União e troca de experiências podem conter violência
Texto originalmente publicado no site da Folha de São Paulo em 01 de novembro de 2019
Edna Jatobá
Eliana Sousa Silva
Jaime Crowe
O conjunto de favelas da Maré, no Rio de Janeiro, tem o tamanho de uma cidade média, com 139 mil habitantes espalhados em 16 comunidades. Historicamente, a região tem sido vista pelos governos e por parte da população apenas como um local perigoso, onde o que se sobressai é a atuação de integrantes de redes ilícitas e criminosas envolvidas em confrontos armados entre si e com agentes da segurança pública.
O resultado dessa visão distorcida é que, na Maré, como em outras periferias brasileiras, os moradores sempre precisaram lutar em defesa da própria vida. Foram muitas conquistas, como, por exemplo, uma ação civil pública em que a Redes da Maré, uma instituição da sociedade civil, articulou junto com a Defensoria Pública do Rio e outras organizações locais para que, durante as incursões policiais na região, não houvesse invasão de casas, a não ser com mandados judiciais; fossem disponibilizadas ambulâncias para eventuais feridos; e policiais estivessem identificados, entre outras garantias básicas de vida.
A liminar foi concedida em 2017, com resultados imediatos. Os homicídios nas favelas da Maré despencaram, assim como as incursões da polícia, os tiroteios e os dias sem aulas nas escolas. O atual governador do Rio de Janeiro, no entanto, briga para suspender a ação civil pública da Maré.
Outras periferias brasileiras vivem dramas parecidos. O Estado chega somente como força de guerra, usando violência desmedida, como se invadisse um território inimigo, deixando a população acuada entre as balas do crime e da polícia. É preciso resistir e agir contra esses abusos. As periferias brasileiras precisam trocar experiências e irem unidas para o debate sobre como garantir a vida nesses bairros. É o único caminho para sair dessa trilha suicida que vivemos.
Neste sábado (2), as Redes da Maré, do Rio de Janeiro, o Fórum em Defesa da Vida, organização das periferias da zona sul de São Paulo, e o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), de Pernambuco, entre outros grupos, promoverão em seus territórios atos em defesa de políticas que promovam a vida.
A escolha da data se inspirou na experiência do Jardim Ângela, que reagiu depois de ter sido apontado em 1996 como o bairro mais violento do mundo. Já são 24 anos de caminhadas em defesa da vida e da articulação de uma rede em torno do Fórum em Defesa da Vida, que nesses anos pressionou pela chegada de um hospital na região, por melhorias em escolas e serviços de assistência social e para a construção de três bases de policiamento comunitário.
Pernambuco e os demais estados do Nordeste e do Norte, que atualmente estão com elevadas taxas de homicídio, vivem a urgência de reverter o quadro, algo que já vem ocorrendo com a ajuda das organizações populares e da sociedade civil local.
A luta pelo aperfeiçoamento das instituições democráticas na garantia dos direitos civis mais sagrados, como a vida, não deve ser apenas das periferias, mas de todo o Brasil. Juntemo-nos em mais essa luta.
EDNA JATOBÁ
Socióloga e coordenadora-executiva do Gabinete de Assessoria Jurídica a Organizações Populares (Gajop), de Pernambuco
ELIANA SOUSA SILVA
Educadora e diretora da Redes da Maré, no Rio de Janeiro
JAIME CROWE
Padre da Paróquia Santos Mártires, no Jardim Ângela (São Paulo), e um dos fundadores do Fórum em Defesa da Vida, que reúne mais de 200 entidades