Ciência e Maré andando de mãos dadas

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Seminário mostra a importância da vacina e da mobilização

Por Hélio Euclides, em 19/08/22 às 17h17

Editado por Dani Moura e Jorge Melo

Há pouco mais de um ano, na manhã de 29 de julho de 2021, o influencer Raphael Vicente, recebeu a primeira dose da vacina AstraZeneca. Era a abertura da Campanha Vacina Maré, que imunizou na primeira fase 36.929 moradores. A ação inédita de vacinação em massa deu frutos, com a continuidade dos trabalhos no território por meio da Pesquisa Vacina Maré, uma parceria da Redes da Maré, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e Secretaria Municipal de Saúde. Para mostrar como se desenvolve a pesquisa, foi realizado nesta quinta-feira (18/08), na Fiocruz, o seminário Olhares Sobre a Covid em Favelas: Ciência, Participação e Saúde Pública, que reuniu pesquisadores de diferentes instituições nacionais e internacionais.

A pesquisa faz parte de uma das frentes de trabalho do eixo Direito à Saúde, da Redes da Maré, que surgiu a partir do projeto Conexão Saúde – De Olho na Covid. A análise de dados possibilitou avaliar outras dimensões do impacto da pandemia no território. A previsão é de que a pesquisa no território permaneça por mais dois anos. O seminário apresentou os processos e resultados da pesquisa Vacina Maré, que trabalha com profissionais de saúde, que acompanham cerca de duas mil famílias.

O evento foi aberto na parte da manhã por representantes da Fiocruz, da Redes da Maré, da Prefeitura do Rio, do Instituto Todos Pela Saúde e do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (“Center for Disease Control”). “Percebemos que na pandemia se acentuaram questões de desigualdades, que exigiu intensificar as frentes. Mas tivemos avanços como as ações da Fiocruz na Maré, que foram um aprendizado. É um momento de destacar o movimento do conjunto de mãos que contribuem. Agradeço a todos os voluntários, que nos possibilitaram ter esse período de ânimo, alegria e esperança. O nosso papel é salvar vidas”, afirmou Nísia Trindade, presidente da Fiocruz. 

Eliana Sousa Silva, diretora da Redes da Maré, ressaltou a importância das ações que combateram a desigualdade e trouxe ações participativas, como a segurança alimentar e comunicação. “O Conexão Saúde acolheu os moradores, com um olhar de coletividade, com a presença de articuladores. Só assim, foi possível ter resultados práticos. Isso mostra que a Maré é relevante.” Já Marcio Garcia, superintendente de vigilância sanitária, da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), lembrou que primeiro foi realizada a campanha de vacinação, sendo um estudo integralmente carioca e depois uma pesquisa que possibilita algo mais profundo sobre a segurança da vacina. 

Logo após, a discussão ocorreu sobre estratégias de articulação territorial e apresentação sobre o Campus Maré, com Valcler Fernandes, médico sanitarista da Fiocruz. “Nossa instituição, com apoio de outras, possibilitou um trabalho com a população vulnerabilizada. Foi realizada a campanha Se Liga no Corona, o trabalho com a população indígena, de favela e prisional. Fizemos uma chamada pública de colaboração com projetos de organizações civis exclusivo para favelas. Foram selecionados 104 projetos, que atingiram 120 mil pessoas. O grande combate hoje é contra o racismo estrutural, que mostrou a desigualdade nas testagens”, diz. Fernandes salientou que o Campus Maré, antigo prédio expansão que fica ao lado do Conjunto Esperança, terá uma edificação nova, que será um centro de pesquisa, ciência e inovação. No decorrer da manhã foi apresentado um documentário da Campanha Vacina Maré, que mostrou a primeira ação com duração de quatro dias em julho de 2021. 

Foto: Gabi Lino

Em seguida, Fernando Bozza, coordenador de Estudo da Fiocruz, apresentou os resultados gerais e lições aprendidas em dois anos e meio de pandemia. “Apesar da percepção de uma população de extrema pobreza, de impactos que ainda não se pode estimar como na infância e alterações na saúde, órfãos e lutos, é preciso olhar as resistências. No território menciono o Conexão Saúde, a Vacina Maré e a Coorte da Maré. Um trabalho integrado e participativo, com comunicação, vigilância, atenção e gestão. Uma união de organizações civis, universidades, setor público e privado. Foi possível disponibilizar testagem e tecnologia, com apoio do Dados do Bem e SAS Brasil, tendo a integração da Fiocruz, que possibilitou entre as ações a testagem, o telessaúde e o isolamento em domicílio seguro, o que reduziu em 48% o número de óbitos.”. Ele ainda apresentou o novo site Vacina Maré, sobre a pesquisa no território. 

Everton Pereira, coordenador do eixo Direito à Saúde, da Redes da Maré, detalhou a história do território, com o processo de ocupação. “A Maré começa em 1940, com expansão espontânea em torno da Avenida Brasil, tendo mudanças em 1980, com intervenções públicas, no Projeto Rio.”

Luna Arouca, coordenadora do eixo Direito à Saúde, também lembrou a história da Redes da Maré, que começa num processo de pesquisa sobre o número de moradores com Ensino Superior, e continua as análises até os dias de hoje. Ela mostrou trabalhos realizados pela instituição como o Censo Populacional, boletins Conexão Saúde e Segurança Pública, Construindo Pontes e Meu Nome Não é Cracudo. “São momentos de engajamento e mobilização. Queremos continuar a comunicar com várias ferramentas, como o Maré de Notícias, site, redes sociais e panfletos. Vivenciamos um momento histórico.”

Ao fim, foi exibido um vídeo com depoimentos de participantes da Pesquisa Vacina Maré.

Uma tarde de pesquisas 

No segundo turno, os trabalhos foram abertos com o tema iniquidade e impactos da pandemia de covid-19. Leonardo Bastos e Soraida Aguilar, da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio) exploraram a vacinação e iniquidades; Amanda Batista, da PUC-Rio, mostrou pesquisa sobre o Conexão Saúde, com moderação e comentários de Carlos Machado, da Fiocruz/Observatório Covid-19 e Rômulo Paes de Sousa (Fiocruz/MG). 

Leonardo Bastos falou da linha de crescimento das internações e mortes decorrentes do coronavírus. Explicou que a doença teve início nas capitais e seguiu para as cidades do interior. Tendo a Região Norte do país, com pessoas idosas, como as mais atingidas, diferente do Sudeste que teve maior incidência em pessoas de 20 a 49 anos. Destacou que o país sofreu com o enfraquecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), e a Região Norte mais ainda, com o déficit hospitalar. “Percebemos que há alternativas até quando o Estado fracassa, esse é o legado importante da Maré”, comenta. Sua colega, Soraida Aguilar, detalhou o estudo dos impactos da pandemia nos países, que atingiu bem forte as federações mais vulneráveis, mostrando a desigualdade social. 

Da mesma universidade, Amanda Batista, pesquisou especificamente a Maré, um território que é o nono bairro mais populoso da cidade, com cinco quilômetros quadrados. Avaliou a importância de ações contra pobreza e o avanço da doença, entre elas, o Conexão Saúde, a comunicação que enfrentou a desinformação, a vigilância que veio com as testagens, a gestão das instituições e a atenção, que trouxe a telemedicina e o isolamento domiciliar seguro. Para Carlos Machado, o território precisa trabalhar ainda mais com as instituições do entorno. “A Maré é organizada e diferente de outros territórios do país, tem vizinhos que trabalham a ciência, como a Fiocruz, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e proximidade com a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)”, analisa. 

Foto: Douglas Lopes

A segunda mesa da tarde foi sobre os estudos de Coorte da Maré, que analisa dados de um grupo de moradores sobre os impactos da pandemia e os benefícios da vacina. Na conversa, Fernando Bozza, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) e sobre a vigilância genômica na Maré, Thiago Moreno (INI/Fiocruz). Na moderação e comentários Otavio Ranzani, do Barcelona Institute for Global Health (IS Global) e Manoel Barral, do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (CIDACS/FIOCRUZ-BA).

A mesa explicou que a Coorte populacional é um acompanhamento de pessoas por um período, que pode durar décadas. No caso específico da Maré, o olhar é sobre os vacinados que também são sobreviventes de uma pandemia. Destacaram a importância do engajamento e trabalho de campo. O estudo avalia 6.429 pessoas sobre a vacina e 3.856 sobre questões diversas. “A pandemia nos  mobilizou para uma pesquisa que deveria ser permanente. A Maré ganha com a Coorte, mas a Bio Manguinhos também. O nosso dever de casa deveria não só investir em uma pandemia, mas sempre”, expõe Manoel Barral.

A última mesa do dia destacou as consequências de longo prazo da covid-19 no território, que reuniu Ron Fischer – D’Or Institute for Research and Education da Nova Zelândia – NZ/IDOR, que falou dos impactos da pandemia na saúde mental; e Pedro Azambuja (INI/Fiocruz). Na moderação e comentários: James J. Sejvar (CDC) e José Cerbino Neto (INI/Fiocruz). Os especialistas mencionaram que percebem que a população do território necessita cuidar da saúde mental, que trouxe ansiedade e fadiga. Apesar disso, apenas 18,9% acharam tratamento por meio de indicação de amigos ou em redes sociais. Para Luna Arouca o encontro foi positivo. “O seminário refletiu a história e a materialização da cooperação de instituições dentro de um território”, conclui. Já Alessandra Choqueta, da Faculdade de Fisioterapia da UFRJ, ressaltou o diálogo como sendo uma fonte de saber. “O aprendizado do território e da universidade é uma via de mão dupla. O seminário mostrou que é necessário trabalharmos  juntos para se alcançar resultados e sabedoria”, finaliza. Ao término todos os participantes fizeram uma foto para marcar o sucesso do evento.

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