Com ‘um sol pra cada um’ mareenses buscam os refrescos durante o verão

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Primeiros meses do ano registraram altas temperaturas e moradores procuram aliviar o calor

Por Samara Oliveira

Janeiro e fevereiro de 2023 não decepcionaram para quem gosta das altas temperaturas. Apesar de alguns memes nas redes sociais criticando o início do ano sobre os dias chuvosos, o verão que iniciou em dezembro de 2022 e se estende até 20 de março, logo se apresentou. Alcançando 30 graus, e às vezes mais do que isso, vemos praias lotadas, pessoas com roupas mais frescas, outras usando as novas tendências de óculos de sol e nos perguntamos: como a população da Maré faz para se refrescar nesse verão no dia a dia? Lembrando que o Conjunto de Favelas da Maré tende a ser mais quente que outros lugares por causa das Ilhas de Calor, como explica a charge a seguir do projeto Climão, do eixo de Direitos Urbanos e Socioambientais, campanha da Redes da Maré. 

Charge da Campanha “Climão: Precisamos falar sobre as mudanças climáticas nas Favelas”, realizada em 2021, pela Redes da Maré

Uma das moradoras que conhece bem este calor é a dona de casa Claudiana Rodrigues, 41, ela até tentou se refrescar num fim de semana com seus filhos na praia de Ipanema, mas a experiência não foi nada boa. Moradora da Nova Holanda, Claudiana foi com seus três filhos de 8, 3 e 13 anos num domingo de sol para a praia da Zona Sul do Rio. Além do perrengue para enfim chegar na praia, a família não conseguiu curtir nada porque assim que colocaram o pé na areia tiveram que se preocupar em se proteger e preservar seus pertences do arrastão que começou. Então, seja lá qual fosse a escolha de Claudiana após “o pé na areia… a caipirinha, água de coco ou a cervejinha” – como tem nos versos da música – não veio dessa vez. 

“Eu saí de casa 10h e pra chegar lá foi muito ruim porque é verão e todos querem ir pra praia. Então foi um ônibus muito cheio, com muita confusão e que quebrou no meio do caminho, ficamos muito tempo esperando outro. Cheguei lá já era mais de duas horas da tarde. Nesse dia foi uma confusão, por isso fiquei traumatizada também”, relembra. 

Preocupada com o filho Fabrício, de 8 anos, que tem transtorno do espectro autista (TEA) Claudiana explica que por questões da sensibilidade ele pode ser afetado com comportamentos agressivos pelas mudanças no ambiente, e também por isso, resolveu que não enfrentaria novas batalhas para ir à praia e deu um jeito para se refrescar com seus filhos sem sair de casa. 

Entre a varanda e a sala, ali se fez um pequeno clubinho para os filhos. Com uma piscina que encaixa perfeitamente no canto da parede embaixo da torneira – e ainda sobra espaço para o balde de brinquedo -, Fabrício, Valentina e Claudiana conseguem se refrescar sem grandes preocupações.

Diferente dela, que não pensa em voltar para a praia, Denise Julião, de 32 anos, contou que vai tranquila com seus quatro filhos de 6, 7, 10 e 14 anos. As praias que ela mais frequenta aos finais de semana com a família são as do Flamengo e de Copacabana. No entanto, durante a semana, enquanto faz as tarefas domésticas e o marido está trabalhando, deixa as crianças se refrescarem pelas ruas da Maré. 

E foi assim que a equipe do Maré de Notícias conheceu o filho mais novo de Denise, Petherson Elias, de 6 anos, mergulhando num galão azul para se refrescar no sol escaldante da Nova Holanda. 

Foto: Samara Oliveira | Petherson Elias, 6 anos

“Eu acabei de casar no religioso com o meu marido, então enquanto eu ainda tô aqui abrindo meus presentes de casamento ou fazendo alguma coisa em casa, deixo eles à vontade. Às vezes eles também se refrescam na laje da casa da avó e pelos chuveiros que tem por aqui perto nas ruas”, conta a moradora. 

Logo depois de Petherson, apareceu também João Pedro, de 7 anos, para se refrescar e fazer companhia ao irmão mais novo. 

Encontramos Denise, graças ao jovem Nicholas Noronha, de 17 anos, que também ressaltou como prefere curtir seu verão: “Fico só por aqui no chuveiro, praia fica muito agitada”. O chuveirão em questão foi instalado no poste de esquina com o Trem Jato GoldenCross, um lava jato de dois jovens da Maré, é também ali onde fica o galão que os os filhos de Denise e outras crianças aproveitam para curtir o verão enquanto os jovens lavam carros e motos.

Há quem prefira ir à praia, há quem prefere achar outras maneiras de se refrescar sem sair de perto de casa, seja pela dificuldade de acessar esse lazer ou pela movimentação que ficam as praias no verão. O que conseguimos constatar é que mesmo com um verão desigual moradores da Maré e de outras periferias seguem construindo tecnologias sociais para acessar direitos.

Foto: Samara Oliveira | Chuveirões são comuns nas ruas das favelas

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