Com a mente ativa e solidária

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Senhoras da Maré criam artesanatos para doações

Por Hélio Euclides Editado por Jéssica Pires

Após anos de trabalho, enfim chega o dia da aposentadoria. Um momento para o descanso, sentar no sofá e ver televisão. Esse freio na vida traz para muitos o sentimento de não ser importante. É o momento de procurar uma atividade de lazer que faça bem e principalmente não deixe a mente estacionada. Pensando nisso, um grupo de dez mulheres se uniram e formaram o grupo “Artes Saúde Senhoras da Maré”. Que se encontram duas tardes por semana para criar peças de artesanatos e doar para hospitais. 

Quando se pensa em idosos, vem ao pensamento Copacabana, o bairro mais envelhecido do país. São 43.431 moradores com 60 anos ou mais, quase um terço da população local. Os dados fazem parte do Censo 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). Quando se estuda o país, em sete décadas, a média de vida do brasileiro aumentou 30 anos, saindo de 45,4 anos, em 1940, para 75,4 anos, em 2015. 

Contudo, a pandemia atingiu em cheio os idosos, freou a estimativa de vida. Matéria publicada na CNN Brasil mostra que a expectativa de vida dos brasileiros diminuiu em aproximadamente 4,4 anos. Um levantamento elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostrou que em 2019 a média de longevidade brasileira era de 76,6 anos. Em contrapartida, somente entre março de 2020 e dezembro de 2021, caiu para 72,2 anos. A pesquisa tem a expectativa que ao término da pandemia esses números possam mudar, com uma queda da taxa de natalidade e que a população envelheça cada vez mais.

Na Maré esse número representa 10.294 idosos, ou seja, mais de 7,4% de habitantes do território na faixa etária de 60 anos ou mais, segundo o Censo Populacional da Maré 2013. 

Foto: Gabi Lino

O artesanato da clínica para o hospital

Uma ação pensada para a população da terceira idade nasceu na Clínica da Família Ministro Adib Jatene, na Vila dos Pinheiros, por meio da Doutora Raquel Limia, especialista em saúde da família e dentística, mestre em clínica odontológica. Ela atuou na unidade por oito anos, até 2018. O objetivo inicial na origem do Grupo Artes Saúde Senhoras da Maré foi trazer para os idosos maior autonomia, independência e “fome de vida”, enfrentando transtornos como depressão, obesidade, hipertensão e diabetes.

As atividades eram extremamente variadas, ligadas predominantemente à arte. “Abordávamos artesanato, cinema, teatro, música, canto e dança. Fazíamos também diversos passeios, o que trazia maior unidade enquanto grupo, novas vivências e realidades. Assim, elas tinham seus próprios compromissos e novas histórias para contar.  O direito de voz era de todos e todos eram ouvidos, sempre”, diz Limia. Com o tempo, as amizades se fortaleceram, um enorme vínculo foi criado, cada um passou a ser muito importante dentro e fora do grupo. “O Artes Saúde Senhoras da Maré é coeso, feliz e animado, ganhou vida própria. Até hoje, permanece unido. Encontramo-nos diante de uma história de sucesso, construída com muito amor, trabalho, seriedade e perseverança. São um exemplo para todos nós”, conclui. 

Com a transferência de unidade da doutora, o trabalho foi assumido por Leonardo Borges, profissional de educação física do Programa Academia Carioca, por responsabilidade do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF). “É um trabalho que incentiva a memória, além de favorecer o convívio social. Elas fazem o bem para elas e para quem precisa. É um grupo incrível, que transforma por meio de gestos positivos de doações a vida de muitos”, diz.

O grupo hoje reúne 10 pessoas que mostram jovialidade nas criações manuais. Elas constroem gorros, brincos, mamas de alpiste, polvos para os prematuros, árvores de Natal, guirlandas, descansos de panela, imãs de geladeira, bolsas, toalhinhas, chaveiros, pulseiras e máscaras de dormir, que são doadas para pacientes internados em locais como o Instituto Nacional de Câncer (INCA) e Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE). “É um lugar de bate-papo, de exercício para a mente. Além de aprendermos novidades de artesanato, ainda ajudamos os hospitais”, comenta Julieta Carvalho, de 81 anos.

A atividade do grupo ajuda no envelhecimento saudável. “É uma maravilha para a saúde, não sinto dor e chego aqui esqueço dos problemas familiares. No início meu filho reclamava que eu saia tão cedo, hoje ele gosta de ver uma maior interação minha com as pessoas. Antes precisava de remédio, hoje a minha pressão é de criança”, conta Lúcia Maria Fonseca, de 59 anos. Na maioria das vezes para a criação dos artesanatos utilizam a técnica do crochê e do fuxico. Luzinete Nunes, de 58 anos, detalha que utilizam materiais em boa parte reciclados, com reaproveitamento de retalhos. “Aproveitamos materiais como garrafas pet, tampinhas, potinhos de maioneses para transformar em artes”, conclui. 

Um dos destaques na criação do grupo é o polvo para os prematuros. As pernas feitas de crochê lembram o cordão umbilical e ajuda no desenvolvimento dos bebês. O grupo ainda realiza confraternizações em datas comemorativas. Nesses eventos, a matriarca, Maria Ferreira, de 89 anos, não deixa faltar o seu doce de casca de maracujá. Iranice Guedes, de 56 anos, adora os encontros com as amigas. “Tento não faltar, pois sentimos a ausência do trabalho. No artesanato só queremos a continuidade e ver o resultado final. Somos felizes por fazer o que gostamos”, expõe. Esse é o mesmo pensamento de Maria do Socorro Silva, de 72 anos. “Venho com gosto. O melhor momento do nosso trabalho é terminar um trabalho e fazer a entrega, é uma grande emoção”, finaliza.

Funcionários da clínica da família ficam admirados com as idosas. “Esse grupo é inovador. Além de distrair a mente, são mulheres alegres e ainda fazem produtos para os que mais necessitam”, comenta o doutor Geraldo Fernandes, dentista. O colega José Roberto de Oliveira, agente de saúde, é só elogios. “Quero chegar a idade delas com esse vigor. São muito dedicadas e unidas”, conta. Os encontros impulsionam a importância de se criar e aprender novas atividades nesta fase da vida. 

Foto: Gabi Lino

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