Cinco anos sem Marielle Franco: como está o caso?

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Mudanças de delegados, crises no Ministério Público e a prisão de dois dos assassinos

Por Jorge Melo e Maria Clara Paiva

O empenho do governo federal em mobilizar recursos humanos e materiais para esclarecer o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e o motorista, Anderson Gomes, ocorridos no dia 14 de março de 2018 trouxe novas esperanças para familiares, amigos, movimentos sociais e a opinião pública, de que a Justiça será feita. Afinal, são cinco anos de idas e vidas nas investigações, mudanças de delegados, crises no Ministério Público e a prisão de dois dos assassinos, o policial militar reformado Ronnie Lessa; e o ex-policial militar Élcio Vieira de Queiroz; mas sem identificar os mandantes e as razões do crime. Como um dos avanços do caso, no último dia nove de fevereiro, a Polícia Militar do Rio de Janeiro expulsou dos seus quadros, Ronnie Lessa, que está preso desde fevereiro de 2019. 

Marielle Franco (1979-2018) era uma ativista e intelectual negra, nascida e criada no Conjunto de Favelas da Maré; defensora dos Direitos Humanos. Formada em Sociologia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ), fez mestrado em Administração Pública na Universidade Federal Fluminense (UFF). Iniciou sua militância em Direitos Humanos no pré-vestibular comunitário ao perder uma amiga, vítima de bala perdida, num tiroteio entre policiais e grupos civis armados, no Conjunto de Favelas da Maré. 

Como assessora de Marcelo Freixo, na época deputado estadual filiado ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL-RJ), coordenou a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ). Foi eleita vereadora em 2016 pelo PSOL, com 46.502 votos. Durante o mandato presidiu a Comissão da Mulher da Câmara de Vereadores e ficou conhecida por pautas de defesa dos direitos da população LGBTIA+, mulheres e favelados.

Questão de honra

No dia oito de março, Dia Internacional da Mulher, o presidente Luis Inácio Lula da Silva, enviou ao Congresso projeto de lei que cria o Dia Nacional Marielle Franco, a ser comemorado em 14 de março, data em que a vereadora e o motorista, Anderson Gomes; foram assassinados, em 2018, na região central do Rio de Janeiro.  A ideia é transformar essa data num símbolo do enfrentamento à violência. Em sua conta no twitter, a vereadora Mônica Benício (PSOL-RJ), viúva de Marielle Franco, publicou, “Será um dia de enfrentamento às violências de gênero e raciais na política. Será um dia em honra e memória à ela.” 

Em sua primeira participação em uma reunião da Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas-ONU, no dia 27 de fevereiro, em Genebra, na Suiça; o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, afirmou que o governo atuará pela punição aos assassinos de Marielle e Anderson, “Lutaremos para que o brutal assassinato de uma promissora política brasileira, mulher negra e corajosa defensora dos Direitos Humanos, Marielle Franco, não fique impune e grave, na memória e no espírito da nossa sociedade, a dignidade da luta por justiça”.

No discurso de posse, como ministro da Justiça e Segurança Pública, Flavio Dino, fez uma referência a Marielle, “Disse à ministra Anielle (Franco, irmã de Marielle) e à sua mãe, que é uma questão de honra do Estado brasileiro empreender todos os esforços possíveis e cabíveis e a Polícia Federal assim atuará, para que esse crime seja desvendado definitivamente e nós saibamos quem matou Marielle e quem mandou matar Marielle Franco.” Antes de tomar posse, Flavio Dino havia se encontrado com os pais de Marielle e com sua irmã. A educadora Anielle Franco, diretora do Instituto Marielle Franco, é atualmente ministra da Igualdade Racial.  

A promessa de Dino foi cumprida. No dia 22 de fevereiro, ele determinou a à Polícia Federal abertura de um inquérito com o objetivo de “ampliar a colaboração federal” nas investigações para identificar os mandantes e as motivações. As investigações são conduzidas pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, sob a supervisão de uma força tarefa do Ministério Público do estado. 

A medida, no entanto, como explicou Flavio Dino, não significa a federalização do caso, mas um apoio às investigações. Um acordo foi firmado entre o ministro da Justiça e Segurança Pública, o procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro, Luciano Mattos; e o subprocurador-geral do Rio de Janeiro, Marfan Martins Vieira.

 “A ideia é fortalecer a força-tarefa do MPRJ já existente destinada, exclusivamente, a apurar os desdobramentos dos mandantes do crime, para que a Polícia Federal, que já acompanha o caso, nos auxilie de uma forma mais direta na investigação, junto a Polícia Civil do Rio de Janeiro”, disse o procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro, Luciano Mattos.

A jornalista Fernanda Chaves, ex-assessora de Marielle Franco, e única sobrevivente do atentado contra a parlamentar, conta que “Pela primeira vez, senti um sopro de esperança. É papel do Estado ouvir as pessoas envolvidas neste caso. Isso não aconteceu nos últimos quatro anos”. 

Fernanda Chaves foi recebida no dia quatro de janeiro pelo ministro Flavio Dino, pelo secretário executivo do ministério, Ricardo Cappelli e pelo secretário nacional de Segurança Pública, Danilo Cabral. Segundo Fernanda, “Eles não tinham muita noção dos detalhes e pormenores do caso. E ficaram chocados ao saber que nenhum delegado me ouviu desde o Giniton Lages”, disse. 

Até o momento foram cinco delegados responsáveis pelas investigações: Giniton Lages (2018-2019); Daniel Rosa (2019-2020); Moisés Santana (2020-2021); Edson Henrique Damasceno (2021-2022) e Alexandre Herdy (2022).

Investigação sem respostas

Segundo Renato Sérgio de Lima, diretor presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor do Departamento de Gestão Pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV), “A forma como a investigação foi conduzida deixa de fato mais dúvidas do que certezas; não encontrar é uma variável possível numa investigação, mas quando a investigação não encontra respostas, mas é permeada por trocas de delegados, suspeitas de vazamento de informação, com denúncias como as que foram usadas pela ex-procuradora geral da República, Raquel Dodge para tentar federalizar o caso; de policiais ligados às milícias dificultarem as investigações para que elas não chegassem perto às milícias; aí sim a gente vai perceber o quanto as instituições estão comprometidas em termo de suas estruturas, que não conseguem dar conta de uma investigação complexa. Você tem um problema sério de imagem, de credibilidade, de comprometimento institucional de policiais com grupos milicianos, com jogo do bicho, com o  crime e a instituição sem ser capaz de se blindar em relação a essas influências; uma instituição que é pouco transparente e muito refratárias às pressões da Imprensa e da sociedade; isso acaba comprometendo a própria instituição.” 

Federalizar ou não as investigações?

Em setembro 2019 a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, entrou com um pedido no Supremo Tribunal de Justiça-STJ, com o objetivo de federalizar as investigações do caso no que diz respeito aos mandantes. Ou seja, colocar as investigações sob a responsabilidade da Polícia Federal. A procuradora apontava falhas na condução do inquérito da Polícia Civil, pois não teria sido observado o sigilo das investigações. 

A PGR alegou ainda o risco de responsabilização internacional do Brasil por não apurar violações de Direitos Humanos. O caso Marielle ganhou dimensão internacional. Sob esse argumento, Raquel Dodge pediu que as investigações fossem conduzidas pela Polícia Federal e pela Justiça Federal, mantendo sob responsabilidade do Rio de Janeiro o processo relativo aos executores já identificados. 

O Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) se manifestou contra a federalização e em maio de 2020, em decisão unânime, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou os argumentos da PGR. 

Através de carta enviada ao STJ, a família de Marielle Franco apoiou a decisão, afirmando que federalizar o caso representaria um retrocesso e que a apuração estava sendo bem conduzida e deveria permanecer sob responsabilidade da Polícia Civil e do Ministério Público do estado do Rio. Na época, as promotoras Simone Sibílio e Leticia Emile, integrantes da força tarefa que investiga o caso, se reuniam mensalmente com a família para atualizá-la sobre as investigações.

Segundo Renato Sérgio de Lima, “A força tarefa teve um papel importante, mas as trocas, as questões internas, as brigas que têm a ver muito mais com a composição e o jogo político da relação do Ministério Público com o governo do Rio de Janeiro, sem dúvida, atrapalharam e atrasaram as investigações; mas isso não é uma exceção. Essas questões de conflitos de competência são típicas do nosso sistema de justiça criminal, que faz com que cada um dos órgãos se antagonize em relação aos demais. O caso Marielle talvez seja uma síntese de como nosso sistema é cruel e injusto. Ele mais promove a impunidade do que a justiça, porque quando você valoriza as disputas, entra em conflitos de competência, dificulta o esclarecimento e a responsabilização dos criminosos”

As idas e vindas da investigação

O primeiro delegado responsável pelo caso, Giniton Lages, citado por Fernanda Chaves, foi afastado em março de 2019, no início do governo de Wilson Witzel (2019-2021). O delegado Lages foi retirado do caso logo depois de prender os dois executores do assassinato, Ronnie Lessa e Élcio Viera de Queiroz. Lages foi escolhido pelo então governador, para um programa de intercâmbio entre polícias, realizado na Itália, com duração de quatro meses. Witzel sofreu impeachment em abril de 2021, acusado de corrupção na Saúde durante a pandemia de Covid-19. E foi substituído pelo vice-governador, Cláudio Castro, reeleito em outubro do ano passado.  

Em julho de 2021 duas promotoras do Ministério Público, que integravam a força tarefa que investigava o crime, Simone Sibilio e Letícia Emile, pediram  para ser exoneradas, alegando  risco de “interferências externas” na apuração. O MPRJ publicou uma nota oficial, O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) confirma que as promotoras de Justiça Simone Sibílio e Letícia Emile optaram voluntariamente por não mais atuar na força-tarefa que investiga o caso Marielle Franco e Anderson Gomes. A Procuradoria-Geral de Justiça do MPRJ reconhece o empenho e a dedicação das promotoras ao longo das investigações, que não serão prejudicadas. O MPRJ anunciará em breve os nomes dos substitutos.”

Em sua conta no twitter, a irmã de Marielle, Anielle Franco, publicou, “A gente não tem um dia de paz. Sinto muito pela saída das promotoras! Promotoras essas que eu depositava muita confiança e esperança para que elas ajudassem a resolver o caso da Mari e do Anderson! Agora eu quero saber que interferências são essas! Quem mandou matar minha irmã!??”.

A Anistia Internacional Brasil também divulgou uma nota em que demonstrava preocupação com os rumos da investigação “Três anos sem respostas sobre quem mandou matar Marielle e porque é tempo demais. Neste período, quatro delegados diferentes assumiram a condução das investigações. Os acusados de serem os responsáveis pela execução de Marielle e Anderson, Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, ainda não foram julgados pelo Tribunal do Júri. Toda e qualquer suspeita de que a investigação possa sofrer interferências indevidas deve ser investigada”.

Crise no Ministério Público afeta investigação

No dia 13 de janeiro, os 29 promotores do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Rio de Janeiro, pediram exoneração. A decisão afeta a investigação do caso Marielle Franco porque entre os promotores exonerados estavam os responsáveis pela força-tarefa que investiga, em parceria com a Polícia Civil, o assassinato de  Marielle Franco e Anderson Gomes.  

O movimento é uma reação à decisão do governador Claudio Castro (PL) de reconduzir ao cargo o procurador geral de Justiça, Luciano Mattos. A tradição prescreve que o governador ratifique o procurador mais votado de uma lista tríplice, que é fruto de uma eleição entre os integrantes do Ministério Público. 

Pela eleição, Luciano Mattos, o escolhido de Castro, que já era o procurador geral; ficou em segundo, com 437 votos (41,69%). Leila Costa, com 485 votos (46,27%), foi a mais votada. Em terceiro ficou Somaine Cerruti, com 126 votos (12,02%). 

No início deste mês, Luciano Mattos nomeou os novos integrantes da força-tarefa que acompanhará as investigações. A equipe será composta pelos promotores de Justiça Eduardo Morais Martins, Paulo Rabha de Mattos, Patrícia Costa Santos, Glaucia Rodrigues Torres de Oliveira Mello, Pedro Eularino Teixeira Simão, Mario Jessen Lavareda e Tatiana Kaziris de Lima Augusto Pereira 

Segundo o procurado geral de Justiça, “criamos a Força-Tarefa, em março deste ano, e agora estamos ampliando o efetivo para oito promotores de Justiça focados na investigação, todos integrantes do GAECO-MPRJ. Estaremos com uma grande frente de trabalho, reunindo promotores especializados, dedicados à continuidade das investigações, para a identificação dos eventuais mandantes dos crimes. Reafirmo que a elucidação completa deste caso é uma das prioridades absolutas do MPRJ”.

Renato Sérgio de Lima, diretor presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor do Departamento de Gestão Pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV) acredita que houve mudanças e que, “Existe um ambiente novo com a entrada da Polícia Federal no caso Marielle, que envolve a articulação com  o Ministério Público, a disposição de atores que antes eram contra a entrada da PF, ligados ao Ministério Público do Rio de Janeiro, que agora estão disponíveis. A gente tem condições de criar um ambiente novo de cooperação, para saber quem matou Marielle e porque. E de certa forma para transformar esse triste episódio, simbolicamente, em força para mudar a realidade brasileira. A entrada da PF vejo mais como simbólica, porque agora a gente talvez consiga chegar a um resultado, porque agora as pessoas talvez estejam dispostas a cooperar, cinco anos, depois numa nova correlação de forças políticas,  porque no governo anterior a ideia era exatamente o contrário, o confronto; era reforçar os antagonismos.”  

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