data, 18 de janeiro, coincide com um vazamento de óleo da REDUC (Refinaria de Duque de Caxias) e foi uma tragédia ambiental.
Foram mais de 50 km de mancha de óleo na Baía e 1,3 milhões de litros de óleo despejados. Normalmente, a Baía de Guanabara só é lembrada quando tem desastre, mas ela é responsável por proporcionar infinitos benefícios para o Rio de Janeiro, principalmente para a mobilidade urbana, com barcas vindo de Paquetá e Niterói que podem ser um grande atrativo socioeconômico. Porém, para que ela funcione em perfeita harmonia com a cidade, o local precisa deixar de ser sacrificado.
No início da década de 1980 criou-se o Movimento Baía Viva, que desde então desempenha um importante papel na defesa da Baía de Guanabara e na biodiversidade. A ONG foi responsável por avanços no ecossistema da cidade do Rio de Janeiro, como a coleta de mais de 50 mil assinaturas para preservar o Rio Paraíba do Sul, a Baía de Guanabara e de Sepetiba.
Foi a única emenda popular no caderno de Meio Ambiente da Constituição do Estado do Rio de Janeiro no caderno de Meio Ambiente. Outra conquista importante foi a aprovação da chamada “Lei dos Aterros na Baía de Guanabara” que foi proposta à época pelo Baía Viva a partir dos estudos sobre os impactos do assoreamento na baía que foram desenvolvidos por décadas pelo professor da UFRJ e Geógrafo Elmo Amador.
Defesa dos ecossistemas
O Movimento Baía Viva segue desenvolvendo projetos em defesa dos ecossistemas da região e uma dessas ações resultou na Universidade do Mar da Baía de Guanabara (UniMar)em parceria com a Universidade de Oceanografia da UERJ, MORENA (Associação de Moradores de Paquetá) e já conta com apoio de mais de 50 departamentos, laboratório e grupos de pesquisa. Em março de 2022, o reitor da UERJ, Professor Ricardo Lodi assinou o ato que institui o UniMar como Programa de Extensão.
Sérgio Ricardo de Lima, ecologista, ambientalista e cofundador do Movimento Baía Viva destaca a importância da preservação nas Baías de Guanabara e Sepetiba e diz que preservar o ecossistema e a biodiversidade representam, também, a sustentabilidade da população pesqueira. “Estamos nos três primeiros anos da década do oceano da ONU e não avançamos. O empobrecimento dos pescadores e a insegurança alimentar aumentou absurdamente a ponto da comunidade pesqueira vender suas próprias embarcações, além da alta contaminação e problemas de saúde pelo excesso de poluentes nas águas”, ressalta o ambientalista.
Em entrevista ao Maré de Notícias, Sérgio Ricardo aponta os desafios ao longo dos anos, as conquistas e as estratégias de mobilização e articulação para modificar o cenário atual. Confira a entrevista na íntegra.
MN: Em março de 1995 foi iniciado o Plano de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG), com a promessa dos grandes troncos coletores de esgoto ligarem Manguinhos ao Caju e o canal do cunha até a estação da Penha que atenderiam mais de 2 milhões de pessoas. Como está esse plano?
Sérgio Ricardo: O PDBG foi financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e executado pela CEDAE que alocou mais de 80% de seus recursos em saneamento básico. E nós questionamos isso. Não era um plano de despoluição, era um plano sanitarista. Até hoje esse plano não foi concluído e a própria Maré é vítima disso. Passaram-se 28 anos e não foi feito.
Quando veio a olimpíada, ao invés do governo do Estado concluir as obras do PDBG, ele lança outro plano que é o PSAM (Programa de Saneamento Ambiental) também financiado pelo BID, dessa vez executado pelo INEA (Instituto Estadual do Ambiente). Por uma série de fatores como a corrupção, o excesso de incentivos fiscais e a falta de pagamento de imposto, o Rio de Janeiro decretou falência. Em seguida veio crise econômica, pandemia e etc.
Em 2019, realizamos audiências públicas e muitas barqueatas na Barra da Tijuca com diversos artistas, em Paquetá e com movimentos de moradores de São Gonçalo e da Baixada. Isso gerou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e ali a CEDAE se comprometeu com um cronograma para cumprir todas as obras do PDBG e do PSAM com prazos e recursos determinados. Em 2020, durante a pandemia não houve obra de saneamento básico e neste mesmo ano, a maioria do congresso nacional privatizou o saneamento no Brasil e meses depois a CEDAE foi privatizada. A prioridade era concluir os dois programas, isso não aconteceu e foi aberto um novo plano de obras.
MN: O que é a Mercantilização da Água e seus efeitos para a população?
SR: O termo técnico é Marco Legal do Saneamento, mas nós estamos falando aqui da mercantilização das águas e de decisões que não tiveram participação popular, é o mercado das águas que pode levar o Brasil ao deserto sanitário. As concessionárias são formadas por fundos de investimento, ou seja, pelo mercado financeiro que não vai ter preocupação em garantir água para população que é um direito humano. Essa mercantilização da água e saneamento no Brasil ampliará o racismo ambiental e a desigualdade hídrica. Foi criada uma comissão de acompanhamento que não nos sentimos representados por ser uma forma muito limitada de participação popular e não tenho a menor dúvida de que teremos muitas lutas pela garantia do direito à água.
Em apenas duas décadas, o Rio de Janeiro sofreu quatro graves crises hídricas e não é trivial uma metrópole viver isso em 20 anos e ser dependente de um único rio, o Rio Paraíba do Sul. A Baía de Guanabara não se resolve na própria Baía, se resolve com a despoluição dos rios, com saneamento básico das cidades do entorno e isso depende de políticas públicas.
Temos visto que essas questões estão na agenda do novo governo e vamos continuar lutando para que as medidas sejam tomadas. O que está destruindo a Baía de Guanabara, de Sepetiba, o Rio Paraíba do Sul e a Mata Atlântica não são as pessoas e sim o modelo de desenvolvimento. É importante deixar isso claro. Ou mudamos esse modelo, ou vamos submergir aos eventos climáticos. A crise é profunda, mas esse é o planeta que nós temos, não tem outro. Então temos que lutar para mudar esse quadro.
MN: Quais estratégias de mobilizações adotadas pelo Baía Viva?
SR: Quando vimos a paralisação das obras de saneamento, nós pensamos em mobilizar a população. Os coletivos surgem fora de sindicatos, associações de moradores e começam a produzir fóruns. As barqueatas, os encontros populares inclusive na Maré são exemplos de que a população está se articulando. Nos perguntamos o seguinte: Onde há mobilização comunitária viva? E onde víamos um foco, nós passávamos o histórico, o que tínhamos de estudos e diagnóstico para pressionarmos juntos. As concessionárias estão inventando novas obras onde está sendo colocado hidrômetros para a população pagar e eles aumentarem sua arrecadação ao invés de concluírem o que foi proposto há 28 anos atrás.
MN: Por que utilizar o Ciberativismo?
SR: Temos buscado estudar esse movimento do ciberativismo em prol dos interesses da população e em defesa das baías. Vamos utilizar a potência das redes sociais para defender as causas de interesse comum. Bolsonaro foi eleito com fake News, com difusão do ódio, intolerância e do racismo nas redes, mas será que essa ferramenta não pode ser utilizada para pressionar o poder público? Pode e estamos com muita disposição para continuar pressionando.
MN: O que esperar da Conferência Participativa por um plano de Recuperação da Baía de Guanabara?
SR: Em torno de 70% da população do Rio de Janeiro depende do Rio Paraíba do Sul e o nosso objetivo é produzir um diagnóstico com estudos ao longo dos anos e tentar estabelecer compromissos e metas, ou seja, o que será feito por cada área do saneamento, da política pesqueira e do planejamento urbano para modificar a estrutura atual.
MN: O que deseja para os próximos aniversários da Baía de Guanabara?
SR: Eu sou de ancestralidade indígena, sou potiguara. Aqui no Rio de Janeiro teve um ecocídio da Mata Atlântica que foi quase toda desmatada. Ao mesmo tempo teve um genocídio dos povos originários. Fui criado tomando banho no Rio Xingu no Pará e quando cheguei aqui no Rio de Janeiro em 1986, eu fui surpreendido com um número grande de praias impróprias para banho. Eu sempre digo que não vou desistir da Baía de Guanabara até eu conseguir tomar banho lá, meu desejo para os próximos aniversários é avançar em políticas públicas, saneamento básico, coleta seletiva, controle industrial e restauração dos manguezais para atingir essa meta. Esse é o meu desejo para os próximos aniversários da Baía de Guanabara.
Mais:
Confira o artigo escrito pela Redes da Maré sobre o Dia Estadual da Baía de Guanabara.