Brasil e Angola no palco da Maré

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“Hoje não saio daqui”, o novo espetáculo da Cia Marginal, estreia em dezembro no Parque Ecológico, na Vila dos Pinheiros. A peça mobiliza atores e músicos de origem africana para tecer diálogos sobre um tema sempre complexo: o respeito às diferenças

Maré de Notícias #107 – Dezembro de 2019

Flavia Veloso e Nicolas Quirion

Em Luanda, capital de Angola, “Marginal” é o nome de uma célebre via, moderna e luxuosa, de frente para o mar. Como se fosse uma Avenida Atlântica. Mas aqui, na Maré, a “Marginal” é uma jovem Companhia de teatro que quer provocar uma reflexão sobre a cidade a partir da sua periferia. Pode uma palavra ou uma ideia mudar de sentido ao atravessar o oceano? Que mal-entendidos surgem do encontro com o diferente? Quantas semelhanças há entre jovens brasileiros moradores da Maré e os filhos dos imigrantes que se estabeleceram no Rio de Janeiro nas últimas décadas? Essas são algumas das “bolas” levantadas pelo novo espetáculo da Cia Marginal: “Hoje não saio daqui”.

A ideia de montar uma peça, reunindo o elenco habitual da Companhia e jovens atores de origem africana, teve origem há vários anos. “A gente resolveu pensar sobre a xenofobia e o racismo crescentes no mundo, sobre a dificuldade na relação com o outro. Começamos a pensar sobre esses temas a partir da comunidade angolana da Maré”, lembra a diretora, Isabel Penoni.

Foto © Douglas Lopes

De fato, a Maré é conhecida por acolher um número significativo de pessoas oriundas de Angola. Segundo o Censo Maré, eles seriam atualmente em torno de 200 pessoas, residindo no conjunto das 16 favelas. Muitos deles chegaram há mais de 20 anos, fugindo dos terríveis conflitos que assolavam suas terras. No Brasil, os primeiros tempos não foram fáceis. No entanto, hoje em dia, a cultura desses imigrantes se enraizou profundamente na Maré. Como todo bom mareense sabe (ou deveria saber), é lá na “esquina dos angolanos” (Rua C-11 com B-3, nos Pinheiros) que é possível experimentar a melhor comida africana do Rio de Janeiro e dançar ao ritmo do kizomba e do kuduro até altas horas da noite.

“Quando cheguei na mata (Parque Ecológico), não pensava de jeito nenhum que faria uma peça de teatro ali, tranquilamente, porque eu chorava muito todos os dias em que pisava lá. A mata, para mim, parecia a África, eu via nossa casa.” O depoimento é de Ruth Mariana, uma dos artistas de origem angolana que estarão na peça. Ela também escreveu todas as letras das canções que estão presentes no novo espetáculo da Cia Marginal. Mesmo aos 34 anos, a atriz ainda se emociona quando se lembra dos seus países de origem: a Angola, onde nasceu; e o Congo, onde passou a infância e vivenciou a guerra. Ela explica que reviver esses momentos nas artes cênicas se tornou uma terapia. “Mexe com a emoção, então eu choro muito. Estamos no palco, atuando, mas choro de verdade até voltar para o camarim. Meus colegas de profissão perguntam: ‘Ruth, o que houve?’, e eu digo que eles nunca vão entender, mesmo que eu explique.”

O Parque Ecológico virou o palco perfeito para se falar de territorialidade, um dos temas propostos pela peça. Assim como Ruth se viu projetada na infância, o ator e um dos fundadores da Companhia, Wallace Lino, lembra que a mata conta a história da Maré, e explica que isso foi crucial para o projeto: “Tivemos o território e a memória como bússolas e principais pilares do nosso trabalho.”

Link para o evento no Facebook: http://www.facebook.com/events/2593538500732663/

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