O lema é: levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima
Hélio Euclides
Com o clima de recessão, as escolas de samba e os blocos estão receosos com o carnaval de 2018. Por outro lado, problemas não são uma novidade. Todo ano existe um desafio, que é superado com a criatividade e o amor que os envolvidos nessa grande festa manifestam. Na Maré não é diferente. Aqui, existem duas escolas de samba: o Gato de Bonsucesso e o Boca de Siri. Pelas ruas da favela, alguns blocos empolgam moradores, entre eles o Gargalo da Vila, o Se Benze que Dá e o Magia do Samba.
A agremiação Boca de Siri vem com o enredo “Vamos falar de índios”. A escola leva para o desfile dois carros alegóricos e um tripé. A verde e branco do Piscinão de Ramos trará para o desfile 17 alas, com cerca de 830 componentes. “Estamos sem dinheiro, mas lembro que só entramos para brigar pelo título. A maioria das coirmãs estão ameaçadas de não sair ou mostrar um carnaval ruim. Para trabalhar com escola de samba tem de gostar muito”, desabafa Edivaldo Pereira, presidente do Boca de Siri, conhecido como Vadão, que há 15 anos atua na escola, sendo nove no cargo. Vadão critica o tratamento dado às pequenas escolas. “O carnaval é de custo alto, e não temos o apoio merecido da Prefeitura e nem da TV. Esquecem que todas as grandes começaram por baixo. A Riotur dá um valor que apenas paga os funcionários”, reclama. Outro ponto negativo é a insatisfação com o local de desfile. “A Intendente Magalhães é complicada, pois são muitas escolas. A Sapucaí seria o ideal, mas falta interesse”, declara.
No desfile deste ano o Boca promete “brincar de índio”, mostrar a história dos indígenas que se mistura com a dos portugueses. “Quando a escola desfila, tenho o sentimento de dever cumprido, uma emoção que não tem explicação, acabo chorando”, confessa Vadão. Para quem desejar desfilar, ainda há vagas. Um dos diferenciais do grupo é mostrar que o samba é sem fronteira. A escola traz uma ala da Maré, com foliões do Parque União. A agremiação também apoia, no que é possível, a coirmã Gato de Bonsucesso. Quem deseja colaborar com o carnaval do Boca de Siri terá uma boa oportunidade dia 4 de fevereiro. O evento Siri Folia promete agitar os foliões, com venda de abadá por 60 reais, que dá direito à cerveja, refrigerante, caldo e água. A festa vai das 13h às 21h, na quadra, que fica na Rua Mascarenhas de Moraes, 10, Roquete Pinto.
Curiosidade Boca de Siri
A expressão “boca de siri” tem origem a partir da anatomia do siri, um crustáceo que vive predominantemente em água salgada. Este animal tem uma boca muito pequena, que dificilmente pode ser vista a olho nu. Devido a essa característica do siri, a expressão foi adotada pela cultura popular, fazendo uma relação com a situação em que alguém se compromete em manter segredo sobre determinado assunto, fechando a boca e não contando para ninguém, assim como o siri faz quando captura um animal.
O Boca de Siri foi fundado no dia 7 de dezembro de 1979, como bloco. Em 2011, sagrou-se pentacampeão do Grupo 1 dos blocos de enredo, sendo o primeiro bloco a se transformar em escola de samba automaticamente, sem passar por avaliação. No ano seguinte, sagrou-se campeã do Grupo de Acesso E. O Boca de Siri em 2017 ficou com a quinta colocação do Grupo C.
Um felino no carnaval
A azul e branco da Nova Holanda vem com o enredo “Mulher, mulher, mulher”. O enredo vai viajar pela criação da mulher até os dias de hoje. Vai contar as mudanças do seu papel na sociedade e suas lutas. “A mulher busca o seu lugar e conquista. Um dos destaques será a Lei Maria da Penha”, lembra Roseni Lima de Oliveira, diretora do Gato de Bonsucesso.
A escola apresentará um carro alegórico, 12 alas, com 450 componentes, sendo obrigatório ter 20 baianas e 80 membros na bateria. O Gato desfila no Grupo E, uma apresentação de avaliação, sabendo-se que as três melhores sobem de categoria. “O ruim é que nesse Grupo não recebemos subvenção da Riotur. Pela crise nacional, falta dinheiro nas escolas de samba, e com o Gato não é diferente. Precisamos do apoio da comunidade e dos comércios locais”, almeja Roseni. Quem deseja participar do desfile deve comparecer aos ensaios que acontecem todas as sextas-feiras, a partir das 20h, na quadra, que fica na Rua São Jorge, Nova Holanda.
A trajetória de um gato
A história do Gato de Bonsucesso tem início na década de 1960, com moradores das comunidades do Esqueleto e do Querosene, que chegaram na Nova Holanda. A nova turma acabou se unindo aos antigos foliões do Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos da Nova Holanda. E assim nasceu o bloco Mataram Meu Gato, tendo como um dos fundadores Manoel de Jesus.
Em 1999, a agremiação foi registrada na Associação das Escolas de Samba do Rio de Janeiro com o novo nome de Grêmio Recreativo Escola de Samba Gato de Bonsucesso. O Gato de Bonsucesso foi rebaixado para o grupo E em 2016. No ano passado ficou em 5º lugar e não conseguiu subir de categoria.
A mudança de Mataram Meu Gato para o nome atual gera uma discussão frequente. Adelson Alves, radialista e especialista em carnaval, acredita que o nome antigo tinha um peso e uma irreverência característica da festa. Já Roseni entende que a modificação foi necessária para um nome forte, característica de uma Avenida Marques de Sapucaí. “O Gato nasceu da necessidade cultural da Maré e virou instituição familiar. Meu pai foi presidente e ele me chamou para ajudar no carnaval. Não parei mais. Fui filha, mulher, mãe e irmã de presidentes”.
A empolgação por meio de um gargalo
O bloco Gargalo da Vila desfila pelas ruas da Vila do João há 17 anos. “Percebi que não tinha carnaval de rua e que a festa não podia passar em branco”, conta Marco Antonio, fundador do bloco, conhecido como Marquinho Gargalo. O bloco não tem registro, mas o diferencial é que todos os integrantes desfilam com abadás. O Gargalo da Vila nasceu de uma ala com o mesmo nome, que desfilava desde 1976 no bloco Tigre de Bonsucesso. O samba do bloco sofre modificações todo ano, contudo o refrão é marcante: “O Gargalo Taí, o Gargalo chegou, samba gente que a ressaca acabou”.