Ciclovia da Maré. Uma grande ideia que derrapou

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Jorge Melo e Hélio Euclides

Em agosto, Douglas Lopes, morador da Maré, de 25 anos, que é fã incondicional da magrela e a utiliza como principal meio de transporte, deu um passeio pela Ciclovia da Maré e encontrou uma série de problemas. Falta de sinalização, placas danificadas, pintura desgastada, pintura completamente apagada em muitos trechos, buracos e piso irregular. O passeio deu origem até a uma reportagem sobre a Ciclovia da Maré, publicada pelo Datalabe, um laboratório de dados e narrativas. Em novembro, três meses depois, ele repetiu o passeio, prestando atenção a cada detalhe do percurso. A conclusão é desanimadora. A situação piorou, porque com tempo os problemas se agravaram, “a obra foi interrompida e não há manutenção”, conclui Douglas.

A ciclovia era um sonho da maioria dos moradores da Maré, que utilizam diariamente bicicleta para se deslocar pela comunidade e, até mesmo, para outros pontos da cidade, próximos ao Complexo, como o bairro de Bonsucesso, por exemplo.  Cercado de muita expectativa e lançado com “pompa e circunstância”, o projeto prometia mais mobilidade e conforto.

A ideia da ciclovia na Maré surgiu em 2014, durante o Maré que Queremos, fórum permanente que existe desde 2009 e reúne associações de moradores e a Redes da Maré.  “No projeto, a gente já vinha discutindo os impactos e legados que as obras (BRT e Transcarioca) deixariam para a população, principalmente do ponto de vista da mobilidade, conta Eliana Sousa Silva, diretora da Redes da Maré.

A ciclovia é a primeira construída em uma favela e as discussões com a Prefeitura duraram mais de um ano. A população da Maré também definiu o traçado da ciclovia e os locais onde seriam instalados os bicicletários, a partir da experiência de milhares de pessoas que utilizam bicicletas nas 16 comunidades.

Uma das principais promessas do projeto era a ligação entre a ciclovia e as estações do BRT Transbrasil e Transcarioca e também ao Campus do Fundão, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), onde, segundo levantamento da própria Prefeitura, trabalham 25% da população da Maré. Segundo Douglas, “não há nada que facilite o acesso de quem usa bicicleta às estações do BRT, sem contar que são raros os bicicletários na favela, outra promessa não cumprida”.

A ciclovia da Maré, estimada em 7 milhões de reais, fazia parte do programa Rio Capital da Bicicleta, e previa 22Km de ciclovias nas 16 comunidades do Complexo. O lançamento, no dia 11/11/2015, contou com a presença do então prefeito Eduardo Paes (PMDB) que, em entrevista publicada pelo Jornal O Globo, disse que “a ciclovia é simbólica, só existia para burguês da Zona Sul ter o seu lazer. Estamos invertendo essa lógica, dando ciclovia para o trabalhador”.

A crise e a falta de dinheiro golpearam o projeto. As obras foram paralisadas em janeiro de 2016. O orçamento, de 7 milhões de reais, foi cortado em dois milhões de reais, quase 30% do previsto inicialmente. Mas, segundo a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, responsável pela obra, pelo menos 18 Km da ciclovia foram construídos.

Segundo estimativas da Prefeitura, o Rio de Janeiro tem 450 km de ciclovias, mas há muito questionamento sobre a qualidade. E esse questionamento tem razão de ser. A ciclovia Tim Maia, que liga o Leblon a São Conrado, está interditada há um ano. Parte da pista desabou quatro meses após a inauguração e fez duas vítimas fatais. A obra não resistiu ao impacto de uma ressaca.

Segundo a Primeira Mostra sobre Mobilidade na Maré, realizada em 2014 pela Redes da Maré, Observatório das Favelas e CEIIA (Centro de Excelência e Inovação na Indústria do Automóvel), um em cada quatro moradores teria interesse em usar bicicleta caso as condições objetivas fossem favoráveis, em particular porque seria mais ágil, rápido, saudável e econômico. A pesquisa mostra que o potencial de uso da bicicleta pode ser ainda maior, caso o poder público tenha uma política mais efetiva de construção de ciclovias. “Mas construir apenas não é suficiente; é preciso construir bem, com qualidade e fazer a manutenção”, afirma Douglas que, apesar das dificuldades do caminho, não pretende abrir mão da sua bike.

Leia a matéria do DATALABE na internet:  http://datalabe.org/narrativa/capital-da-bicicleta-para-quem/

À esquerda, a situação da rua McLaren antes da ciclovia. À direita, a perspectiva de como deveria ficar o projeto pela Prefeitura

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