Atendimento a LGBTQIAP+ nos serviços públicos de saúde

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Formação e sensibilização dos profissionais de saúde é essencial

Edição #161 – Jornal Impresso do Maré de Notícias

“Você sabe de algum lugar que tenha atendimento psicológico gratuito?”, pergunta Matheus Henrique Lopes, de 25 anos, morador da Baixa do Sapateiro, no nosso primeiro contato durante uma entrevista. Homem trans, negro, cria da Nova Holanda, ele diz que “sente muito, o tempo todo”, e que a transfobia é uma realidade paralisante em sua vida. “O que eu posso fazer é só procurar ajuda”, afirma. 

Há cinco anos Matheus começou a transição de gênero e, o primeiro acolhimento que teve, foi dos irmãos. Eles são sete, ao todo, cinco por parte da mãe e dois do pai. Matheus é o mais velho e conta que, pouco tempo depois do início da transição, os irmãos já estavam brigando na rua para que ele fosse respeitado.

Ele conta que a pergunta sobre o atendimento foi um pedido de ajuda devido a tantas situações que havia vivido e, não sabia mais o que fazer. “Isso [transfobia] ocorre o tempo todo. É como uma música que a gente não acha mais graça e nem tem vontade de dançar”, lamenta.

Matheus explica que evita sair na rua por se sentir julgado pelas pessoas. Inclusive, ele já se sentiu assim até em unidades de saúde. “No começo da minha transição, isso acontecia direto em espaços de saúde, em clínicas da família. Eu usava o meu nome social, mas visivelmente, eu ainda não parecia ser um homem. Então, passavam pessoas na minha frente para serem atendidas, às vezes, pessoas que tinham acabado de chegar. Isso doía bastante, não que ainda não doa, mas é menos do que antes, entende?”.

Hoje, ele faz o acompanhamento no Hospital Universitário Pedro Ernesto, em Vila Isabel, unidade que tem um ambulatório referência em transdiversidade. Há um ano sem dinheiro para continuar o tratamento, ele relata que isso está afetando sua autoestima. “Eu ter uma vagina não me incomoda, não ter renda para comprar um hormônio, isso sim me incomoda”.

Menos acesso a saúde

Muitos homens trans, assim como Matheus, acabam não usando as unidades de saúde por medo de sofrerem transfobia. Segundo dados do relatório Violação dos direitos e episódios de violência contra pessoas LGBT+ de favelas 2023, 49% das mulheres trans e travestis procuram as unidades públicas de saúde, enquanto o percentual de homens trans é de 40%.

O boletim também aponta relatos de transfobia por parte dos funcionários de  clínicas da família, tanto em relação a homens trans, que precisavam de atendimento para ginecologia, quanto às mulheres trans, que procuravam atendimento para urologia.

Segundo o relatório, o Sistema Nacional de Regulação (SisReg), impede trans masculinos com nome e gênero retificados, ou seja, já corrigidos para o gênero que se identificam, deles fazerem exames “destinados às mulheres”. A pesquisa conta ainda que, outro motivo que leva homens trans a não acessarem as unidades básicas de saúde, é a falta de remédios usados para a hormonização.

Outro apontamento do relatório é em relação às redes de apoio criadas pelos próprios homens trans, com objetivo de trocar informações sobre hormonização e cuidados da saúde. O Hospital Pedro Ernesto também tem grupos da população trans masculina e foi através de um desses grupos que conhecemos Matheus.

Para Diana de Oliveira, mestre em Ensino em Biociências e Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), um atendimento humanizado é o primeiro passo para a garantia dos direitos sexuais. “É importante que toda a sociedade receba informações sobre as temáticas ligadas à saúde sexual e reprodutiva, seja através de iniciativas de educação em saúde, seja através de serviços de saúde que devem atender toda a sociedade de forma digna”, pontua.

Assuntos relacionados

Invisibilidade na saúde pública

Camila Felippe, de 26 anos, moradora da Vila do João, conta que percebe que não há uma “saúde pública pensada para os nossos corpos, a sensação é de invisibilidade da população LGBT+”. A estudante de odontologia na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), afirma que durante o curso, não é abordada a saúde da população LGBT+ nas aulas, há apenas “um seminário que falou sobre infecções sexualmente transmissíveis”.

Em relação ao atendimento recebido nas unidades públicas de saúde, Camila diz  ser bem atendida e que respeitam a sua decisão de apenas ter consultas com  ginecologistas mulheres.  Porém, ressalta que sente falta de informações sobre prevenção contra infecções sexualmente transmissíveis (ISTs).

“Nunca passei por uma situação de violência. Apesar de ser negligenciada nos meus direitos em relação ao acesso a informação de prevenção quanto uma pessoa LGBT+.”

A estudante desenvolve um trabalho de acolhimento na coletiva Resistência Lésbica voltado às mulheres lésbicas e bissexuais. Ela explica que as meninas acolhidas são levadas para realizar consultas nas clínicas da família, um papel de acolhimento e acompanhamento que poderia ser feito pela família. 

“Não tem como falar nesse assunto sem passar pela educação, a família tem um caminho a desbravar, pesquisar, sentir e dialogar”, opina. 

Combate à LGBTfobia

A superintendente de Atenção Primária do Município do Rio de Janeiro, Larissa Terrezo, afirma que, havendo alguma situação de LGBTfobia, a orientação é que a pessoa  vítima da violência, fale diretamente com a gerência ou diretoria da unidade. 

“A Secretaria Municipal de Saúde e a Atenção Primária do município do Rio combatem toda e qualquer manifestação de preconceito. Então, há muito interesse em apurar todos esses casos. Denúncias também podem ser feitas para o canal de ouvidoria no 1746”, orienta.  

A superintendente ainda destaca que, assim que são contratados para trabalharem em unidades básicas, os profissionais de saúde passam por uma formação de uma semana. Eles também têm acesso a cartilhas voltadas para o atendimento à população LGBT+, que tem alta adesão. Entretanto, Larissa reconhece a dificuldade de alcançar os cerca de 20 mil profissionais da rede municipal.

“A gente tem que pensar, primeiramente, que essas pessoas se sintam confortáveis e sintam que a unidade de atenção primária é um espaço de acolhimento, e não mais um lugar onde elas vão sofrer qualquer tipo de violência”, pondera. 

A superintendente também garante que as unidades de saúde estão abertas para conversas, e que os usuários LGBT+ podem propor ideias de temas para palestras e projetos em que são atendidos.

Lucas Feitoza
Lucas Feitoza
Jornalista

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