Desde o último dia 19, favela já foi palco de três operações policiais; moradores pedem paz
Por: Camille Ramos
Desde a última semana, moradores da Cidade de Deus enfrentam dias de muita violência. A operação do dia 19, realizada pelas equipes das delegacias de Combate às Drogas (Dcod) e de Roubos e Furtos de Cargas (DRFC), atuaram no local com apoio da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) e de helicópteros do Serviço Aeropolicial (Saer). O perfil “CDD Acontece” postou denúncias sobre o uso do helicóptero como plataforma de tiros.
Na última quinta-feira, 21, outra operação realizada pela PM deixou três feridos. A Estrada Miguel Salazar Mendes de Moraes chegou a ser interditada nos dois sentidos, após móveis e pedaços de madeira serem incendiados no local. A madrugada de sábado,23, também foi marcada por tiros e, segundo o jornal Extra, o dia amanheceu com pouco movimento nas ruas e os moradores permanecem assustados.
No Twitter, moradores fazem apelos de paz pela comunidade. “Fico apavorada! Pq q cismam de fazer operação justamente na hr q o povo está saindo pra trabalhar e ir pra escola cara? Q Deus proteja o povo da CDD”, compartilhou o perfil @meneseslayne.
RIO – Ativistas e pesquisadores da área de direitos humanos dedicados à segurança pública foram alvos prioritários de pesquisas online feitas pelo PM reformado Ronnie Lessa ao longo do ano que antecedeu os assassinatos a tiros de Marielle Franco (PSOL) e Anderson Gomes em 14 de março de 2018. Acusado de ter feito os disparos, Lessa foi preso na semana passada com o ex-PM Élcio Queiróz, apontado como motorista do automóvel usado no crime. A Justiça já acolheu denúncia do Ministério Público contra os acusados por homicídio triplamente qualificado. Ambos, por seus advogados, alegam que são inocentes.
O policial militar reformado Ronnie Lessa, de 48 anos (à esquerda), e o ex-policial militar Elcio Vieira de Queiroz, de 46 (à direita), presos acusados de matar a vereadora Marielle Franco (PSOL) e o motorista Anderson Gomes Foto: Polícia Civil/AFP
Na lista de objetos da pesquisa digital feita por Lessa, ao lado do deputado federal Marcelo Freixo e do deputado estadual Flávio Serafini (ambos do PSOL), aparecem os nomes de duas pesquisadoras da ONG Redes da Maré, uma especialista da Anistia Internacional e uma ativista da ONU Mulheres. Muito conhecidas por sua atuação na área de segurança, a socióloga Julita Lemgruber e a antropóloga Alba Zaluar também foram listadas, segundo o relatório final do inquérito da primeira fase do crime, assinado pelo delegado Giniton Lages, da Divisão de Homicídios.
“Este é um crime grave, e as investigações têm mostrado que se trata de um crime político, voltado para atingir um campo ideológico”, disse Serafini. “Pedimos esclarecimentos ao MP sobre o risco corrido por todas essas pessoas envolvidas, reforçando a necessidade de se encontrar o mandante do crime. A impressão que se tem não é de que se trata de um louco investigando a esquerda, mas sim um estudo sobre um determinado campo político que seria alvo de um atentado.”
Policiais responsáveis pela investigação do crime analisaram as buscas feitas por Lessa a partir de primeiro de janeiro de 2017 até o dia do assassinato. Em abril de 2017, Lessa começou a fazer levantamentos sobre o Freixo e alguns dos seus familiares. Em email mandado para si mesmo, ele debochou da defesa dos direitos humanos: “Adotem um bandido, viva o PSOL”, escreveu.
Curiosamente, Lessa também fez buscas sobre o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (1932-2015), chefe do DOI-CODI de São Paulo durante a ditadura (1964-1985). Ele foi o primeiro militar a ser reconhecido pela Justiça como torturador.
“A análise incidente sobre o perfil das pesquisas indica singular obsessão pelo parlamentar Marcelo Freixo”, aponta o relatório, lembrando que foram mais de 30 pesquisas sobre o deputado. Em abril/17, no entanto, Lessa pesquisou também informações sobre deputado estadual Flávio Serafini. Em julho de 2017, o PM reformado ampliou suas pesquisas e buscou dados sobre pesquisadoras da ONG Redes da Maré e da Anistia Internacional.
“A gente acabou sabendo dessa questão em função da prisão dele na semana passada e por intermédio da imprensa”, afirmou a ativista Eliana Sousa Silva, diretora da Redes da Maré. “A minha questão é: desde quando a polícia e o MP sabem disso e por que só deixaram para divulgar depois da prisão?”
No mesmo mês, Lessa realizou pesquisas sobre Pedro Mara, diretor do Ciep 210, de Belford Roxo, na Baixada Fluminense. O professor se envolveu em uma polêmica com o então deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL), que pediu seu afastamento da escola por ter uma folha de maconha tatuada no antebraço. Ao saber que seu nome aparecia nas buscas de Lessa, Mara anunciou pretender deixar o País.
No início de março de 2018, o PM reformado faz pesquisas sobre a Alba Zaluar e Julita Lemgruber. Ele também faz buscas sobre uma escritora e ativista da ONU Mulheres.
“A revelação de que os suspeitos de matar Marielle e Anderson estavam investigando nomes de pessoas que se dedicam à questão da garantia de direitos é muito grave e torna ainda mais urgente que a Polícia chegue aos mandantes dessas mortes”, afirmou Julita Lemgruber. Alba também considerou o fato grave. “Isso é muito ruim, uma interferência no processo democrático”, disse ela.
As pesquisas sobre Marielle Franco começaram apenas no fim de fevereiro do ano passado, quando Lessa buscou informações sobre políticos do Rio que foram contrários à intervenção federal na segurança do Estado. Como vereadora, Marielle tinha sido indicada relatora da comissão criada para acompanhar a ação militar.
Lessa buscou informações nas redes sociais de Marielle e, no início de março, começou fazer monitoramento mais específico dos deslocamentos da vereadora e de suas rotinas.
“Enquanto não tivermos a informação sobre quem mandou matar Marielle e sobre os motivos, viveremos essa situação dramática”, avaliou o ouvidor da Defensoria Pública, Pedro Strozenberg. “Porque o drama de quando não temos informação e esclarecimento é que todas as pessoas passam a ser alvos em potencial.”
Procurada ao longo do dia, a defesa de Ronnie Lessa não se manifestou.
Primeiro evento da série acontece na Maré e celebra também o Mês Internacional das Mulheres
No próximo dia 29, sexta-feira, será realizado na Casa das Mulheres da Maré, o Esquenta WOW, evento no qual as mulheres celebram conquistas, dançam, conversam e trocam afeto. O evento, que acontecerá de 9h às 22h, é um aquecimento para o Festival Mulheres do Mundo, que ocorrerá em 2020, e conta com a mesma dinâmica do WOW, com mesas de diálogo, arte e cultura, empreendedorismo e ativismo.
O primeiro Esquenta é parte da
celebração do Mês Internacional da Mulher e visa engajar mais mulheres para que
a festa seja composta e protagonizada por figuras femininas diversas. Pensado
para todas as mulheres, o evento entende a preocupação das mães e, por isso,
conta com espaço infantil. Crianças são bem-vindas!
Confira a programação:
Oficinas
9h – 10h
Aulão de Yoga na Maré
10h – 12h e 14h – 18h
Salão Casa das Mulheres
10h30 – 12h30
Ateliê de criação [resignificando
roupas e memórias] parceria Fábula + Projeto FIO
Sala 2 | Idade mínima: 8 – 12 anos |
Lotação máxima: 10 crianças
Espaço Infantil
14h – 16h30 (recreação na área
externa)
Idade mínima: 6 anos | Lotação
máxima: 30 crianças
Sala Cineminha
17h – 19h (filmes e animações)
Idade mínima: 6 anos | Lotação
máxima: 30 crianças
Diálogos
17h – 19h
Território
de partilha
Mulheres em Lugar de Poder
Taísa Machado (Afrofunk),
Jurema Werneck (Anistia
Internacional)
Beatriz Azeredo (Globo)
Renata Souza (deputada Estadual/RJ)
Mediação: Andreza Jorge
14h – 16h
Roda de
Conversa
Cuidado e autocuidado: construção de
redes de cuidado entre mulheres.
Céu Cavalcanti (psicóloga, integrante
da Associação Elas Existem)
Maria Guaneci Ávila (promotora legal popular
pela Themis)
Renata Jardim (Advogada, coordenadora-executiva
da Themis)
Mediação: Maria Luiza Rovaris
Arte e cultura
9h – 21h
Exposição
Fotográfica
19h
Performance/Teatro/Dança
Padedê – Denize Stutz
19h30 – 22h
Roda de
Samba Moça Prosa
Feira Delas
10h – 20h
Feira com total de 10 barracas
Maré de Sabores
Comida Angolana da Lica
Tapioca da Dani
Ateliê da Rafa
Yoga na Maré
Saiba tudo seguindo o Festival
Mulheres do Mundo WOW no Facebook, Twitter e Instagram.
Presença dos pais da vereadora e de parlamentares que representam o legado de Marielle marcaram o evento
Por: Eliane Salles
O Centro de Artes da Maré (CAM) foi palco, nesta quinta-feira, 14, do evento “Vida, Ancestralidade e Continuação, Carolina, Abdias e Marielle” – uma homenagem à vereadora Marielle Franco, brutalmente assassinada há exatamente um ano, e a dois ícones do movimento negro no Brasil: o parlamentar, intelectual e ativista, Abdias Nascimento, e a escritora Carolina Maria de Jesus, ambos nascidos em 14 de março. A realização foi do Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro) em parceira com a Redes da Maré.
O evento foi marcado por momentos de muita emoção, entre eles, a entrega do Prêmio Ipeafro Sankofa à família de Marielle. “Hoje é histórico. Depois de um ano de resistência, de luta, de perguntas sem respostas, estar aqui hoje junto com pessoas que lembram o nome da minha filha, Marielle renasce”, disse Marinete da Silva, mãe de Marielle.
Lançamento de livro, exposição e tributo
Sarau com participação de convidados internacionais e dos coletivos “Crias da Maré” e “Griôs da Maré”; lançamento da nova edição do livro O Quilombismo, de Abdias Nascimento; e abertura da exposição “Abdias Nascimento, a Arte de um Guerreiro” foram algumas das atividades que aconteceram das 14h às 22h. Outro momento marcante foi o tributo às parlamentares negras que representam a continuidade do trabalho desenvolvido por Marielle Franco: a deputada federal Talíria Petrone e as deputadas estaduais Renata Souza, Dani Monteiro e Mônica Francisco.
O evento contou com o apoio do Itaú Cultural e teve ainda como parceiros a ONG Criola, a Editora Perspectiva, a Casa com a Música, o movimento 21 Dias de Ativismo Contra o Racismo e o Fórum Permanente de Igualdade Racial (Fopir). Dezenas de pessoas da Maré e de outros bairros participaram do evento.
Depoimentos:
“Hoje é um dia muito difícil, mas que dia na vida de uma mulher negra não é difícil? … O importante não é aonde a gente chega, mas o que isso muda no lugar de onde a gente veio”, Dani Monteiro, deputada estadual.
“Aviso àqueles que querem matar os corpos negros: Marielle, Abdias e Carolina abriram janelas e essas janelas não fecham mais”, Talíria Petrone, deputada federal.
“Marielle não foi semente, nós não somos sementes. Marielle foi fruto, fruto dessa ancestralidade. Estamos aqui para reverenciar a ancestralidade de quem tombou na Maré, no Borel, no [morro de] São Carlos. Mas também para reverenciar os que seguem vivos”, Mônica Francisco, deputada estadual.
“Enquanto ‘crias’ da Marielle, vamos continuar amanhã e sempre exigindo que o estado diga quem matou Marielle e qual foi a motivação deste feminicídio político”, Renata Souza, deputada estadual.
Por: Eliana Sousa Silva – Diretora da Redes da Maré
“Eles combinaram de nos matar Nós combinamos de não morrer” (Conceição Evaristo)
Faz um ano que tudo aconteceu e, além da
tristeza, um paradoxo se faz presente: Marielle nunca esteve tão presente em
nossa vida social. Nas paredes, nos eventos, até mesmo no carnaval. Os
assassinos pensaram que a matando fisicamente atingiriam algum objetivo. Ao
contrário, apenas fortaleceram a nossa indignação e sede de justiça, dentre tantos
sentimentos que nos mobilizam. Ela virou um esteio para a luta, e não só das
mulheres negras das periferias. Um autêntico símbolo que alimenta a nossa
história. E, por isso, não podemos deixar de buscar a verdade: quem a matou?
Por que? Onde podem chegar? Não descansaremos enquanto as respostas não virem à
luz. O crime revelou também uma verdade incômoda sobre nossa sociedade: a
permanência do ódio escravocrata e o interesse na continuidade de um sistema
social, político, econômico e cultural desigual, misógino e racista,
estruturante da vida no país desde a sua gênese.
O homicídio de Marielle coloca luz sobre o alarmante
problema que são os assassinatos de ativistas sociais, outra violência que
marca a luta por direitos no Brasil. Segundo a Comissão Interamericana dos Estados
Americanos, três em cada quatro assassinatos de ativistas no mundo ocorrem na
América Latina – sendo o Brasil o primeiro onde mais se mata. Em 2016, foram 56 homicídios de ativistas,
aumentando para 66 em 2017, de acordo
com dados da Anistia Internacional. Em 2018, segundo a Global Witness,
registraram-se 57 mortes somente até o mês de agosto.
O que esses números revelam sobre a devida proteção
necessária por parte do Estado com as pessoas que se expressam, questionam e
atuam na mudança do sistema no qual vivemos? O que ocorre é que essas mortes estiveram
invisibilizadas, pois concentradas, na sua maioria, em áreas distantes da
realidade urbana. Tristes mortes de pessoas dignas e generosas, que lutam pelo
acesso a terras, preservação da natureza e/ou pelo reconhecimento e proteção
dos espaços quilombolas e comunidades indígenas
O assassinato de
Marielle é a expressão mais visível dessa violência brutal, que atinge a área
urbana no processo de fortalecimento de uma agenda conservadora e autoritária no
país, o que contribui para o sentimento de impunidade de grupos criminosos como
as milícias – que atuam a partir da omissão/conivência dos governantes e colocam
em xeque o sentido e a eficácia da atuação dos órgãos estatais que atuam na
segurança pública e no aparato de justiça.
O mais trágico é o fato do alarmante número de
assassinatos de ativistas de direitos humanos no Brasil não impactar o conjunto
da sociedade brasileira, gerando uma cobrança pelo fim da impunidade: os
números brutais não fazem com que o percentual de crimes esclarecidos aumente.
A falta de resultados no caso da morte de Marielle é o comum, não a exceção. O
que pensar sobre um crime político que
acontece no centro de uma metrópole, exatamente ao lado da Prefeitura do Rio de
Janeiro, e a falta de respostas acerca da responsabilização dos culpados, após um
ano? O que pensar dos assassinatos que
nem chegam ao status de serem
investigados? Quais são as garantias de
segurança neste pretenso país democrático, no qual se naturaliza uma profusão
de violências que recai sobre os seres que mais se dedicam ao bem comum?
Os dados destacados falam muito das perspectivas
sombrias que temos no Brasil de hoje. Se, com toda a repercussão e pressão –
nacional e internacional – não se prender os assassinos de Marielle, onde eles
e seus aliados podem chegar, quais sentimentos irão dominá-los e aos que
defendem sua agenda para o nosso país? Nessa perspectiva, não vamos descansar
enquanto não conseguirmos justiça. Que Marielle permaneça presente, alimentando
cada um/uma de nós, que acreditamos ser a vida possível de um jeito muito
diferente do que os que abreviaram sua existência física.