Baía de Guanabara sobrevive pela defesa de ativistas e ambientalistas

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Movimento ‘Baía Viva’ surgiu na década de 1980. Neste período a Baía de Guanabara enfrentava um período crítico de degradação ambiental

Hélio Euclides e Isabela Rodrigues*

Pensar saúde, educação, desenvolvimento sustentável e meio ambiente dentre outros temas, para melhorar a qualidade de vida da população do planeta. Uma das discussões mundiais é encontrar caminhos para lidar com os desafios globais, entre eles o meio ambiente. A preservação da Baía de Guanabara precisa ser incluída na pauta dos governantes, na esfera municipal, estadual e federal, com metas para despoluição e recuperação de sua biodiversidade. A sociedade, representada pelas organizações não governamentais mobiliza para a promoção da educação ambiental, pressionando por políticas públicas efetivas e garantindo que as vozes das populações afetadas sejam ouvidas.

Uma dessas políticas públicas é o  projeto Universidade do Mar, do Movimento Baía Viva, que visa criar um centro de conhecimento e formação voltado para a sustentabilidade e a preservação dos ecossistemas marinhos. O projeto oferece cursos de capacitação para pescadores, quilombolas e moradores de favelas, com o objetivo de promover práticas sustentáveis e fortalecer a economia local por meio da pesca artesanal e do turismo comunitário.

O movimento surgiu na década de 1980. Neste período a Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, enfrentava um período crítico de degradação ambiental. Em 1984, diante da construção da rodovia Niterói-Manilha, que ameaçava devastar manguezais, a Mata Atlântica e comunidades pesqueiras, um grupo de pesquisadores e ambientalistas uniu forças para proteger este ecossistema vital. Essa atuação da primeira geração do Movimento Baía Viva foi vitoriosa, sua luta culminou na criação da Área de Proteção Ambiental Federal de Guapimirim, com dois mil hectares de manguezais protegidos, abrangendo parte dos municípios de Guapimirim e Itaboraí.

Quarenta anos após sua fundação, o Movimento Baía Viva ainda luta contra a privatização da água, na promoção da educação ambiental, no apoio às populações tradicionais, como pescadores e quilombolas. Ou seja, é uma batalha pela sobrevivência da Baía de Guanabara. Apesar da primeira vitória dos ativistas, políticas predatórias e o despejo contínuo de milhares de litros de esgoto sem tratamento continuam a devastar a Baía, que segue agonizando. 

“Sem movimentação social, não há avanço de política pública. Estamos vivendo um período complexo e difícil, com a desigualdade se aprofundando. O Brasil voltou ao mapa da fome em 2022 e estamos enfrentando os efeitos intensificados dos eventos climáticos extremos. Ao mesmo tempo, está cada vez mais difícil organizar as pessoas devido a esses fatores, o que gera ansiedade na juventude”, explicou o fundador e coordenador do movimento, Sérgio Ricardo, ecologista e Mestre em Ciências Ambientais.

O ecologista e indígena da comunidade Potiguara, natural do Rio Grande do Norte,  lembra de suas primeiras experiências ao chegar ao Rio de Janeiro. “Eu só conhecia a praia pelo cartão postal. Quando larguei a bicicleta e fui nadar, me falaram para não entrar na água, pois era poluída. Fiquei surpreso. Depois, fui até Botafogo e disseram que lá era ainda pior. Na Ilha do Governador todas as praias estavam impróprias para banho”, lembra.

Julia Rossi, doutora em Geografia pela PUC Rio, admira o grupo e confessa que aprendeu muito com o Baía Viva. “São os pioneiros nesse movimento de proteção e defesa dos direitos, não só de termos ecossistema ou de serviços ambientais, mas na luta dos pescadores e das comunidades que estão à beira da Baía de Guanabara. Eles têm essa relação de apoio e resgate com as favelas, que são os territórios mais impactados. Eles mostram essa relação com a Baía de Guanabara, que é como uma troca, cuidamos bem dela e ela nos ajuda a viver melhor”, comenta.

Outro aspecto crucial do trabalho do Movimento Baía Viva é a educação ambiental. O movimento organiza oficinas, seminários e programas educativos para crianças, jovens e adultos, abordando temas como a importância da preservação dos manguezais, a biodiversidade da Baía de Guanabara e os impactos da poluição. Esses programas são essenciais para criar uma consciência ecológica nas comunidades locais e fomentar uma nova geração de defensores do meio ambiente. “Sem movimentação social não há avanço de política pública”, conclui o ecologista e Mestre em Ciências Ambientais

Ainda existe muita luta pela frente

A Baía de Guanabara nem sempre foi o que se vê hoje. Com 412 km², antigamente, era um berçário de vida marinha, repleto de peixes, crustáceos, tartarugas e golfinhos. Décadas de expansão urbana desordenada e políticas predatórias transformaram drasticamente esse cenário. Grandes áreas de manguezais foram aterradas para dar lugar a rodovias, aeroportos e áreas industriais e habitacionais, destruindo habitats vitais. Além disso, o despejo contínuo de milhares de litros de esgoto não tratado e resíduos industriais poluíram gravemente a baía.

As consequências desses impactos são evidentes. A maioria das praias da Guanabara é imprópria para banho, e os alagamentos tornaram-se frequentes em áreas urbanas, como Manguinhos, Maré e partes da Baixada Fluminense, pela falta de cobertura vegetal que antes absorvia o excesso de água. Pescadores artesanais foram forçados a buscar outras formas de sobrevivência, muitas vezes catando lixo flutuante nas águas poluídas. O Painel Saneamento Brasil afirma que mais de 30% da população do Rio de Janeiro ainda não tem acesso à coleta de esgoto. Atualmente, 18 mil litros de esgoto por segundo são despejados na Baía de Guanabara. Essa quantidade massiva de esgoto sem tratamento agrava a situação já precária da Baía, resultando em um ambiente insalubre e perigoso para as comunidades locais.

O ambientalista Sérgio Ricardo afirma que uma das lutas do movimento é contra o racismo ambiental que está se intensificando devido à desigualdade. A introdução de esgoto não tratado e resíduos industriais na Baía compromete gravemente a qualidade da água, tornando a pesca uma atividade perigosa para a saúde. Sem acesso a água tratada e esgoto sanitário, essas comunidades enfrentam graves problemas de saúde pública. Surtos de doenças como diarreia, hepatite e leptospirose são comuns. O novo Marco Legal do Saneamento Básico, sancionado em julho de 2020, foi criado para ampliar o acesso ao saneamento básico no Brasil e permitir maior participação da iniciativa privada no setor. Contudo, apresenta lacunas, especialmente em relação ao fornecimento de serviços de saneamento nas áreas rurais e comunidades periféricas, onde vivem pescadores, indígenas, favelados e quilombolas.Para Rossi, a Baía de Guanabara é importante para o Estado, para a região metropolitana e a nível local. “A Maré tem esse jeito próprio de se relacionar com o entorno, pelo histórico, o próprio nome, na época das palafitas dava para ver o movimento da maré e da baía. Mas depois com o aterramento e todo esse processo de transformação foi ficando cada vez mais invisível. A gente olha para ela como se fosse lixo, algo sujo e não como uma substância da vida. Precisamos entender a importância do saneamento para a sobrevivência desse ecossistema e assim enfrentar as mudanças climáticas”, defende.

*Isabela Rodrigues foi aluna do Curso de Extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) 2023 em parceria com o Maré de Notícias e o Conexão UFRJ.

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