Home Blog Page 488

O rock que se faz aqui

0

Maré de Notícias #90 – 03 de julho de 2018

Cinco rockeiros se reúnem para lembrar o passado e falar sobre o futuro

Maria Morganti

13 de julho é o Dia Mundial do Rock, mas para cinco moradores da Maré um é muito pouco e “todo dia é dia de rock”. Mesmo assim, a data foi usada como mais um motivo para comemorar, falar sobre música e reunir a turma: Diogo Nascimento, 34 anos; Elza Carvalho, 39 anos; Rodrigo Câmara, o Mariola, 38 anos; Henrique Gomes, 35 anos e Adriano Ferreira, o AF, para conversar sobre  esse estilo musical, que desde o fim dos anos 1980 tem forte expressão nas 16 favelas do Conjunto da Maré.

                “Para entender um pouco esse contexto, o que foi, o que era na nossa época, e o que é hoje, o que está acontecendo”, explica Henrique. De  início, os roqueiros da Maré se reuniam sem muito compromisso, para tocar violão, assistir os clipes do canal MTV; ouvir rádio. Cada um teve sua forma de ser fisgado pelo rock. Além dos fones de ouvido e das roupas pretas, para eles a música tinha uma importância política, expressada pelos grupos como o “Rock em movimento”, integrado por Elza e Diogo, além de contar com a colaboração de Mariola.

 Rock e política

                Em 2008, 2011 e 2017, eles promoveram o evento Maré de Rock, realizado de forma independente, em edições “pela vida contra o extermínio, direito à cidade e em defesa de todos os direitos, contra toda forma de preconceito, apoiados por instituições locais, como a Redes da Maré, além da união e da força individual de todos eles.

Elza explica que a intenção desses eventos era fazer uma integração entre músicos da Maré, público da Maré, público de fora, músicos de fora, e refletir sobre determinados temas, que não só estão vinculados à Maré, mas à sociedade de maneira geral. Apesar do empenho do grupo, eles concordam que a preocupação de problematizar questões da sociedade por meiodo rock, acabou não se desenvolvendo.

“Eu acho que o rock, que foi instrumento de contestação, hoje em dia ele está como todas as músicas, se transformando num produto, cada vez mais pasteurizado pra conseguir vender mais, meio que tudo igual, e você não pode mais falar determinadas coisas, porque você não vai vender. Eu acho que, hoje, eu penso que o rock, inclusive é uma pena, é muito conservador, sabe?”, avalia Diogo.

Fazendo coro a ele, Elza afirma que o gênero musical está “perdendo o perfil contestador e ficando mais enquadrado, tanto o rock geral quanto nacional”. Mariola discorda,  dizendo que “o rock de periferia mantém um pouco a contestação”.

A força da periferia

 “Aqui na periferia sempre vai haver uma construção, alguma válvula de escape, e a arte vem com isso”, enfatiza AF, “cria” da Nova Holanda. Para ele, essa força “nega que o espaço periférico seja, nesse momento histórico e no passado, espaço de violência”. E completa: “é onde mais se produz arte de uma maneira geral”.

Henrique, que hoje vive “a crise dos caminhos do rock”, conta que fez o primeiro contato com a música ainda adolescente, e esse processo “foi muito importante, e depois de muito tempo eu fui entender que o que eu estava fazendo era político também, era um movimento de resistência”. Mas critica “o perfil do cara que ouve rock parou junto com o rock. Só que chega um momento em que a sociedade vai mudando”.

Machismo no rock

“Eu não tenho tido nem paciência pra ir em shows de rock, se você quer saber. Muito por conta do público. Muita letra machista pra caramba”, desabafa Elza, a única mulher do quinteto. “O rock dentro na Maré é uma herança de gerações, que foi chegando pra gente, e que vai passar pra outras figuras. Se vai ser um rock and roll mais contextualizado, vai voltar a ser um rock que contesta mais do que se preocupa em vender, eu não sei”, provoca AF, pensando sobre o futuro do gênero. Já  Mariola reverencia o passado: “hoje a gente tá aí, porque teve uma galera que veio muito antes, trabalhando”.

Coração de roqueiro

De qualquer maneira, no Grupo, que tem representantes das mais diversas vertentes do rock, todos ainda têm coração de roqueiro e a presença do som na construção das suas identidades, e isso é o suficiente para não precisar de dia nenhum para comemorar, como observa AF. “Eu não vou comemorar, mas eu cultuo o rock and roll todos os dias, não tenho de me preocupar com o dia”. “O importante é estar junto”, finaliza Mariola.

Acessibilidade é um direito

0

Maré de Notícias #90 – 03 de julho de 2018

Deficientes encontram barreiras nos caminhos da favela

Hélio Euclides

O termo “acessibilidade”, segundo o Ministério da Saúde, significa incluir a pessoa com deficiência em todos os setores da vida, ou seja, no uso de produtos, serviços e informações. A Lei nº 13.146/2015, que instituiu a Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), reúne 127 artigos, mas segundo os especialistas, o País ainda não derrubou o muro que dificulta a acessibilidade. Na Maré não é diferente. Ir à padaria, pela manhã, pode virar uma aventura perigosa para quem, de alguma forma, tem os movimentos restritos.

 Mobilidade é direito

“A Maré não é exceção da cidade, aqui existem calçadas altas, que dificultam a passagem. Eu e o Bira (Carvalho) fomos à Rua Teixeira Ribeiro e falamos com alguns comerciantes sobre a criação de rampas; “conto nos dedos” os que fizeram a reforma da calçada”, reclama Jorge Geraldo, conhecido como Jorge Bob’s, que na infância teve poliomielite e utiliza um carrinho de rolimã para se movimentar.

 Acessibilidade é caro? 

Para Bira Carvalho, cadeirante, a acessibilidade vai além do comércio. “Tem instituições na Maré que não têm rampa e banheiro adaptado. Isso tira o direito do deficiente de crescer. Ir ao banheiro é uma coisa simples, mas para nós se torna um obstáculo. Falta sensibilizar a sociedade sobre essa causa. A justificativa é de que a adaptação é cara, mas um sonho não tem preço. Me sinto preso em uma cadeira de rodas, uma das violências é a falta de direitos. Em todo espaço público é obrigatório se pensar na acessibilidade, não estou inventando nada, isso é lei”, afirma;

Vanda Sousa, redutora de danos do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Álcool e Drogas III Miriam Makeba, acredita que falta muito para uma acessibilidade plena. “Não existe o cuidado terapêutico que faça um bom trabalho de colocar o deficiente de volta à vida. Existem poucas crianças com deficiência nas escolas. E onde estão? Em casa. Acho que para a acessibilidade existir, é necessário o envolvimento de todos, desde os governantes aos que cercam o deficiente, ou seja, somos responsáveis para dar livre acesso para quem não tem”.

Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), existem no mundo cerca de um milhão de pessoas com algum tipo de deficiência. O Censo Maré, de 2013, detalha que a favela têm 1.670 domicílios com presença de moradores tendo algum tipo de deficiência física, motora ou intelectual, ou ainda transtorno psíquico.

 Um mundo sem visão da acessibilidade

Vanessa Cavalcanti é mãe de Yasmin Cavalcanti, de 15 anos, que nasceu prematura. O oxigênio da incubadora afetou a visão da criança. Para sua educação, a menina permanece no Instituto Benjamim Constant, de segunda a sexta-feira. “No entorno do Instituto é tudo adaptado. Aqui, minha filha tem dificuldades de andar sozinha nessas ruas esburacadas, com carros e motos por todos os lados. Até acompanhado está difícil”, revela. Sua filha pede algo bem simples: “queria ir à padaria sozinha, com o auxílio da minha bengala (Bastão de Hoover), mas tenho medo de ir e vir nas ruas da Maré”. A relação da Maré com as calçadas é muito complexa até para quem não tem deficiência. Calçada com pisos táteis é uma realidade ainda distante.

A acessibilidade deve chegar para todos. A Língua Brasileira de Sinais (Libras) é uma forma que o deficiente auditivo tem para se comunicar, portanto, é necessário que escolas, empresas e órgãos governamentais estejam cientes desta necessidade. Zilda Bezerra, moradora do Morro do Timbau, entende que ela precisa contribuir na inclusão. “Comecei a fazer o Curso de Libras com o desejo de me comunicar com todos, o que é uma troca. Imagina não ouvir e não falar e também não conseguir se comunicar, é triste”!

A Subsecretaria da Pessoa com Deficiência informa que seis equipamentos municipais fazem atendimentos para as pessoas com deficiência. O mais próximo é o Centro Integrado de Atenção à Pessoa com Deficiência Mestre Candeia, que fica na Avenida Presidente Vargas, 1.997, no Centro. Mais informações: <http://prefeitura.rio/web/smpd/principal>

Um pedaço de Macedo Sobrinho na Maré

0

Maré de Notícias #90 – 03 de julho de 2018

Favela foi extinta e parte dos moradores veio para Nova Holanda

Hélio Euclides

Um dia você acorda e recebe a notícia de que a favela em que você mora será extinta e todos os moradores serão transferidos para o outro lado da cidade. Isso foi o que ocorreu com moradores da favela Macedo Sobrinho, no Humaitá, Zona Sul do Rio de Janeiro. A política de remoções teve início na gestão do governador Carlos Lacerda (1960-1965), no então Estado da Guanabara, e seguiu por muito tempo. Os moradores da Macedo Sobrinho foram distribuídos pelo município como forma de desarticular uma possível resistência. Alguns vieram para a Nova Holanda.

Mudança forçada

Na Zona Sul, havia pressões da especulação imobiliária. Lacerda, com recurso dos Estados Unidos, implementou conjuntos habitacionais longe do centro e sem contemplar as necessidades dos moradores. Foram 32 favelas erradicadas parcial ou totalmente, duas delas foram a Praia de Ramos e a Maria Angu, numa área que hoje compreende a Maré. A favela Macedo Sobrinho ocupava a encosta do Morro da Saudade, que no final dos anos 1980 foi transformada no Parque Municipal do Morro da Saudade.

Os moradores foram tirados à força e levados para locais muitas vezes indesejados, sem saneamento básico e transporte, entre outros problemas. Elza Cristina da Silveira lembra que a família não tinha renda, então foi encaminhada para a Nova Holanda. “Foi difícil acostumar com o novo local de moradia, longe da Zona Sul. Lá no morro tínhamos uma tendinha e um ponto de luz, que distribuía energia a outros moradores. Aqui, a luz era precária. Viemos com a ideia de que seria provisório, e ficou para sempre”, conta.

A luta

“Mamãe foi guerreira e lutadora para criar os seis filhos, com tanta dificuldade. O bom era a união da família, um ajudava o outro. Aqui faltava água, mas conforme a comunidade foi crescendo ficou melhor”, l avalia Elza Cristina. Sua irmã, Regina Maria Silveira, ainda tem tudo na cabeça: “nos colocaram num ônibus conhecido como cata-mendigo, como animais. A mudança veio num caminhão. Depois nos destinaram uma casa toda ruim, de madeira podre. Minha mãe chorou com a mudança de casa, sofreu e insistiu. Conseguimos trocar por outra, um pouco melhor, na mesma Rua G”, detalha.

“No morro, tínhamos duas caixas d’água, e oferecíamos água para os vizinhos. Aqui, carreguei muita água de uma vila, que existiu onde funcionou o McDonald’s. No morro, lembro do Carnaval, onde a família tinha a barraquinha de lanches e assim ganhávamos um dinheirinho”. Regina tinha 15 anos quando sentiu na pele a remoção. “Para a Nova Holanda vieram os mais pobres. Remoção é tirar o chão do favelado, é separar os amigos, lembro de muito choro”.

Adaptação difícil

Morando no mesmo lugar até hoje, na Rua H, Jorgina Maria, a Bina, lembra o dia da remoção, 16/01/1971. “Um período de tristeza, não queria sair de lá, aliás ninguém queria. Lá era como uma família só, nos defendíamos. Aqui ninguém se conhecia. O ônibus que trouxe a gente era da DLU (Departamento de Limpeza Urbana), tipo da Comlurb, vínhamos como bichos. Fomos divididos entre Cidade de Deus, Avenida Suburbana, Nova Holanda, Vila Kennedy e Engenho da Rainha. Primeiro fizeram o levantamento, o salário era o que definia para onde cada um iria”, relembra.

“Aqui era muita lama e parecia que os mosquitos iam nos carregar. Tinha 16 anos e ajudei a cuidar dos quatro irmãos. Carregava lata na cabeça lá do Parque União, me equilibrando. Com o tempo, as coisas foram se acertando, reformamos e construímos em cima”, conta Jorgina. Sua mãe, Argentina Tibúrcio, de 89 anos, era acostumada a trabalhar perto de onde morava e, como outros, sofreram com a distância: “eu adorava o meu barraquinho. Lá, o meu trabalho era perto e tinha os amigos para cuidar das crianças. No morro, o ruim era a escada, mas tinha mais espaço para as crianças brincarem”, conclui ela, que até hoje guarda os carnês que pagava da casa na Nova Holanda.

BRT: uma obra que não sai do lugar

0

Maré de Notícias #90 – 03 de julho de 2018

Transbrasil tem nova paralisação e sua conclusão fica cada vez mais distante

Hélio Euclides

Prometida para esse ano, a conclusão das obras do Sistema Rápido de Ônibus (BRT) Transbrasil teve nova paralisação. No Maré de Notícias, Edição nº 80, de agosto de 2017, abordamos a retomada das obras que, no entanto, não duraram nem um ano. A construção da Transbrasil começou em janeiro de 2015 e a primeira interrupção das obras ocorreu em agosto de 2016, para a realização das Olimpíadas. Segundo os planos, o corredor expresso terá 32 quilômetros e vai ligar o Centro da cidade a Deodoro. A previsão da Prefeitura é de que sejam atendidos 900 mil passageiros por dia.

Desde a retomada das obras até hoje, o que se percebe na Avenida Brasil são engarrafamentos, desvios e rotas improvisadas. “Até agora, só vejo engarrafamento; antes gastava 40 minutos para chegar ao trabalho, agora são duas horas. Quando tiver pronta, como vai ser? Nem sei como vou fazer para vir da Pavuna para a Penha, se vai precisar de baldeação”, argumenta Roberto Cândido. A Avenida Brasil também virou alvo de reclamações: “não vejo vantagem nessa obra. O que percebo é muita poeira e transtorno. Onde nunca ocorria alagamento, agora apareceu, tenho medo de qualquer chuva. Até pouco tempo sofríamos também com a escuridão e muitos assaltos, depois de muitas reclamações voltou a luz nos postes”, relata Genilda de Souza, moradora de Ramos.

A obra do BRT Transbrasil expõe falhas de projeto. Um exemplo é o viaduto que liga a Transcarioca à Avenida Brasil, que foi aberto e pouco utilizado e depois fechado novamente. “Está um lixo, um atraso de vida. Dizem que vai melhorar, estou pagando pra ver. A Avenida Brasil está uma porcaria”, avalia Selma Rodrigues. Na área da Maré apenas a estação em frente à Vila do João foi iniciada e hoje já está com alguns pontos de ferrugem. “A prefeitura não tem dinheiro, então vai enrolando o tempo todo. O que foi construído vai sendo destruído com o tempo, estragando”, comenta Verônica Oliveira, moradora da Nova Holanda.

 

Passarelas de andaimes geram reclamações

Nas estações construídas ao longo da Avenida Brasil, as passarelas fixas foram substituídas por andaimes com piso de borracha. “Parece que não existe vontade política, por isso essa obra está parada. Essas passarelas não são seguras para a população. A minha previsão não é otimista, comparando com os outros BRTs”, afirma Eliene Cunha, professora.

Muitos consideram que a pior parte dessa obra são as passarelas improvisadas. “Temos de passar por essa passarela improvisada, que balança muito e os pedestres têm de disputar a passagem com as motos”, revela Eugênio Oliveira, vendedor ambulante da Passarela 12.

Os moradores têm muitas dúvidas sobre a obra, pois “esse assoalho não é bom, o cadeirante sofre. Imagino que pode ficar pior, se ao final da obra ficar só a Passarela 6, em frente à Vila do João, vai ser complicado para nós do Conjunto Esperança”, afirma Edileusa Francisco, vendedora ambulante. O Presidente da Associação de Moradores de Rubens Vaz, Vilmar Gomes, o Magá, ainda não sabe ao certo onde será o acesso dos moradores à estação do BRT. “Outra preocupação são as passarelas provisórias, a que fica no lugar da antiga Caracol está com o assoalho podre, e a demanda de pessoas que utilizam é grande. Já a Passarela 9 treme e a grade está solta, prende na roupa das pessoas e pode causar um acidente. Já liguei para a Prefeitura, pelo número 1746, e nada”.

Estação Marcílio Dias não entra no projeto

No Maré de Notícias, Edição nº 82, de novembro de 2017, abordou-se a questão de Marcílio Dias não ser atendida por uma estação do BRT. A previsão é de que a estação mais próxima seja a Passarela 15, denominada Marinha do Brasil. “Quando fomos à Região Administrativa da Penha, nos informaram que o projeto ainda não está fechado. Uma estação seria a oportunidade de melhoria da área do ponto de ônibus. O que temos hoje é ausência de iluminação. A Marinha é contra a iluminação do acesso à comunidade”, declara Jupira dos Santos, Presidente da Associação de Moradores de Marcílio Dias.

Para seguir até à Passarela 15, moradores teriam de gastar 10 minutos a mais, além da falta de segurança da via. “Está muito difícil para a população. Não acredito nessa obra, e nem que vai melhorar. Os exemplos são as outras linhas do BRT que estão em funcionamento com diversos problemas. O pior é que se não tiver a estação na Passarela 16, vai prejudicar muito”, segundo Leonardo Leite, morador de Marcílio Dias. Para Maria José, também moradora de Marcílio Dias, a Transbrasil não convenceu: “não vejo mudança, espero que melhore, pois está horrível. Ainda mais se não tiver estação em Marcílio Dias”.

 

A voz do especialista

Orlando Alves dos Santos, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR), da UFRJ, e pesquisador da Rede Observatório das Metrópoles acha que o projeto não é o ideal. “O sistema dos BRTs não tem capacidade de acomodar a demanda de passageiros, não é o melhor modal. A população que usa, sofre e fica espremida. Tem de se pensar na saturação”. Para ele, os BRTs obedecem a interesses econômicos: “o que ocorre é uma mercantilização da cidade, e não a melhoria de uma área com deficiência de transporte público. Não há um planejamento de um projeto de justiça social, ele ainda vem acompanhado de remoções”, enfatiza.

Orlando acredita que o projeto não é um meio permanente e nem prioritário. “O trajeto ligando Deodoro ao Caju não beneficia o sistema, pois não liga o Centro e a Zona Sul. Uma racionalização da qualidade de vida da população são barreiras para um transporte ideal”, comenta. Ele entende que há algo por trás nesse sistema de transporte: “o BRT Transbrasil é de interesse das grandes empreiteiras, operadoras de ônibus e das imobiliárias, resumo: uma máfia. A população fica subordinada a interesses diversos de classes dominantes”.

Prefeitura promete a retomada das obras

A Secretaria de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação informou que as obras do BRT Transbrasil serão retomadas em julho. Explicou que o Ministério das Cidades ameaçou cortar os investimentos, alegando que o BRT Deodoro-Caju não seria útil para a população. Uma nova proposta foi apresentada pela Prefeitura para estender o traçado até o Terminal Américo Fontenelle, no Centro. O projeto, sem custo financeiro adicional, foi aprovado pelo Ministério das Cidades, mas ficou em avaliação da Caixa Econômica Federal, que contingenciou os recursos. Sem o fôlego financeiro para manter a megaestrutura, o Consórcio Transbrasil suspendeu as atividades.

A Secretaria garante que o BRT Transbrasil está 85% concluído e, com a liberação dos recursos, vai operar em ritmo acelerado para concluir a obra com a maior brevidade possível. Informou também que, após a retomada, a obra será concluída em 12 meses, pois agora só falta a liberação do restante dos recursos por parte do Governo Federal para a continuidade dos serviços. As obras foram licitadas por 1,4 bilhão de reais, sendo 1,3 bilhão de reais recursos do Ministério das Cidades, a cargo da Caixa Econômica Federal. O restante foi oferecido como contrapartida do Município. Até o momento foram desembolsados 909 milhões de reais.

 

Putz, pisei…. Um cão passou por aqui

1

Maré de Notícias #90 – 03 de julho de 2018

Cuidado com as armadilhas nas ruas e calçadas da Maré

Hélio Euclides

“Os usuários dos parques, praças e logradouros públicos que frequentarem estes locais com animais de estimação são responsáveis pela limpeza, remoção e destino adequado das fezes geradas por seus animais”. Esse é o artigo 1.º da Lei n.º 4.893, de 10/09/2008. Mas quem anda pela Maré sabe que essa Lei não funciona por aqui, pois caminha como se estivesse numa pista de obstáculos, tendo de driblar os dejetos dos animais. A Subsecretaria de Bem-Estar Animal (SUBEM) orienta que os donos de animais providenciem a limpeza imediata e assumam sua responsabilidade.

Pisar em cocô de cachorro é, sem dúvida alguma, extremamente desagradável. Mas segundo a crença popular, quando se pisa em fezes de um canino sem querer, é sinal de sorte, sinal de dinheiro. Valdecio Pereira, o Delcio, funcionário de um pet shop na Vila do João, discorda dessa superstição. “O pessoal sai para trabalhar arrumadinho, ou para levar a criança à escola, e pisa no cocô do cão do vizinho. Tem de ter conscientização e incentivar a cultura de sair com uma sacola para pegar as fezes, assim outros vão copiar e essa ação vai se espalhar”.

Para Maria Catharine, estudante de Ciências Biológicas e moradora da Maré, além de desagradável, as fezes dos animais podem transmitir doenças. “É preciso se conscientizar de que não é certo deixar as fezes nas ruas, pois contaminam os seres humanos. Um dos parasitas eliminados nas fezes de cães e gatos é a larva migrans cutânea, também conhecida como “bicho geográfico”, que provoca irritação e muita coceira no local da lesão”, alerta.

Um trabalho de formiguinha

Alguns moradores da Maré já saem de casa com seus saquinhos, é o caso de Maria José Galdiano, que cuida de duas cachorrinhas, Ariel e Laila. “Acho nojento não cuidar das ruas. As pessoas passam e pisam nas fezes. Eu limpo, para não deixar nas portas das casas dos outros. Comecei esse hábito vendo pela televisão que os donos dos animais pegavam as fezes com um saco, e aderi a esse jeito. Acredito que só faço a minha parte”.

Para alguns, a justificativa para que calçadas fiquem poluídas é o abandono. Eunice Cunha, presidente da Associação de Moradores do Conjunto Pinheiro, faz o contrário, cuida de 20 gatos e quatro cachorros que foram encontrados nas ruas: “na maioria das vezes os animais são abandonados após serem maltratados. Aqui dou carinho, o que ajuda no comportamento do animal, que até melhora das doenças. Alguns desses animais foram salvos, pois iriam morrer na rua”.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, existem mais de 30 milhões de animais abandonados no Brasil. Maria Catharine acredita que a sociedade precisa enxergar o animal como um amigo, pois “o abandono dos animais tem acontecido frequentemente, acho desumano pegar um animal para criar e depois soltá-lo na rua. Esse ato acaba trazendo risco não só para o animal, que pode contrair alguma doença, ao comer lixos que contenham venenos. Mas há o risco também para nós, pois o animal se tiver o vírus da raiva, pode passar para o ser humano”.

Uma secretaria para cuidar dos animais

A SUBEM tem um abrigo na Fazenda Modelo, com cerca de 900 animais entre cães, gatos e cavalos. No abrigo não há mais espaço para receber novos animais e, além disso, também não é considerado o lugar ideal para um animal passar a vida toda. Por isso, há campanhas de adoção, que acontecem semanalmente. Mais informações no site da secretaria: <http://www.rio.rj.gov.br/web/subem>.

A SUBEM realiza a castração de cães e gatos gratuitamente, em 10 postos. Para agendar a castração, o cidadão precisa acessar o site da Secretaria, cadastrar o animal e marcar a cirurgia. O agendamento tem início sempre no dia 1º de cada mês, a partir das 8 horas. Posto Bonsucesso: Avenida Brasil, nº 6475, esquina com a Rua Teixeira Ribeiro – Passarela 9 – pista sentido Centro.

Um artista popular

1
[vc_video link=”http://www.youtube.com/watch?v=zMzLMVZxiBk”]

Maré de Notícias #90 – 03 de julho de 2018

A força do Nordestino retratada nos muros

Maria Morganti

As paredes e muros das ruas de Ramos, Olaria, Bonsucesso, Penha e Complexo do Alemão estão se transformando em telas de pinturas, nas quais o Nordeste brasileiro se impõe pelo traço do artista Wallace Marques Riscado Ramos, o Pato.  É difícil passar por uma das pinturas sem parar para olhar com mais calma, ficar abobalhado e admirar a força que tem o traço do jovem de 24 anos. “Ele desenha bem”, disse uma criança que posou para ser fotografada pelo pai, ao lado de Pato, em frente a um muro em que ele estava pintando o retrato de um senhor tocando gaita,  numa terça-feira, na Rua Emílio Zaluar, em Ramos.

Superhomens e Supermulheres

Olhando o telefone de onde copia a foto que vai reproduzir, ele diz: “eu  pinto sobre o Nordeste. Tenho vários objetivos, mas eu acho que o maior deles é ser porta-voz de quem nunca foi ouvido. Pessoas que são gigantes, têm muita força, carregam uma história muito grande mesmo. Carregaram muita coisa nas costas e nunca tiveram oportunidade de falar ou, quando tiveram, foram ofuscadas. A minha intenção é ser porta-voz disso. Eu acho que muitas pessoas são ofuscadas por tudo o que acontece, e acabam passando despercebidas aos olhos de muitos”.

Enquanto pinta, fala sobre o que pensa de seus personagems: “tem de ser uma supermulher, um super-homem mesmo para viver o que eles vivem. Não só eles. Eu resolvi levantar essa bandeira e falar do Nordeste. Mas não é só eles que passam isso. Certo que eles passam uma dificuldade tremenda, mas aqui mesmo dentro das favelas tem um monte de gente que passa uns perrengues sinistros, mas eu resolvi levantar essa bandeira e falar do Nordeste. Como tudo, inspiração, imagina?”

De repente, ele descansa o rolinho de pintura para falar, olhando para a repórter.

“Você não ter nada, não comer há vários dias, sem água, viver numa seca tremenda de não ter nada, e disso tudo tu ainda conseguir tirar um sorriso do rosto, tu conseguir viver ainda, é muito forte, muito lindo”.

 A tarde segue e o trabalho também. Pato molha o rolo na bandeja de tinta, e volta à parede. “Não é a situação, mas a força deles. Eu não conheço outro povo assim. Eu precisava falar disso. É de onde vem a inspiração de pintar e falar do Nordeste. O povo é muito forte”.

 

Apesar da técnica sofisticada, Wallace Pato gosta mesmo de pintar muros e paredes | Foto: Douglas Lopes

Autodidata

Sua técnica é muito particular. De vez em quando, esfrega a mão na pintura para “não ficar tão perfeito”. E continua: “eu tento desconstruir algumas coisas, mas para desconstruir você tem de saber construir. Aí eu fui vendo para onde a minha pintura ia se inclinando, naturalmente. Eu comecei a pintar assim, perfeito, o máximo que eu conseguia, e depois, natural meu, comecei ir “cagando” mais. Na real, eu acho até que eu tento correr do perfeito. Tento fazer expressionismo, um realismo, mas não é aquela parada perfeitinha”.

Pato nasceu e foi criado na região limítrofe entre Ramos e Bonsucesso. Pintando nos muros há cinco anos, conta que nunca fez nenhum curso de pintura e na família não tem ninguém que pinte profissionalmente. Até o dia da entrevista, nunca tinha ido em nenhum Estado da região que é tema da sua arte, mas estava com viagem marcada para pintar em Canudos, no Sertão da Bahia, a convite do presidente do Projeto Canudos, do qual faz parte.

Ele diz também que só conhecia o Nordeste por fotos e que começou a pesquisar e ouvir as histórias dos nordestinos que conhecia.  “Eu vejo algo que fale muito com eles e com todos, algo que é bem-característico. E também ouvindo pessoas que estão aqui. Muitos nordestinos que estão aqui tocam gaita. Meu vizinho mesmo. Essa pintura aqui me lembra muito um vizinho meu que  faleceu, que era o Seu Brás”.

Enquanto trabalha, é constantemente interrompido pelas pessoas que não o param de elogiar. “É você que faz essa pintura bonita aí?”, indaga um senhor que pede o contato do artista.

“Eu olhei ao redor e vi que era muito importante falar disso. Quando eu me liguei,  caramba, cara. Por que eu não tô falando disso já há muito tempo?Pô, acho que eu tô viajando aqui, foi o momento em que  comecei a falar sobre o Nordeste. Isso mexeu muito comigo. O sentimento é o mesmo, desde quando eu comecei a fazer o primeiro. Chegou o momento que isso precisava ser falado”.

 

Pintor das ruas

Com jeito de menino e algumas tatuagens pelo corpo, como a data de nascimento em números romanos, e um fat cap, instrumento usado para fazer grafite, Pato está
se preparando para ingressar na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele relembra que começou a rabiscar com mais ou menos 10 anos de idade, quando pedia para a mãe comprar cadernos. Ao receber mais um aceno simpático de transeunte, lembra que nem sempre foi assim: “uma vez eu pintando, parou um taxista e ele queria me bater, ameaçou pegar uma barra de ferro na mala do carro. Disse que eu estava esculachando a cidade. Eu fiquei meio sem reação, comecei a recolher as tintas rápido pra ir embora, porque ele estava muito nervoso. Eu tento levar a pessoa com clareza, com calma. Pintar na rua tem muito disso. Tem de lidar com um monte de pessoas ali o tempo todo, várias pessoas com opiniões diferentes da sua. Tem pessoas que respeitam a opinião, que não tem a mesma que você, mas respeita, e tem outras que são totalmente explosivas, fazer o quê?”

Chamado “mais de vagabundo que de doido” na rua, isso nunca foi motivo para desmotivá-lo Ele conta: “foram vários momentos que eu pensei em desistir, cara. É muito complicado. Até mesmo por estar desanimado com as coisas, de às vezes faltar grana. Porque eu bato nessa tecla, eu não quero parar de falar disso, e às vezes a gente precisa de grana, porque eu tenho de pagar aluguel, tu ainda precisa de dinheiro pra comprar tinta, pra poder pintar na rua, é difícil. Tem hora que tu chega ali no momento que, pô, preciso fazer alguma coisa, sei lá, acho que eu vou parar de pintar. Mas o que mais me impulsiona a pintar são eles”, diz, olhando para o retrato ainda em construção e continua sua arte

 

Viver de arte

 “Parece que te dá um gás. Quando eu pensava em desistir, eu falava, pô, não vou parar, não vou parar e continuava pintando, mas eu pensei várias vezes”. Estimulado pela esposa, Thaíza Pereira, Pato já serviu o Exército e chegou a trabalhar em uma loja de tintas, “porque tinha desconto para comprá-las”, mas hoje vive da arte. Ouvinte de cantores como Gilberto Gil, Criolo e Emicida, e inspirado por outros artistas suburbanos, o jovem tem como sonho o “de pintar e viver com o que eu faço. De poder pintar em outros lugares, de poder passar a mensagem que eu quero passar, assim, pra todo mundo, em vários lugares. Onde a arte for me levando, eu vou, sem fronteiras”.

Na lista de planos, uma série de pinturas sobre o Programa Bolsa Família. “Tem um monte de gente que não concorda com isso e acha que tem de acabar. Eu já acho totalmente diferente, acho que tem de continuar mesmo, aquilo ali tirou muita gente da miséria. E ajuda muita gente, acho que a pessoa que não passou fome, não passou sede, o chinelo dela não foi uma garrafa PET, o cara que não passou nada disso, acho que ele tem de ficar calado, não tem de opinar sobre nada disso não. E a gente vê muita gente aí de um nível extremo de riqueza, o cara super playboy e dando opinião sobre isso. Achando que tem de acabar, que isso alimenta vagabundo, que isso incentiva os outros a não fazer as coisas. Acho que ele tem de ficar calado, está perdendo tempo falando besteira”.