Aposentadoria que não dá conta

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Com a perda do poder de compra do salário mínimo, valor do benefício não garante o básico para a sobrevivência

Por Jorge Melo

Aposentar-se é um direito essencial, mas hoje representa pouca segurança para a maioria dos brasileiros. Num ranking com 44 países sobre que país é o melhor para se aposentar, o Brasil ocupa o penúltimo lugar. Quando se trata do valor médio da aposentadoria, o país também ocupa a 43ª posição, à frente apenas da Rússia.

Os dados são de um relatório anual da consultoria de investimentos Natixis, empresa franco-americana especializada em investimentos de nível internacional. Para calcular o ranking, a Natixis cruza dados relativos à saúde, qualidade de vida, inflação e bens materiais. Noruega, Suíça, Islândia, Irlanda e Austrália são os melhores países para deixar de trabalhar. Na América do Sul, o país mais bem colocado é o Chile, que aparece em 34º lugar. 

Países ricos como base

Segundo o economista Eduardo Fagnini, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o relatório revela o óbvio: a situação dos aposentados brasileiros tem relação com a Reforma Previdenciária, iniciada no governo Michel Temer (2016-2018) e concluída no governo Jair Bolsonaro (2019). 

Essa reforma, de acordo com ele, teve como referência países que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne algumas das nações mais ricas do mundo, como EUA, Alemanha, França, Canadá e Japão.

“Existe um abismo a separar as condições de vida no Brasil e nos países mais ricos da OCDE. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) insere o Brasil entre os dez países mais desiguais do mundo. Não faz sentido comparar o Brasil com países da OCDE”, explica o economista.

Antes da reforma, por exemplo, o cálculo para a aposentadoria levava em consideração 80% dos maiores salários recebidos durante a carreira do trabalhador. Hoje, calcula-se a média de 100% dos salários — o que, segundo especialistas, leva à diminuição de até 15% do valor da aposentadoria. Segundo Eduardo Fagnani, “nas próximas décadas teremos milhares de pessoas idosas sem renda porque não conseguirão se aposentar.”

Segurança mínima

A costureira Mari Soares Pinto tem o perfil da maioria dos brasileiros que decidem parar de trabalhar. Hoje com 63 anos, ela conseguiu se aposentar por idade antes da reforma: se antes a idade mínima era 60 anos, agora é de 62 anos para as mulheres e de 65 anos para os homens. 

Mari trabalhou por 15 anos e recebe hoje um salário mínimo por mês. “Ele deveria ser pelo menos de uns R$ 2 mil”, reclama. Pela lei atual, ela teria que ter pelo menos 20 anos de contribuição para obter o benefício. 

Casada com um profissional autônomo, a costureira reconhece, sem perder o bom humor, que a vida de aposentada não é fácil: “Quando reúno os amigos para um churrasco, dividimos tudo. E o lazer é pouco, igreja e praia — e pra essa levamos tudo de casa”, conta. 

A situação de Mari confirma o que pensa Eduardo Fagnani: apesar dos problemas, ainda temos o que comemorar: “Os avanços da Constituição Cidadã, entre eles a questão da aposentadoria, são importantíssimos. Desde 1988, por exemplo, o piso da Previdência Social não pode ser inferior ao salário mínimo.”

Sistema sucateado

O economista e professor do Instituto de Economia da Unicamp Waldir Quadros observa que, diante da desigualdade no Brasil, devemos separar os aposentados de poder aquisitivo mais elevado daqueles advindos das camadas populares. 

Segundo ele, “os primeiros normalmente recorrem à saúde privada, adquirem bens materiais que possibilitam maior qualidade de vida e conseguem se defender melhor da inflação. Já os mais pobres dependem exclusivamente do sucateado sistema de saúde pública, sofrendo demais nas filas e com um atendimento precário”.     

As aposentadorias no Brasil variam de R$ 1.212 (um salário mínimo) ao chamado teto da Previdência, hoje de R$ 7.087,22 — o maior valor que um aposentado da iniciativa privada consegue receber. Existem sistemas especiais, com remunerações acima desse teto, para militares e funcionários públicos e do Poder Judiciário.

Segundo o economista, a inflação atinge diretamente os aposentados mais pobres, reduzindo muito seu poder aquisitivo e comprometendo até mesmo sua alimentação: “A luta é para sobreviver, estando muito distantes da qualidade de vida e aquisição de bens materiais para viver com mais conforto.”

Um levantamento realizado em todas as capitais brasileiras pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) revela que 21% dos aposentados continuam trabalhando. Desses, 47% o fazem porque o valor da aposentadoria não é suficiente para pagar as contas. 

Valor corroído

Para os milhões de aposentados brasileiros, o presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva, em seus primeiros pronunciamentos, avisou que seu governo retomará a fórmula que possibilita corrigir o salário mínimo pela taxa de inflação do ano anterior e ainda acrescentar um ganho real, baseado no crescimento do Produto Interno Bruto dos anos anteriores. 

Esse mecanismo, em vigor até 2019, possibilita recuperar uma pequena parte do poder de compra das aposentadorias, achatado nos últimos quatro anos, dos mais de 60% dos aposentados brasileiros que recebem um salário mínimo por mês.

Essa decisão influencia também o reajuste dos benefícios de quem recebe acima de um salário mínimo; nesses casos, é usado o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ele mede a inflação e leva em conta o custo de vida das famílias que recebem até cinco salários mínimos.

Desde o Plano Real, criado em 1994, Jair Bolsonaro é o primeiro presidente a terminar o mandato com o salário mínimo com menor poder de compra do que aquele vigente à época da posse. Os cálculos foram feitos pela corretora de valores e câmbio Tullett Prebon Brasil. Caso o governo Bolsonaro seguisse a política de reajuste vigente entre 2011 e 2019, o salário mínimo hoje seria de R$ 2.270, segundo estudo do economista Francisco Faria, da LCA Consultoria. 

Arides Meneses, morador da Nova Holanda, tem dois filhos e dois netos, está aposentado há sete anos e recebe dois salários mínimos. Ele faz parte de uma minoria que conseguiu manter o padrão de vida, embora reconheça que tem que economizar porque o poder de compra do benefício caiu nos últimos anos: “Consigo viver com minha aposentadoria e não preciso trabalhar para completar o orçamento, mas acho que o valor poderia ser maior.”

Cem anos de Previdência

Segundo o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o Brasil tem hoje cerca de 21 milhões de aposentados urbanos, nove milhões de aposentados rurais e cinco milhões que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC) — aquelas pessoas que, mesmo não tendo contribuído para a Previdência, recebem um salário mínimo mensal ou têm alguma deficiência física ou mental. 

Às portas de completar seu centenário (em 24 de janeiro de 2023), a Previdência Social é, como explica o economista Waldir Quadros, uma instituição fundamental apesar dos muitos problemas, e que precisa ser aprimorada.

“Junto com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), a Previdência Social foi introduzida no Brasil pela política social de Getúlio Vargas, tornada possível pela Revolução de 1930. A sua relevância pode ser percebida pelos constantes ataques dos neoliberais, sempre procurando retirar direitos e reduzir o gasto com os mais necessitados. Por isso ela deve ser decididamente defendida pelos democratas.”

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