Maré de Notícias #89 – junho de 2018
Segundo especialista, epidemia da doença não pode ser descartada
Maria Morganti
Dores no corpo, principalmente nas articulações, febre alta, falta de disposição. “É muita dor. Deus me livre, eu não desejo isso pra ninguém. Dói muito. Os ossos, as articulações, ficam duras, inchadas”, desabafa Floracir da Silva Pinto, aposentada e moradora da Nova Holanda. Onde dona Floracir mora, na Rua Marcelo Machado, a maioria dos moradores relata ter tido os mesmos sintomas. Todos foram diagnosticados com chikungunya, doença viral transmitida pelos mosquito Aedes aegypti, o mesmo da dengue e da zika. Apesar de a grande semelhança com as outras doenças transmitidas pelo mosquito, o que diferencia a chikungunya é a continuidade dos sintomas, que podem durar meses após o episódio da sua detecção, dificultando atividades simples, como escovar os dentes.
Risco dobrado para as grávidas
No caso de Juliana e Anderson Silva, o diagnóstico veio como um susto ainda maior. Juliana estava no fim da quinta gestação, a da pequena Maria Eduarda, com 38 semanas, quando sentiu muita dor na barriga e no calcanhar,mas achou que fosse por ter batido em algum lugar e não deu muita importância. Mas o marido alertou: “vamos para a maternidade, porque você gemeu muito de madrugada”.
Juliana conta que os médicos disseram que Maria estava em sofrimento fetal e indicaram uma cesariana de emergência. Tudo correu bem no parto. Três dias depois, os primeiros sintomas da chikungunya começaram a aparecer. “Ela nasceu superbem e as minhas dores passaram. Dias depois, ela estava chorando muito e a médica foi examinar. Quando colocou a bebê no berço, ela teve uma convulsão”.
Um exame confirmou que Juliana teve a doença e que Maria foi infectada, na hora do parto. Uma das características do vírus é causar fortes queimaduras em crianças pequenas. Maria continuou internada, e a previsão é que tenha alta nesse início de junho. “Só consegui dormir essa noite, quase um mês depois, não vejo a hora de ela vir pra casa”, conta o pai.
Pacientes como Márcia Barreto, 61 anos, aposentada, além do tratamento com medicamentos durante a fase aguda da chikungunya, muitas vezes precisam fazer fisioterapia, para reduzir as dores nas articulações, que podem perdurar meses. “Eu fiquei quase três meses sem andar, com muita dor. Até enrolado eu falava, porque atacou o meu sistema neurológico. Depois o médico mandou eu fazer fisioterapia, porque os tendões ficaram inflamados, acho que fiz 10 sessões”.
Maré na rota da chikungunya
Segundo dados da Prefeitura, a Maré é um dos bairros com maior índice de registros na cidade. Foram 59 casos só nos primeiros quatro meses deste ano. Perde apenas para bairros, como Campo Grande, Guaratiba e Santa Cruz, na Zona Oeste. Para o infectologista Rivaldo Venâncio, pesquisador e coordenador de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência da Fiocruz, apesar da grande quantidade de pessoas infectadas, os números não representam – neste momento – um risco de epidemia. “Se, de fato, nós caminharmos para uma epidemia de chikungunya no Estado do Rio,esses números iniciais não são suficientes para fazer tal afirmação. Há de se considerar, no entanto, a provável existência de um número razoável de casos que ainda não foram inseridos no Sistema de Notificação. Caso ocorra, de fato, uma epidemia, devemos esperar que até o final do ano tenhamos números 10 a 15 vezes maiores, que esses registrados até agora”. No entanto, o médico não descarta o risco. “Temos elevados índices de infestação domiciliar do mosquito transmissor do vírus. Nesse momento, não podemos afirmar que estamos caminhando para uma epidemia, muito menos descartar essa possibilidade”.
Rivaldo explica que, como a população teve pouco contato com esse vírus, existem poucos anticorpos para que o corpo humano proteja-se da enfermidade, o que aumenta o potencial de infecção. “Diante da inexistência de uma vacina contra a chikungunya, a única forma de a pessoa criar anticorpos é sendo infectada pelo mosquito. Uma parcela das pessoas infectadas desenvolverá a doença e outra não apresentará manifestações clínicas”.
Fatores de risco
O primeiro caso de chikungunya registrado no Brasil, ou seja, em que a transmissão ocorreu em território nacional, segundo o Ministério da Saúde, aconteceu em setembro de 2014. Em 2010, três casos tiveram o diagnóstico confirmado em pessoas que tinham acabado de voltar de viagem ao Exterior. No mundo, a doença começou a se espalhar em 2013, quando foram identificados casos no Caribe, Venezuela, Guiana, Panamá, Porto Rico e Suriname.
Em todo o Rio de Janeiro, inclusive aqui na Maré, são encontradas condições ideais para a proliferação do mosquito que transmite a doença: lixo acumulado e água parada são fatores decisivos, e os períodos de chuva também exigem mais cuidados. Por isso, o pesquisador Rivaldo Venâncio avalia que a expectativa é de que os índices de infestação não continuem crescendo no ritmo atual. A temporada de chuvas já acabou. Ele salientou, no entanto, que existem outros fatores que propiciam a proliferação do mosquito.
“A dificuldade na manutenção do abastecimento de água para o uso doméstico, de forma regular, em várias localidades do Estado do Rio, faz com que a população não seja abastecida todos os dias. O problema é que, no dia em que a água está disponível, as pessoas costumam acumular, muitas vezes, em locais inapropriados, criando potenciais focos de proliferação do mosquito Aedes aegypti. Já em outras localidades, a coleta do lixo produzido pelos domicílios não é eficiente, o que faz com que os objetos descartados, no meio desse lixo, acumulem água, propiciando a reprodução do mosquito”.
Para o pesquisador, o desemprego e a violência nas favelas agravam o quadro. “O elevado índice de desemprego contribui para que um percentual maior de pessoas permaneça em seus domicílios, tornando-se alvo dos vetores do vírus chikungunya. Além do ambiente de violência existente em várias comunidades do Estado do Rio de Janeiro que dificulta o desenvolvimento do trabalho de equipes que atuam no controle do mosquito transmissor”.
Apesar de a expectativa ser de diminuição dos casos ao longo do ano, Rivaldo alerta que, com a volta do verão, os riscos de uma epidemia se mantêm altos. Projetos como o “Eliminar a dengue: desafio Brasil”, da Fiocruz, que libera mosquitos infectados com a bactéria wolbachia, inofensiva ao homem, mas que impede a transmissão dos vírus pelo Aedes, prometem ajudar nesse combate. Mas nada que substitua o dever de cada um de eliminar os possíveis focos do mosquito em casa. Ritual que inclui fechar bem as caixas d’água, deixar todos os baldes e outros recipientes virados com a boca para baixo e pneus sem água e em lugares cobertos.