Artigo: Por que não realizar o Censo Demográfico causa um apagão estatístico?

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Por Dalcio Marinho, em 05/05/2021 às 10h28

O debate sobre a não realização do Censo Demográfico brasileiro ganhou espaço na mídia e nas redes sociais nas últimas semanas. Depois de ser adiado de 2020 para 2021 em função da pandemia do coronavírus, o Governo Federal confirmou, no último dia 23 de abril, o cancelamento da coleta que estava prevista para este ano. A falta dos dados censitários deixa o país em uma situação inesperada, a qual os especialistas já chamam de “apagão estatístico”.

O Censo Demográfico é uma pesquisa que faz a contagem da população e discrimina muitas de suas características, tais como idade, sexo, escolaridade, saúde, identidade racial, condições de moradia, situação quanto ao trabalho e renda, migração e vários outros aspectos.

O termo ‘censo’ significa que o levantamento é feito em todo o universo pesquisado, ao contrário das pesquisas por amostra, em que só uma parte dos indivíduos é selecionada e, através de métodos estatísticos, seus resultados representam a realidade de todo o conjunto estudado.

No Brasil, há 5.570 municípios e o Censo Demográfico é a única pesquisa que alcança todos eles, com a meta de obter informações de todas as famílias residentes. Em sua última edição, no ano de 2010, foram visitados mais de 67 milhões de domicílios e, atualmente, estima-se haver algo próximo a 75 milhões.

Depois do Censo, a maior pesquisa realizada no Brasil é a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, a conhecida PNAD Contínua. Grosso modo, sua base amostral é composta por 211 mil domicílios, distribuídos em 3.500 municípios. Como se vê, muitos municípios ficam de fora e a média de visitas por município é de apenas 60 domicílios. No final das contas, a análise indica resultados para o Brasil, para os Estados e para as maiores regiões metropolitanas, mas não para municípios, devido ao pequeno número de entrevistas em cada um. E, o mais importante: todas as estimativas que a PNAD possibilita têm como parâmetros os dados censitários levantados a cada 10 anos. Em outras palavras: a quantidade de domicílios ou pessoas que as entrevistas representam em cada lugar é uma incógnita que só o Censo pode responder com precisão.

Isso significa que, com 11 anos decorridos desde o último Censo, todas as pesquisas amostrais realizadas pelo IBGE estão cada vez menos precisas e, portanto, se distanciando da realidade do país. Além da PNAD, são muitos os estudos importantes que já precisam ser calibrados com dados censitários mais recentes, entre eles, a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) e a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF).

Porém, dentre todos os estudos, vale destacar a Estimativa da População. Ano após ano, esta é calculada com base na medição real que o Censo anterior fez. A partir dos dados censitários, o número de habitantes estimado leva em conta, inclusive, os totais conhecidos de nascimentos e óbitos. No entanto, nada se sabe sobre a migração, ou seja, sobre o deslocamento das pessoas entre os municípios e, principalmente, dentro deles, onde são mais frequentes.

Portanto, os dados demográficos do país estão cada vez menos precisos e seu distanciamento da realidade aumenta conforme a escala territorial – se já não há segurança sobre os municípios, que dirá sobre os diferentes territórios intramunicipais. As informações sobre moradores de determinado bairro, por exemplo, não podem ser estimadas através de outras pesquisas. A única medição nessa escala geográfica é o Censo e, agora, estamos com mais de uma década de defasagem. O Censo Maré, realizado pela Redes da Maré em 2013, que levantou aspectos não abrangidos pelo IBGE e diferenciou as características de cada uma das 16 comunidades da Maré, deixa esse bairro em uma situação privilegiada em relação aos outros da cidade do Rio de Janeiro e a outras localidades país afora.

Seria importante tratar outros pontos que estão mobilizando esse debate, dentre os quais, se o Censo é realmente caro ou se essa é uma ideia infundada, se a coleta poderia ser feita por correspondência, telefone ou internet e se poderá ser realizado no ano que vem. Além disso, seria bom trazer um pouco da história e da relevância do Censo brasileiro, bem como, conhecer as leis que obrigam o governo a realizá-lo a cada 10 anos. Mas esses assuntos ficarão para outra oportunidade.

**Dalcio Marinho Gonçalves é demógrafo e pesquisador da Redes da Maré.

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