A luta contra a intolerância religiosa

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Os grupos mais atingidos pela intolerância religiosa são os de matriz africana

Todos os anos, num final de semana de setembro, a orla de Copacabana é tomada por milhares de pessoas de todos os credos, de todas as religiões, candomblecistas, umbandistas, católicos, judeus, muçulmanos, wiccanos, budistas, kardecistas, seguidores do santo daime, hare krishnas, evangélicos, ciganos, ateus e agnósticos. Elas se reúnem para participar do que já ficou consagrado como a “Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa”.

A iniciativa foi do Babalaô Ivanir dos Santos, de 61 anos, um destacado militante da defesa dos direitos da população negra e contra a discriminação racial. A caminhada, que este ano teve a sua nona edição, é uma resposta ao crescente número de casos de intolerância religiosa, no Rio de Janeiro e no Brasil.

Especialistas dizem que os dados coletados no país sobre intolerância religiosa são de dez fontes e não dialogam. Isso deixa claro que não há uma base nacional de informações sobre a intolerância e que muitos casos não chegam à opinião pública. Só no Disque 100, principal canal de ouvidoria de denúncia de violações dos Direitos Humanos, mantido pelo Governo Federal, o número de caso pulou de 15, em 2011, quando o serviço incluiu o atendimento às vítimas de intolerância, para 556, em 2015.

No Rio de Janeiro, nos últimos 4 anos, cerca de 70% dos casos de intolerância religiosa foram contra as religiões de matriz africana, segundo o Centro de Promoção da Liberdade Religiosa e Direitos Humanos do governo do estado, que é responsável pelo atendimento às vítimas. “Aqui no estado o número de casos não tem diminuído, a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa e a própria caminhada têm contribuído para fique tudo mais explícito, cresceu muito a reação à intolerância, aumentaram as denúncias nas delegacias, mas a perseguição às religiões de matriz africana continua”, ressalta Ivanir.

Para o Babalaô, a situação nas escolas públicas é muito preocupante. Muitas vezes o agressor é o próprio professor. “As crianças de candomblé, da umbanda são obrigadas a ler trechos da bíblia e quando revelam que são de religião de matriz africana são perseguidas, não podem estar com seus colares. A escola pública não pode ensinar religião. Tem que ser laica. É para ensinar cultura, conhecimento, filosofia”, defende Ivanir.

Ivanir levanta uma questão que também é contestada por educadores e pesquisadores em textos acadêmicos ou em revistas especializadas em educação. A doutora em Educação, Stela Guedes Caputo, autora do livro “Educação nos Terreiros”, pondera que se a Constituição Brasileira é laica, ou seja, não estabelece nenhuma religião oficial e garante a liberdade de culto,“como pode estabelecer o ensino religioso nas escolas públicas?”

Educadores ainda atentam para outros questionamentos que podem ser feitos a partir dessa visível contradição da Constituição de 1988. O ensino religioso para os estudantes é facultativo. Mas a escola pública brasileira não é obrigada a oferecer outras atividades pedagógicas àqueles alunos que não querem assistir às aulas de religião. Isso não impede a implantação de um programa de ensino religioso?Como garantir que um professor de religião não imponha a sua crença a seus alunos? Ou então agir com preconceito contra aqueles que não o seguem? Uma outra questão é a diversidade religiosa. Como contemplar todos os grupos com um programa de ensino religioso?

Os questionamentos de educadores, pesquisadores, professores e religiosos ao ensino de religião na escola pública são os mais diversos. Para o líder do movimento, que surgiu no Rio de Janeiro em 2008 e leva todos os anos milhares de pessoas a caminhar do Posto 6 de Copacabana ao Leme, em defesa da liberdade religiosa, o babalaô Ivanir dos Santos, o que se reivindica é ensino público laico e de qualidade e um Plano Nacional de Combate à Intolerância.

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