A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) começa nesta segunda-feira (13/09) a aplicação da dose de reforço (DR) em idosos, escalonados por faixa etária, de 95 a 90 anos ou mais. A dose de reforço será destinada aos idosos que receberam a segunda aplicação do imunizante há, pelo menos, três meses.
Também será realizada a primeira dose (D1) em Pessoas com Deficiência (PcD), gestantes, puérperas e lactantes com 12 anos ou mais, além da repescagem para o público a partir de 23 anos, preferencialmente, no período da tarde, e da aplicação da segunda dose (D2), conforme a data estipulada no comprovante da primeira.
Para retomada da vacinação dos adolescentes escalonados por faixa etária, a SMS segue aguardando a entrega de mais doses pelo Ministério da Saúde, o que está previsto para acontecer entre segunda e terça-feira, sendo possível retomar este calendário na quarta-feira (15).
Plataforma concentra informações sobre Sistema Único de Saúde
Por Edu Carvalho, em 13/09/2021 às 10h33
A Prefeitura do Rio criou uma alternativa para que os cariocas possam tirar dúvidas sobre o ConecteSus, aplicativo que organiza toda a vida do cidadão em relação ao Sistema Único de Saúde, o SUS. A iniciativa foi feita para auxiliar na divulgação de informações necessárias, sobretudo, para o registro da vacinação digital.
No ínicio do mês de setembro, a Prefeitura informou que a entrada em ambientes públicos só será autorizada mediante apresentação do documento digital ou do comprovante em papel. Mas o sistema sofreu alterações e a data inicial para exigência começará a partir do dia 15/9 (nesta quarta-feira).
Em caso de dúvidas ou dados incorretos sobre o registro de vacinação no ConecteSUS, é necessário enviar o relato do problema, anexando foto do comprovante de vacinação, de um documento de identificação com foto e CPF, para o e-mail [email protected].
Categoria fundamental para levar informações à população, os profissionais seguem negligenciados com corte nos recursos e limitação nos bairros de atuação
Por Alice de Souza, Alice Sousa, Andressa Marques, Ester Caetano, Jamile Santana, Kleber Nunes, Natali Carvalho, Rose Serafim e Thais Rodrigues (*)
Por 26 anos, Maria Betânia da Silva cumpriu diariamente o mesmo ritual: sair de casa com bolsa, prancheta, papel, caneta e informações para mais de 800 famílias do bairro da Várzea, Zona Oeste do Recife (PE). Sob chuva ou sol, batendo de porta em porta, trabalhou para a erradicação da cólera, na década de 1990, da filariose, no início deste século, e do controle do zika vírus, em 2016. Durante a pandemia de covid-19, pela primeira vez, foi retirada das ruas.
Maria Betânia é agente comunitária de saúde (ACS), profissional que atua na ponta do sistema público, na Atenção Primária à Saúde (APS). Os agentes comunitários de saúde são pessoas que geralmente vivem nas comunidades onde atuam, por isso são considerados pontes entre a população e o restante dos profissionais das equipes de Saúde da Família. São fundamentais no rastreio de pessoas infectadas por covid-19, mas também na disseminação de informações sobre outras doenças.
Uma categoria fundamental para levar informações à população, os ACSs seguem negligenciados mesmo depois de um ano e cinco meses de pandemia. Entre janeiro e novembro de 2020, de acordo com dados do portal Informação e Gestão da Atenção Básica (e-Gestor), do Ministério da Saúde, a quantidade de ACSs atuando no país diminuiu 4,4%. A cobertura total da população brasileira no primeiro ano da pandemia reduziu de 63,30% para 61,13%. Se consideradas as capitais, somente cinco conseguiram aumentar a quantidade de agentes comunitários de saúde nas ruas entre 2018 e 2020: Salvador, Natal, Manaus, Macapá, Porto Velho, São Paulo e Curitiba. Mas se considerarmos apenas o primeiro ano de pandemia, 19 capitais brasileiras perderam ACSs.
As maiores quedas de cobertura, segundo o painel do Ministério da Saúde, foram nas cidades do Rio de Janeiro e Aracaju, que diminuíram em mais de 10% o número de profissionais nas ruas entre 2019 e 2020. A capilaridade dos agentes comunitários de saúde brasileiros chegou a ser mencionada pelo Imperial College London, no primeiro mês da pandemia, março de 2020, como um trunfo no enfrentamento à covid-19. Porém, esses trabalhadores só foram considerados essenciais há um ano, em julho.
Mesmo assim, o Brasil não conseguiu retê-los na rede de atenção primária, como mostram os dados do portal Informação e Gestão da Atenção Básica (e-Gestor), e muitos passaram a trabalhar em condições precárias. Recife, onde Maria Betânia trabalha, perdeu cerca de 6 pontos percentuais de cobertura de ACSs na atenção primária. Na capital pernambucana, a cobertura que já foi de 67% da população em 2018, em novembro de 2020 era de 60%. Pouco mais de 2.000 ACSs da Prefeitura do Recife foram retirados das ruas.
“Não houve nenhuma formação para os agentes atuarem no território, muito menos cuidado por parte da gestão. No início (da pandemia), ofereceram equipamentos sem qualidade, só quando o Ministério Público de Pernambuco soube da denúncia foi que melhoraram essa situação. A gente ficou perdido, o que pudemos fazer foi nos salvar, restringindo as visitas às famílias”, afirma Maria Betânia.
Para não perder totalmente o vínculo com os pacientes, ela informou o número pessoal do Whatsapp. É pelo aplicativo, com conexão custeada com dinheiro do seu próprio bolso, que ela tenta manter o trabalho de promoção da saúde até hoje. “É uma agonia, o celular não para. A verdade é que nessa questão do coronavírus nós fomos subutilizados. Com o nosso conhecimento do território poderíamos ter feito um trabalho importantíssimo, não na assistência quando o paciente já está doente e hospitalizado, mas na prevenção e no monitoramento, com certeza o número de infectados e mortos seria bem menor”, aposta.
Queda da cobertura de ACSs é apenas um dos déficits da atenção primária
A ausência dos agentes comunitários de saúde nas ruas é apenas um dos desafios enfrentados pela atenção primária em saúde (APS), que já sofre cortes desde antes da pandemia no Brasil. Para a médica sanitarista, professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Bernadete Perez, a atenção primária está fragilizada pela redução na aplicação de recursos públicos. “Por causa da PEC do teto de gastos (PEC 55/2016), o país entrou na pandemia com uma queda de R$ 20 bilhões no orçamento da saúde”, explica ela.
Em algumas capitais, como Porto Alegre (RS), as consequências da PEC do teto de gastos já aparecem no total investido na atenção primária. Em 2020, segundo o relatório anual de gestão da Secretaria de Saúde da cidade, foram aplicados R$ 7 milhões a menos que em 2019 nas ações de ampliação e melhorias na atenção primária. O previsto para 2021 é de R$ 36 milhões, o que ainda não retoma os investimentos do período pré-pandêmico, que foi de quase R$ 38 milhões.
Para o doutor em Saúde Coletiva e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Alcides Miranda, não houve preparação ou mobilização estratégica de pessoas, recursos e da rede de serviços de Atenção Primária (APS) no município para lidar com a pandemia. “Na ausência de iniciativas municipais significativas para investimentos, para a mobilização e para a realocação de recursos, a APS permaneceu em seu modo basal, subfinanciado. Infelizmente não houve uma realocação de verba, pelo contrário, houve um desvio de recurso para o setor terciário, com a lógica de que a pandemia seria uma questão de hospitalização”, conta Cláudia Franco, presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Rio Grande do Sul (Sergs). Para a coordenadora-adjunta do Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre, Ana Paula de Lima, a falta de investimentos teve impacto direto na diminuição da cobertura dos agentes comunitários de saúde. “Deixamos de atender todas as outras necessidades em saúde, que vêm se acumulando e que são tarefas também da atenção básica, como acompanhamento de diabetes e hipertensão, a questão de idosos, do atendimento da puericultura e do pré-natal,”diz.
Em Natal (RN), há uma defasagem da cobertura de atenção básica de, aproximadamente, 50% e 60% da população. “Teria que dobrar o número de unidades para atingir a cobertura de 100%, que é o ideal”, afirma Sedru Cavalcanti, conselheiro Municipal de Saúde de Natal. Segundo ele, além de não serem suficientes para a demanda dos bairros, os postos de saúde ainda sofrem pela falta de segurança. Em 2021, duas UBSs foram assaltadas na capital potiguar. No primeiro episódio, ocorrido em março, os assaltantes tentaram levar doses de Coronavac. Em maio, houve um arrastão na UBS Candelária, na Zona Sul de Natal. De acordo com informações da Secretaria Municipal de Segurança Pública e Defesa Social, há uma patrulha que funciona 24h, e os gestores das unidades mantêm contato direto com a guarda.
Erro de estratégia deixa APS vulnerável e com ação limitada na pandemia
A falta de investimentos e planejamento no uso da força da atenção primária, mesmo após um ano e meio de pandemia, é uma situação que ocorre em todo o país, de acordo com a médica sanitarista e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Bernadete Perez. Com poucas exceções, como Araraquara (SP) e Niterói (RJ), o Brasil errou em não aproveitar o potencial da atenção básica no enfrentamento à pandemia, na avaliação dela, apostando de maneira equivocada na inversão da estratégia do SUS. “É muito difícil combater epidemia só com respirador e leitos provisórios ou de terapia intensiva, isso não impede transmissão viral. Enquanto a vacinação não se completa, só é possível achatar a curva da epidemia com uma atenção primária forte, atuando diretamente na detecção precoce dos casos e fazendo o isolamento das pessoas de acordo com sua cultura de moradia”, explica. Recife, exemplifica, tinha 100% de cobertura do Núcleo Ampliado de Saúde da Família (NASF). “Hoje não chegamos a 30% de cobertura da cidade”, explica Bernadete.
No Distrito Federal, com uma população de quase 3 milhões de pessoas, há 6.500 profissionais nas equipes de saúde da família. As visitas em domicílios foram suspensas ou diminuíram com a pandemia. Lá, surgiu outro problema na atenção primária, a prescrição de medicamentos sem eficácia para a covid-19. Em Brasília, há relatos de pessoas que tomaram azitromicina, ivermectina e loratadina, receitadas nas UBSs, mesmo antes de receberem o diagnóstico. Uma servidora da Secretaria de Saúde, que preferiu não ser identificada, disse que foi à UBS na região de Vicente Pires. Os sintomas eram de sinusite e rinite alérgica que, segundo ela, são recorrentes. “Me foi receitado todas essas medicações e já mandaram eu iniciar mesmo antes do resultado. O resultado saiu 3 dias depois, negativo”.
A reportagem foi até o Centro de Saúde nº 7, localizado no Setor O, em Ceilândia, e presenciou a mesma ação. Segundo o coordenador da Atenção Primária da Secretaria de Saúde do DF, Fernando Érick, o órgão não prescreveu medicamentos do chamado “kit covid” para a população. “Nós não prescrevemos esses medicamentos. Não é uma prática da Secretaria de Saúde e são casos muito isolados”. Para a vice-presidente da Abrasco, ao abrir mão de qualificar a atenção básica, os gestores deixaram de evitar milhares de mortes por covid-19.
Durante participação na CPI da covid-19, a médica e diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil, Jurema Werneck, enfatizou que a atenção básica está sobrecarregada e sucateada. Contudo, reconheceu que ações ainda podem ser feitas. “Agora temos as vacinas, que precisam ser garantidas para toda a população e com celeridade, além de garantir que os SUS tenha condições de tratar do futuro da pandemia, das suas sequelas, e, ainda, que seja capaz de enfrentar outras pandemias”, conclui. É o que também defende Bernadete Perez. “Ainda dá para fazermos alguma coisa pelo fortalecimento da atenção básica, colocando-os para atuar na busca ativa de quem precisa ser imunizado e no atendimento dos pacientes com sequelas da covid-19”, analisa.
Enquanto a APS não é priorizada, os profissionais de saúde da atenção básica correm para cuidar da população. Sheyla Vasconcelos, enfermeira na Unidade de Saúde da Família Tia Regina, na periferia da zona norte recifense, segue trabalhando com equipe desfalcada. Junto aos colegas, Sheyla produziu vídeos curtos para serem espalhados por meio do Whatsapp e comprou uma caixa de som que fica ligada em frente a USF. “Em 17 anos de carreira, não lembra ter vivenciado nada igual.”
“Esta reportagem é uma produção do Programa de Diversidade nas Redações, realizado pela Énois – Laboratório de Jornalismo, com o apoio do Google News Initiative. As informações foram apuradas de forma colaborativa entre os veículos Agência Saiba Mais (RN), Nonada (RS), Congresso em Foco (DF), O Povo (CE), Sul21 (RS) e Marco Zero Conteúdo (PE).”
Se você é jovem, pobre, mora numa favela, sonha ser escritor e acha que esse sonho é impossível, preste bem atenção à história de José Falero (José Carlos da Silva Júnior). Gaúcho, 34 anos (1987), morador de uma das vilas, a versão gaúcha das favelas mais pobres de Porto Alegre.
A Lomba do Pinheiro, onde Falero vive com a mãe, é muito parecida com as 16 favelas que compõem a Maré:casas amontoadas, muito tijolo aparente, um emaranhado de fios da rede elétrica, lixo nas esquinas, água empoçada, violência e ações policiais que desrespeitam o cidadão. Mas como toda favela, há muita gente boa, que vive, trabalha, faz comércio e conta histórias incríveis, divertidas, tristes, bizarras, inacreditáveis, românticas. José Falero faz parte desse grupo, nascido em Porto Alegre em 1987, o escritor que estreou, em 2019, com VILA SAPO, elogiada reunião de contos. Atualmente, ele mantém uma crônica semanal na revista digital Parêntese.
Em 2020, com um livro chamado “Os supridores” (Editora Todavia, 2020), a versão sulista dos repositores, funcionários que abastecem as gôndolas dos supermercados, Falero foi considerado umas das maiores revelações da Literatura brasileira.
Me parece que meus textos refletem muito da minha vivência e da minha formação, de modo geral. A violência e a precariedade, por exemplo, sempre estiveram, e ainda estão, ao meu redor, compondo o universo onde habito, e elas também aparecem com bastante frequência em tudo que eu escrevo. Mas costumo trazer um olhar crítico em relação a elas, uma revolta associada a elas, porque nunca consegui engoli-las, nunca fui capaz de aceitá-las. Outra coisa muito presente nos meus textos é o bom humor. Acho que nós da periferia somos especialistas nisso, e não à toa: nossa vida é bastante dura, e por isso o nosso exercício de procurar motivos pra sorrir é diário, constante.” conta José Falero.
O escritor gaúcho leu o primeiro livro aos 20 anos. Não gostava de ler, achava as revistas em quadrinhos, principalmente os mangás, os videogames e os filmes mais interessantes porque apresentavam imagens, no caso dos quadrinhos; som e imagem no caso dos filmes e a possibilidade de controlar os personagens nos videogames.)
A volta à escolas e os Racionais
Ao ler o primeiro livro, do início ao fim, Besta Fera, de Jack Wood, uma história sobre lobisomens, para provar à irmã que realmente não gostava de ler, Falero se encantou com a possibilidade de imaginar, que só a Literatura permite: dar rosto, corpo, figurino e movimento aos personagens; escolher os lugares, interpretar as situações. Na realidade uma história que é apenas daquele leitor, baseada em suas experiências, vivências. Falero desde então transformou-se num leitor voraz. Leu de tudo, Política, História, Filosofia.
E através da leitura começou a ver o mundo de outra forma. As diferenças, a pobreza, as desigualdades, a política, o poder, as classes sociais. E começou a entender por que o mundo é dessa forma. Decidiu voltar à escola, em 2020. ”Nós experimentamos, neste momento, no Brasil, uma terrível ascensão de forças fascistas, antidemocráticas — forças, essas, que são um tipo de resistência, uma espécie de revide aos importantes progressos que vínhamos fazendo até o golpe de 2016. Não era difícil perceber que a nossa sociedade, até então, vinha experimentando transformações positivas, proporcionadas principalmente pelas políticas de ações afirmativas. O perfil das pessoas que tiveram acesso às universidades ocasionou uma verdadeira revolução no debate público brasileiro. Nunca se debateu de maneira tão ampla e profunda coisas como o racismo, o machismo, enfim, todas as problemáticas sociais de um país absolutamente injusto como o nosso e os mecanismos de manutenção de privilégios. Creio que a abertura do mercado literário para escritores como eu vem na esteira dessa transformação. E as editoras, que de bobas não têm nada, rapidamente perceberam a enorme demanda que existe pra toda essa diversidade por tanto tempo reprimida”, reflete Falero.
O escritor viveu um trauma quando tinha onze anos. Ao declamar uma letra do grupo de Rap, Racionais MC’s, foi praticamente expulso pela professora da sala. A letra recitada e interrompida era A fórmula mágica da paz, do álbum clássico dos Racionais, Sobrevivendo no Inferno. Falero continuou na escola até os 16 anos, mas achou que ali não era um lugar para ele. Foi trabalhar, ajudar nas despesas da casa. Mas as leituras e o mundo que se abriu para ele a partir dos livros o fez mudar de ideia. Agora quer ser professor. Até porque nos dias de hoje, os Racionais são lidos em escolas de todos os níveis e utilizados até mesmo em provas de seleção para o Ensino Superior. A experiência naquela sala de aula, no entanto, deixou marcas e foram necessários muitos anos até retornar à Escola de Jovens e Adultos-EJA.
“A escola tem muitos problemas, mas é um espaço de aprendizado e crescimento importante. O ideal, claro, seria que a escola caminhasse no sentido de não expulsar ninguém; que caminhasse no sentido do acolhimento; que caminhasse no sentido de abranger as diversidades e interagir com elas, produzir conhecimento junto com elas, em relação a elas. Acho, inclusive, que muitos progressos foram feitos nesse sentido, quando comparo a escola de hoje com a escola do meu tempo de Ensino Fundamental. Ainda há muito trabalho a ser feito, mas, como eu disse, a escola é um espaço de aprendizado e crescimento importante, e me parece melhor hoje do que foi no passado.
Foto: Josemar Afrovulto
Todo mundo gosta de Literatura
Ex-ajudante de pedreiro, auxiliar de cozinha, supridor em redes de supermercados e porteiro, Falero nunca imaginou que pudesse um dia ser um escritor, manter a casa e pagar os boletos com dinheiro ganho com a escrita. Literatura não dá dinheiro, com algumas poucas exceções. O brasileiro lê pouco, 2,43 livros por ano, segundo pesquisa do Instituto Pro-Livro. Mas a Literatura pode abrir portas, conectar pessoas e ideias e até criar redes de solidariedade.
A casa de Falero literalmente caiu, ou quase; e uma vaquinha na internet o ajudou a construir uma nova, simples, mas em melhores condições para a saúde da mãe. Os doadores eram pessoas que tinham lido seus livros; escritores que admiravam seu trabalho e críticos que consideram importante o tipo de Literatura que faz. “No modo como vejo as coisas, não há como um ser humano não gostar de literatura, seja esse ser humano da periferia ou não. É uma questão de experimentar e exercitar. É possível não experimentar e/ou não exercitar o contato com a literatura. Isso, sim, acontece bastante no Brasil. Acontece demais. Acontece mais do que seria recomendável. Pessoas e mais pessoas que não experimentam e/ou não exercitam a leitura e a escrita. Mas não creio que seja possível uma pessoa experimentar e exercitar regularmente o contato com a literatura e não gostar. Penso assim por que esse contato com a literatura, a meu ver, realça muitos aspectos da própria humanidade. Mata um tipo de sede e um tipo de fome. O problema é que a nossa sociedade, infelizmente, é especialista em uma coisa: desumanizar. Nos desumaniza de diversas formas. Nos desumaniza com a precarização do trabalho, nos desumaniza com distribuição de renda injusta, nos desumaniza ao nos dificultar — e muitas vezes mesmo impossibilitar — o lazer, o estudo e a fruição. E nos desumaniza, também, ao nos apartar da literatura. E nos aparta da literatura em diferentes esferas. De modo geral, há pouco incentivo à leitura e à escrita no Brasil, e a periferia em particular ainda precisa lidar com uma produção literária que historicamente a representou pouco e mal, contribuindo para destruição da subjetividade dos cidadãos periféricos em vez de potencializá-la.”, analisa.
“Os supridores” não foi o primeiro livro de Falero. A estreia foi com “Vila Sapo” (Editora Venas Abiertas, 2019) em 2019, um livro de contos. A editora acreditou tanto no trabalho de Falero que pegou um empréstimo para lançar o livro e ele bateu pernas por Porto Alegre, com livros na mochila, vendendo exemplares até pagar o empréstimo. Hoje, os direitos recebidos pela venda de “Vila Sapo”, mesmo parcos, ajudam a pagar as contas do mês. Já “Os supridores” foi um sucesso de público e crítica, contribuindo para consolidar um movimento lento mas irreversível: escritores oriundos das periferias e favelas contando suas histórias, trazendo um novo olhar e novas formas; com uma linguagem absolutamente original.
“Na minha opinião, o ato de ler e o ato de escrever, realçam muitos aspectos da própria humanidade, e um desses aspectos é a potencialização do intelecto. Para Sócrates, e pra mim também, “a palavra é o fio de ouro do pensamento”. Ou seja, o próprio pensamento humano é um tecido dourado, e cada fio desse tecido é uma palavra; as palavras são as porções elementares que compõem o nosso pensamento; a nossa capacidade de pensar é fundamentalmente baseada em palavras.
Dessa perspectiva, nada mais saudável ao pensamento humano do que conhecer mais e mais palavras novas, entender os modos como elas se relacionam, especializar-se na expressão a partir delas, desfrutar da delícia de construir com elas e compreender as construções de terceiros também feitas delas. E os dois exercícios mais efetivos nesse sentido são a leitura e a escrita: é por meio desses dois exercícios que melhor se pode familiarizar-se com as palavras e com tudo o que é possível a partir delas.
Todo esse processo torna o pensamento mais lúcido e mais robusto, mais propício ao desenvolvimento de um olhar crítico em relação à sociedade e, por consequência, mais propício à consciência social. Mas olha só como são as coisas. Darcy Ribeiro disse que “a crise da educação no Brasil não é uma crise; é projeto”. Bem, acontece que afastar o povo brasileiro das letras, fazer as pessoas não verem sentido na literatura, desumanizá-las por esse caminho, romper o vínculo natural entre esses seres humanos e a expressão literária, isso também sempre foi um projeto.”
Um mundo de histórias
Uma escrita capaz de chamar atenção de escritores, críticos e editoras é resultado de muito esforço e treino. Além de ler muito e tentar entender as técnicas empregados pelos autores, Falero também escreveu muito, mesmo quando não havia perspectiva de publicar. Ele começou fazendo quadrinhos artesanais, usando personagens do bairro. Foi o primeiro sucesso. Os vizinhos faziam fila à espera de novas histórias. Nos períodos de desemprego, o escritor trabalhava em média dez horas por dia nos seus textos. Escrevendo e reescrevendo, testando formas, soluções, linguagens. Quando era porteiro do horário noturno aproveitava o silêncio e a falta de movimento para escrever. Ele diz, ironicamente, que foi a primeira vez que lhe pagaram para escrever. Os maiores elogios do público, escritores e críticos são para a capacidade de Falero mesclar o popular, as gírias, palavrões, expressões da cultura da periferia com a norma culta, a linguagem elegante e muito humor. “Mas, se eu tivesse que destacar apenas uma coisa em particular, uma marca que a minha formação e a minha vivência na periferia imprimem com um pouco mais de força no meu texto, eu ficaria em dúvida entre duas coisas igualmente relevantes.
A primeira é a linguagem. Temos as nossas gírias, temos uma forma muito particular nossa de nos relacionarmos com os palavrões, temos o nosso próprio jeito de fazer concordâncias, temos a nossa própria sintaxe, temos a nossa própria gramática. E tudo isso é complexo, dinâmico, pulsante, expressivo, vivo, livre; corre solto, modifica-se rápido. A outra coisa é o perfil dos personagens que protagonizam as minhas histórias. Gente como eu e como as pessoas que me cercaram a vida inteira. Gente que experimenta a sociedade de maneira semelhante à minha, que enfrenta os mesmos tipos de adversidades que eu. O povão. Supridores de supermercado, faxineiros, porteiros, trabalhadores da construção civil. Gente simples, porém cheia de sonhos, anseios, aptidões; gente dona de uma enorme potência — uma potência que costuma ser apagada pela maneira caricata que essas pessoas foram representadas na literatura brasileira historicamente”, finaliza
Nos casos de maior vulnerabilidade social, ainda há entraves para se conseguir documentos
Maré de Notícias #128 – setembro de 2021
Por Hélio Euclides
Se o auxilio emergencial dado pelo governo federal é o que garantiu a sobrevivência de boa parte da população brasileira, outra parcela, vulnerável social e economicamente , não recebeu até hoje nenhuma parcela por ser invisível aos olhos do Estado. São pessoas que não têm um único documento de identificação ou, em alguns casos, condições de tirar uma segunda via.
Essa situação pode ser comprovada nas duas unidades do Detran na região: a cada ação visando a expedição gratuita de documentos na Maré, centenas de pessoas procuram os postos em busca de informações e obtenção dos documentos.
No fim do mês de junho, foi realizada uma ação social na Praça do Dezoito, na Baixa do Sapateiro. Entre muitas atividades, foram distribuídas cem isenções na obtenção da segunda via de documentos, mas a procura pelo serviço superou em muito essa cota.
“Moradores entraram em contato pedindo essa ação. Essa necessidade se deve ao fato de que o poder público não aproximar o cidadão da documentação. Acredito que 90% da população que tinha direito ao auxílio emergencial e não recebeu foi por não ter a documentação necessária ou informação. Aqui, mostramos o que é preciso para receber um benefício e indicamos o Centro de Referência em Assistência Social (CRAS)”, explica Jubdervan Menezes, apoio de projetos do Instituto Nacional de Desenvolvimento Humano (INADH).
A ação foi também uma iniciativa do Instituto Maria Aparecida Tereza Lopes (IMATL) e do Maré Solidária, além de contar com a parceria da Fundação Leão XIII. A quinta ação nesses moldes na Maré distribuiu isenção para segunda via de identidade e para as certidões de nascimento, óbito e casamento. Jairo Nunes, do IMATL, defende que a população tenha mais oportunidade de acesso aos serviços. “Esse trabalho é gratificante, mas é triste perceber que falta oportunidade para os moradores. Os políticos só veem a favela como curral eleitoral, mas depois de eleitos não têm intenção de ajudar. É um absurdo ter que pagar para tirar segunda via de identidade dentro da favela”, reclama.
Duas horas antes do início da ação já havia gente na fila atrás de isenção. “Tinha que ter mais vezes essas ações, pois é complicado tirar documento. Esses momentos nos ajudam a, no futuro, conseguir um emprego”, diz Gina Ferreira, moradora da Baixa do Sapateiro. Para sua vizinha de território Vânia Cristina, a população vulnerável necessita de mais amparo: “É preciso proporcionar mais assistência nas favelas. Os órgãos públicos devem ter boa vontade e oferecer mais acesso, de uma forma simples.”
A invisibilidade no Brasil
Durante a última ação social, Dominyck Marcelino, da Nova Holanda, conseguiu retificar seu nome na identidade – Foto: Matheus Affonso
Um levantamento da Fundação Getúlio Vargas Social mostrou que hoje cerca de 2,27 milhões de brasileiros (1,08% da população) não têm registro de nascimento. “A falta de certidão de nascimento é apenas o caso mais extremo da ausência de um direito que repercute em outros, como o ingresso na escola, no mercado de trabalho e mesmo na assistência social. É preciso criar políticas que facilitem o acesso à documentação”, enfatiza Marcelo Cortes Neri, economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Sueli Figueiredo, moradora da Praia de Ramos, agendou para tirar a identidade do sobrinho. “Gostei do atendimento, melhor ainda sendo perto de casa, sem precisar gastar com passagem. Ele chegou do Nordeste sem o documento e para conseguir trabalho o RG é indispensável”, diz.
Para pessoas em situação de rua como Luiz Carlos, a questão ainda é mais delicada: “Tirar segunda via da identidade sem dinheiro é muito difícil. Só consegui com o apoio da Redes da Maré, que intermediou o processo junto à Fundação Leão XIII.”
Com a reabertura depois do início da campanha de vacinação, a procura por atendimento no Detran aumentou, não apenas de moradores dos territórios como de outras localidades como Bangu, Méier, Penha, Campo Grande e até Três Rios. “Está difícil, então como foi oferecido para a comunidade eu aceitei”, diz José Orlando, morador de Inhaúma.
Passo a passo dos documentos
Certidão de Nascimento: feito gratuitamente em qualquer cartório de registro civil com a identidade, CPF dos responsáveis ou certidão de nascimento ou casamento e a Declaração de Nascido Vivo (DN) da criança. Em Bonsucesso o cartório fica na Avenida Guilherme Maxwell, 555.
Cadastro de Pessoas Físicas (CPF): emitido de graça pelo site da Receita Federal, tendo o título de eleitor em mãos. Dúvidas pelo e-mail [email protected].
Carteira de identidade: necessário agendamento pelo site do Detran ou via teleatendimento 3460-4040 e 3460-4041. Os postos do Detran da Maré ficam na rua Principal, s/nº, Baixa do Sapateiro e na rua Teixeira Ribeiro, 629.
Carteira de Trabalho: emitida pelo aplicativo “carteira de trabalho digital” pelo celular ou pelo site www.gov.br.
Alistamento Militar: todo jovem no ano que completar 18 anos, deverá agendar o alistamento no site https://alistamento.eb.mil.br/ até seis meses após o aniversário. A Junta de Serviço Militar (JSM) mais próxima fica na X Região Administrativa – Rua Uranos, 1230, Ramos, e o atendimento acontece das 10h às 16h.
Isenção:
Os Centros Comunitários de Defesa da Cidadania (CCDCs) oferecem isenção de taxas para casamento, 2ª via de certidões de nascimento, casamento, óbito e Registro Geral (RG). O CCDC Maré funciona na Rua Principal, s/n°, Baixa do Sapateiro, das 9h às 17h.
A Fundação Leão XIII também oferece isenção para documentação civil. Na Nova Holanda, o atendimento é feito de segunda a sexta, das 9h às 18h ou presencialmente na rua Sargento Silva Nunes, nº 1.012 ou pelo telefone 2334-7801. Na Praia de Ramos, a Fundação Leão XII fica na rua Gerson Ferreira, 06, Praia de Ramos, e o atendimento pode ser feito também pelo telefone 2334-7802.
Caso ocorrido na Baixada lança luz sobre a falta de suporte às famílias de desaparecidos
Maré de Notícias #128 – setembro de 2021
Por Edu Carvalho
Com base nos números colhidos pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021, divulgado em julho deste ano, o número de pessoas que sumiram no país sem deixar vestígios em 2020 é de 62.587. O estado de São Paulo figura como o primeiro da lista, mesmo registrando queda de 15% comparado a 2019, com 18.342 desaparecidos, seguido por Minas Gerais (6.835 pessoas), Rio Grande do Sul (6.202), Paraná (5.377), Santa Catarina (3.285) e Rio de Janeiro (3.216).
O caso em destaque no relatório é o de três crianças que se tornaram símbolo da luta por justiça em relação aos desaparecimento sem explicação no país: os primos Lucas Matheus (8 anos) e Alexandre da Silva (10 anos)), e Fernando Henrique (de 11), meninos de Belford Roxo, Baixada Fluminense, de cujo paradeiro não se tem notícias desde 27 de dezembro de 2020.
No fim de agosto, a Polícia Civil finalmente declarou, pela primeira vez desde o início das investigações, que as três crianças poderiam ter sido mortas por traficantes de drogas. Ao jornal O Globo, o delegado Uriel Alcântara admitiu ser esta a principal linha de investigação. Segundo o titular da Delegacia de Homicídios da Baixada, “não se sabe como as crianças teriam sido mortas dentro da comunidade por furtarem uma gaiola de passarinho e os corpos, jogados em um rio.”
O sumiço, porém, permanece sem solução. No início do mesmo mês, ossadas foram encontradas perto da comunidade onde as famílias dos três garotos moram; segundo a perícia, não eram dos três meninos.
Casos na Baixada
O site Fórum Grita Baixada fez uma investigação sobre pessoas desaparecidas, usando como base os dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio de Janeiro, baseando-se na série histórica disponibilizada e atualizada pelo ISP. O município de Belford Roxo figura entre as seis cidades da Baixada com o mais alto número de desaparecimentos: um total de 39 desaparecidos em 2018; 32, em 2019 e 21 em 2020, considerando somente os meses de janeiro a março desses anos. Em março de 2021 houve um aumento de 47% nos casos de desaparecimentos na cidade em relação ao mesmo período de 2020. Apenas nos três primeiros meses de 2021, foram 31 desaparecimentos em Belford Roxo.
Para o Fórum Grita Baixada, fica nítida a inexistência de uma abordagem mais sistematizada da situação por parte do poder público. “A face mais cruel do desaparecimento é que ele é mutante em suas motivações. Pode ser uma violência cometida por agentes de segurança do Estado, atribuída a poderes paralelos/grupos armados (milícias ou tráfico) ou resultado de fatores pessoais e subjetivos. Isso torna a tomada de decisões sobre que caminhos seguir ainda mais difícil’’, aponta o relatório.
Onde buscar ajuda
Em todo o Brasil, um dos pólos de assistência às famílias dos desaparecidos é o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, que auxilia no acesso a informações sobre o caso. O órgão apontou em julho de 2021 a necessidade de o Brasil criar um centro de apoio adequado aos familiares em cada cidade.No Rio, além das delegacias, há outros meios de ajuda e denúncia, entre os quais o Programa de Desaparecidos do Disque Denúncia, uma central telefônica comunitária (21 2253-1177) e o Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos (Plid), criado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro ([email protected]). Para episódios de crianças e adolescentes, existe o projeto SOS Crianças Desaparecidas (21 2286-8337/ 98596-5296).