Brasil e Maré elegem Lula presidente

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Eleições 2022 terminam com aumento de votos válidos nas favelas, além de crescer a preferência para candidatos de esquerda

Edu Carvalho

Com mais de 60,3 milhões de votos, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) venceu no segundo turno a disputa pela Presidência da República no Brasil no dia 30 de outubro. Com este número, o petista se tornou o presidente mais votado da história no país. A disputa de 2022 foi a mais acirrada desde a redemocratização, com uma diferença de apenas 2.139.645 votos. E qual é o peso do voto favelado nesse resultado? Como votou a Maré no segundo turno da eleição presidencial mais disputada dos últimos anos?

No panorama geral do Rio de Janeiro, Lula perdeu para Jair Bolsonaro (PL), que teve 52,66% contra 47,34% do candidato eleito. No entanto, nas zonas eleitorais 21ª, 161ª e 162ª, área que abrange Maré, Complexo do Alemão, Penha, Olaria, Ramos, Bonsucesso e adjacências, o pernambucano venceu com 118.650 votos, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 

Olhando especificamente para o território mareense, nota-se que o candidato do PT venceu em mais locais de votação. As zonas que recebem a maior parte dos eleitores da região são a 161ª e a 162ª, sendo que a primeira tem 10 pontos de votação na Maré e a segunda, somente dois. Na 161ª, o percentual do segundo turno ficou assim: Lula (57,53%) e Bolsonaro (42,47%). Já na 162ª zona, o atual presidente venceu com 51,54% contra 48,46% do seu adversário. O total de eleitores aptos a votar nos locais de votação da Maré na 161ª corresponde a 85%, enquanto na 162ª é de 15%.

Em ambas as zonas, o comparecimento de eleitores aumentou e o índice de abstenção diminuiu. Na 161ª, 75,37% das pessoas aptas a votar o fizeram no primeiro turno e no segundo a porcentagem subiu para 77,32%. Já na 162ª, a quantidade de eleitores que compareceram subiu de 75,02% para 75,24%. Na primeira, o índice de abstenção caiu 4,12% e na segunda, 0,42%.

Para Josué Medeiros, professor adjunto do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o resultado demonstra o grau de afinidade com os projetos políticos apresentados pelo candidato vencedor para a favela. “Quando Lula vai ao Complexo do Alemão e prioriza aquela agenda com uma caminhada em que ele faz contato direto com os moradores, ele mostra que valoriza muito esse voto. Quando Bolsonaro afirma que as pessoas que estavam no Alemão são criminosas, ele mostra que não valoriza e até mesmo estigmatiza esse voto”, considera. 

O especialista acredita que o resultado evidencia que a escolha dos moradores de periferia é “pragmática” e não se diferencia muito da lógica em todas as outras regiões. “O favelado procura saber que melhorias terá em sua vida concreta, mas isso está longe de ser de direita e está longe de ser uma especificidade do favelado. A maioria do eleitorado de todas as classes e em todos os bairros se comporta assim”, diz. 

Bolsonaro é o primeiro presidente a não conquistar a reeleição no Brasil. Desde que a reeleição foi aprovada no país, em 1995, todos os presidentes eleitos conseguiram um segundo mandato.

Primeiro turno

Além da escolha do próximo chefe do Executivo, no primeiro turno das eleições gerais os cidadãos precisaram decidir quem serão seus próximos representantes nas esferas estadual (governador e deputado estadual) e federal (senador e deputados federais).

De acordo com os números apresentados, em contraste com a última corrida (2018), uma mudança de orientação ocorreu na Maré, seguindo a tendência de polarização para todos os cargos. Comparados os anos de 2018 e 2022, muitos são os fatores que podem influenciar e explicar o movimento dos moradores na hora de apertar, a cada vez, o ‘’confirma’’ na urna. 

Para governador do Rio, Cláudio Castro (PL) foi reeleito já no primeiro turno com 58,67% dos votos (4.930.288 no total), e também teve maioria na 161ª zona eleitoral – com 43,2% dos votos. No cargo desde o impeachment de Wilson Witzel, Castro ampliou a agenda de operações em favelas e comunidades do Rio, desrespeitando a #ADPF635, conhecida como #ADPFDasFavelas. Não à toa, dias antes do 1º turno, a Maré tornou-se palco de uma operação policial que deixou cinco pessoas mortas, além de diversas violações de direitos.

Já para a cadeira no Senado Federal, o candidato mais votado na Maré foi Romário (PL) com 25% (8924) dos votos, seguido de Alessandro Molon (PSB), com 24,64% (8796) dos votos – uma diferença de 128 votos (0,36%). Em relação ao Congresso Nacional, o candidato a deputado federal Felipe Brasileiro (MDB) foi o escolhido pelos mareenses, registrando 11,35% dos eleitores, mas não teve votos suficientes para chegar a vitória. Cria da Maré, Renata Souza (PSOL) foi eleita deputada estadual com mais de 170 mil votos, sendo a mulher negra mais votada da história para a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Do território, Renata recebeu o voto de 5.249 pessoas.  

Para Josué Medeiros, o trabalho feito por ONGs (organizações não-governamentais), instituições e coletivos em diversos eixos faz o morador relacionar com as melhorias que querem e, assim, tornarem maiores suas lutas estabelecidas no território. “É sensacional que essa relação com as associações consiga agora abrir as portas do sistema político (para a população em geral). É pouco ainda, precisamos de muito mais, mas eu considero isso uma grande vitória da renovação política”, celebra.

É ‘Complexo’

Diferente das outras eleições, a favela ganhou ainda mais destaque durante a campanha desse ano, após o ex-presidente e candidato Lula (PT) ter feito um ato junto a ativistas e moradores do Complexo do Alemão no início de outubro. Ao lado dos ativistas Rene Silva e Camila Moradia, usou um boné com a sigla ‘CPX’, que remete ao ‘complexo’, termo usado por quem mora e conhece o local. Foi o que bastou para que a oposição usasse o objeto associando ao tráfico de drogas e, mais uma vez, criminalizar a vida dos moradores. 

‘’Estamos falando de pessoas trabalhadoras, de famílias que cuidam dos seus, de uma vida comunitária potente. E também de uma população que sofre as contradições da desigualdade mais do que o morador dos bairros de classe média’’, analisa Josué. Segundo o especialista, o fator favela para a eleição de 2022 favorece e “é muito positivo para a nossa democracia”, indicando que a pregação que divide a sociedade “entre cidadãos de bem e criminosos” é que “precisa ser combatida por nós”. E tudo isso apontando os caminhos de um futuro não tão distante. “Se eu posso dar uma sugestão a esse ativismo é: pautem o futuro governo Lula. A hora é agora!”.

Como vota a Maré?

No mês de outubro, a Redes da Maré lançou o “Análises”, publicação periódica de sistematização e reflexão sobre dados e informações das 16 favelas da Maré, tendo como base o contexto político mais amplo em que vivemos. O principal objetivo é identificar e analisar como questões da conjuntura política repercutem na vida da população da região e podem orientar as práticas de trabalho da Redes da Maré.

Destaques do plano do governo Lula (para cobrar)

  • RETOMADA DE INVESTIMENTOS: Compromisso de ações articuladas entre União, Estado e município para retomar as metas do Plano Nacional de Educação. “Para alunos que ficaram defasados devido às inúmeras limitações durante a crise sanitária, afirmamos o compromisso com um programa de recuperação educacional concomitante à educação regular para que possam superar esse grave déficit de aprendizagem”.
  • MAIS CULTURA: Criação e ampliação de políticas culturais e condições de vida e trabalho no mundo da cultura. “Fortalecer a memória e a diversidade cultural, valorizando a arte, a cultura popular e periférica, garantindo a plena liberdade artística”.
  • SALÁRIO MÍNIMO FORTE: Com reajustes acima da inflação para aumentar o poder de compra das famílias.
  • BOLSA FAMÍLIA: Com R$ 600,00 garantidos, tendo aumento de R$ 150,00 para cada família que tenha criança até seis anos. 
  • BRASIL SEM FOME: Onde se assume o compromisso de produzir e garantir comida para 33 milhões de pessoas e tirar o Brasil, mais uma vez, do mapa da fome.
  • DESENROLA BRASIL: onde será feita uma negociação das dívidas das famílias que recebem até 3 salários mínimos, para limpar o nome no SPC e SERASA e reaquecer a economia.
  • MINHA CASA, MINHA VIDA: retomada do maior programa de habitação popular da história do Brasil.

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