Artigo: ‘Sem lenço, sem documento’

Data:

Por Hélio Euclides, em 04/08/2021 às 07h. Editado por Tamyres Matos.

A pandemia aprofundou os reflexos da desigualdade social. Um dos sinais disso é que muitos brasileiros precisaram ir até as agências da Caixa Econômica por causa do auxílio emergencial. No entanto, boa parte destas pessoas não recebeu até hoje nenhuma parcela, alguns por serem considerados socialmente invisíveis. São pessoas que não possuem um simples documento e, em alguns casos, não tem condição de tirar uma segunda via. 

Referimo-nos aqui a uma parcela da população que fica distante de reparações sociais e de serviços como saúde e educação. Apesar da existência de duas unidades do Detran, a cada ação que cria a oportunidade da documentação gratuita na Maré, centenas de pessoas procuram ajuda para informações e obtenção dos documentos.

No fim do mês de junho (26/06), foi realizada uma ação social na Praça do Dezoito, na Baixa do Sapateiro, com muitas atividades, entre elas a distribuição de 100 isenções. A procura pelo serviço superou em muito este limite.

“Moradores entraram em contato pedindo essa ação. Essa necessidade se deve ao fato de que o poder público não aproxima o cidadão da documentação. Acredito que 90% da população que tinha direito ao auxílio emergencial e não recebeu foi por não ter a documentação necessária ou informação. Aqui mostramos o que é necessário para receber um benefício e indicamos o caminho do Centro de Referência em Assistência Social (CRAS)”, explica Jubdervan Menezes, apoio de projetos do Instituto Nacional de Desenvolvimento Humano (INADH).

A ação foi realizada pelo INADH, pelo Instituto Maria Aparecida Tereza Lopes (IMATL) e pelo Maré Solidária, além de contar com a parceria da Fundação Leão XIII. A quinta ação nesses moldes na Maré distribuiu isenção para segunda via de identidade, certidão de nascimento, certidão de óbito e certidão de casamento. Jairo Nunes, do IMATL defende que a população tenha mais oportunidade de acesso aos serviços. “Esse trabalho é gratificante, mas é triste perceber que falta oportunidade para os moradores. Os políticos só veem a favela como curral eleitoral, mas depois de eleitos não têm intenção de ajudar. É um absurdo ter que pagar para tirar segunda via de identidade dentro da favela”, reclama. 

Duas horas antes do início da ação já tinha gente na fila atrás de isenção. “Tinha que ter mais vezes essas ações, pois é complicado tirar documento. Esses momentos nos ajudam a, no futuro, conseguir um emprego”, diz Gina Ferreira, moradora da Baixa do Sapateiro. Para Vânia Cristina, moradora da mesma localidade, a população vulnerável necessita de mais amparo. “É preciso proporcionar mais assistência nas favelas. Os órgãos públicos devem ter boa vontade e oferecer de uma forma simples mais acesso”, sugere. 

A invisibilidade no Brasil

Um levantamento de dados realizado pela Fundação Getúlio Vargas Social, aponta que hoje cerca de 2,27 milhões de brasileiros, ou seja, 1,08% da população não tem registro de nascimento. “A falta de certidão de nascimento é apenas um caso mais extremo da ausência de direitos com repercussão em outros direitos, como ingresso na escola, no mercado de trabalho e mesmo na assistência social. É preciso criar políticas que facilitem o acesso à documentação”, enfatiza Marcelo Cortes Neri, economista da FGV.

Sueli Figueiredo, moradora da Praia de Ramos, agendou para tirar a identidade do sobrinho. “Gostei do atendimento, melhor ainda sendo perto de casa, sem precisar gastar com passagem. Ele chegou do Nordeste sem o documento e para conseguir trabalho é indispensável”, diz. 

Para pessoas como Luiz Carlos, em situação de rua, a questão ainda é mais delicada. “Tirar segunda via da identidade sem dinheiro é muito difícil. Só consegui com o apoio da Redes da Maré que intermediou junto a Fundação Leão XIII”, conta Carlos.

Com a reabertura após a pandemia, a procura por um atendimento no Detran aumentou e moradores precisam concorrer a uma vaga com residentes de outras localidades, como Bangu, Méier, Penha, Campo Grande e até Três Rios. “Está difícil, então o sistema ofereceu a comunidade e aceitei”, expõe José Orlando, morador de Inhaúma. 

Confira informações para retirar documentos

Certidão de Nascimento: O registro e a primeira certidão são gratuitos, segundo a Lei Federal 9.534/97. Os pais devem levar ao cartório de registro civil os documentos pessoais, como identidade, CPF, certidão de nascimento ou casamento, bem como a Declaração de Nascido Vivo (DN), emitida pelo hospital ou maternidade e entregue aos pais do bebê após o seu nascimento. O cartório mais próximo da Maré fica na Avenida Guilherme Maxwel, 555, Bonsucesso.

Cadastro de Pessoas Físicas (CPF): No site da Receita Federal (confira no nosso site), existem orientações sobre as situações cadastrais do CPF e como regularizá-las. Dúvidas: [email protected].

Carteira de identidade: Agendar seu atendimento no posto de Identificação Civil no site do Detran (link no site do Maré de Notícias) ou teleatendimento: (21) 3460-4040 / 3460-4041. Comparecer com original ou cópia autenticada da certidão de nascimento. Para brasileiros casados também é exigida a certidão de casamento. Para segunda via: Antes de seguir o mesmo procedimento acima é necessário pagar uma taxa no valor de: R$ 41,79. Informações também no site do Detran.

As duas unidades do Detran Maré oferecem os serviços de habilitação e identificação civil. Posto Maré: Rua Principal, s/nº, Baixa do Sapateiro. Posto Parque Maré: Rua Teixeira Ribeiro, 629. Ambos funcionam entre 8h e 17h.

Carteira de Trabalho: A Secretaria Especial de Previdência e Trabalho informa que, desde 2019, o Governo Federal lançou a Carteira de Trabalho Digital e todo brasileiro com CPF já possui o documento, bastando apenas instalar o aplicativo. As carteiras físicas não são mais emitidas. Informações no site do Governo.

Alistamento Militar: O Comando Militar do Leste informa que todo brasileiro do sexo masculino, no ano em que completar 18 anos, deverá se alistar nos primeiros seis meses do ano por meio do site  do alistamento ou comparecer à Junta de Serviço Militar (JSM), que fica na X Região Administrativa – Rua Uranos, 1230, Ramos. 

Isenção: A Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos realiza serviço de documentação básica por meio dos Centros Comunitários de Defesa da Cidadania (CCDCs), que oferece isenção de taxas para casamento, 2ª via de certidões de nascimento, casamento, óbito e Registro Geral (RG). O CCDC Maré funciona na Rua Principal s/n°, Baixa do Sapateiro, das 9hs às 17hs.

A Fundação Leão XIII também oferece os serviços de isenção para documentação civil. Informações pelo site da organização e pelos telefones da Diretoria de Promoção Social da Região Metropolitana: 2332-6378 e 2332-6392, de segunda a sexta, das 9h às 18h. Os endereços na Maré: Rua Sargento Silva Nunes, nº 1.012, Nova Holanda, telefone: 2334-7801; e Rua Gerson Ferreira, 06, Praia de Ramos, telefone: 2334-7802.

Compartilhar notícia:

Inscreva-se

Mais notícias
Related

Por um Natal solidário na Maré

Instituições realizam as tradicionais campanhas de Natal. Uma das mais conhecidas no território é a da Associação Especiais da Maré, organização que atende 500 famílias cadastradas, contendo pessoas com deficiência (PcD)

A comunicação comunitária como ferramenta de desenvolvimento e mobilização

Das impressões de mimeógrafo aos grupos de WhatsApp a comunicação comunitária funciona como um importante registro das memórias coletivas das favelas

Baía de Guanabara sobrevive pela defesa de ativistas e ambientalistas

Quarenta anos após sua fundação, o Movimento Baía Viva ainda luta contra a privatização da água, na promoção da educação ambiental, no apoio às populações tradicionais, como pescadores e quilombolas.

Idosos procuram se exercitar em busca de saúde e qualidade de vida

A cidade do Rio de Janeiro tem à disposição alguns projetos com intuito de promover exercícios, como o Vida Ativa, Rio Em Forma, Esporte ao Ar Livre, Academia da Terceira Idade (ATI) e Programa Academia Carioca