Cria não morre, vira lenda! O adeus da Maré a Bira Carvalho

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Cronista do cotidiano do conjunto de favelas, fotógrafo foi inspiração para outros artistas periféricos dentro e fora da Maré

Por Tamyres Matos, em 29/11/2021 às 16h23. Editado por Dani Moura

Poeta, cronista, mestre. Neste dia 29 de novembro de 2021 a Maré pulsa no ritmo da despedida de Bira Carvalho. O “fotógrafo rueiro” de 51 anos de idade morreu na madrugada de hoje e deixa, para além da sua obra, uma enorme lista de admiradores espalhados pelo Rio de Janeiro. O velório do retratista do cotidiano da Nova Holanda será realizado no Centro de Artes da Maré (CAM), Rua Bitencourt Sampaio, 181, a partir das 8h de amanhã (terça-feira). Seu sepultamento será às 14h30 no Cemitério do Caju.

Bira era o coordenador do Imagens do Povo, agência de fotografia do Observatório de Favelas, e sempre foi uma figura reconhecida nas diversas ações no território da Maré, na cidade como um todo e, especialmente, nos diversos coletivos espalhados pela periferia da capital fluminense. O fotógrafo nasceu em Niterói, região metropolitana do Rio, mas chegou na Nova Holanda aos 5 anos. Aos 22 anos foi atingido por um tiro e passou a vivenciar, além de todos os outros, os desafios de ser uma pessoa com deficiência na periferia.

“Com um acervo de mais de 17 mil imagens, Bira se transformou em um dos fotógrafos mais importantes da cena carioca. Seu trabalho contribuiu para mostrar ao mundo a realidade das favelas e a luta diária do povo negro e favelado para superar as desigualdades, injustiças e o racismo que fazem parte do cotidiano. Mas as fotos de Bira também mostraram a beleza das praças, festas, ruas, a molecada correndo e brincando, e os encontros na favela. Tudo isso feito com muita sensibilidade e poesia”, diz o texto-homenagem publicado no site da Redes da Maré.

“Sou complexo na simplicidade, pois sou favela”, escreveu Bira no Facebook recentemente.

Fotografia de Valdean expressa a admiração despertada pela figura de Bira Carvalho | Foto: Francisco Valdean

O Maré de Notícias reuniu o depoimento de alguns dos fotógrafos do conjunto de favelas sobre a maneira como cada um deles se sentiu influenciado pela obra – e pela humanidade – de Bira.

Para alguns Bira, para outros Manolo, para mim “Birão”, era assim que eu gostava de me referir a ele. Bira tinha uma inteligência e percepção incrível do mundo e adora a rua, ele se declarava “Rueiro”, tinha paixão pela rua. Como todo bom rueiro suas histórias eram fantásticas! Pensando em suas histórias eu fiz essa foto dele e gostaria de homenagear o Birão com esta singela fotografia tirada em 5/8/2009 quando ele dava uma aula de fotografia pinhole no Observatório de Favelas e ao seu redor se formava uma pequena roda de pessoas interessadas no que ele falava sobre fotografia e sobre a vida. Eu tive o privilégio de estar nesta roda. Viva o Birão, viva as rodas de conversas e viva a massa rueira.

Francisco Valdean, fotógrafo e pesquisador mareense.

Quando conheci Bira eu ainda era uma criança cheia de sonhos e desejos. Bira sempre foi uma figura comunicativa e questionadora, sempre perguntando o que eu desejava para futuro, esse papo de futuro não durava menos de 30 minutos. O tempo passava e a gente não percebia. Anos se passaram e, aquele que um dia me questionou sobre meu sonho, participou do processo de construção e realização dele. Primeiro rolê de câmera na mão na favela foi com ele, primeiro registro foi com ele e foi nessa busca do conhecimento que aprendi a amar a fotografia popular, entendendo que as minhas imagens são poéticas e precisa ser sentidas. Esse gigante deixou um grande legado, eu sou fruto dele. Grata pela vida ter cruzado nosso caminho, grata pelas trocas e grata por toda aprendizagem! Que sua passagem seja f. meu MESTRE, assim como seu legado.

Kamila Camillo, psicóloga e fotógrafa.

Pensar em fotografia favelada, principalmente na Maré é pensar no Bira Carvalho. Ele é sem dúvidas uma das maiores referências as gerações de fotógrafos que o conjunto de favelas já formou. Talvez não só pelas suas fotos em si, são documentos muito importantes que retrataram diferentes Marés que não existem mais. Moradores registrados com a mais pura sensação de liberdade e afetividade que possuímos e muitas das vezes não nos damos conta que ela existe. Será atemporal, seus registros nos acompanharam por muito e muito tempo.

Arthur Vianna, fotógrafo e tecedor da Redes da Maré.

Fala Bira, passando para dizer que você é e sempre será uma das minhas maiores referência. Hoje eu sofro junto à Nova Holanda, mas firmes seguiremos levando seu legado e sua história por todos os cantos dessa favela. A Maré hoje não perde só você, mas também a história desse território. Você vive e pulsa nos becos, ruas, esquinas, vielas e memórias de cada morador que um dia foi registrado por suas lentes. Quero te agradecer por todas as portas que VOCÊ me abriu, por todos os caminhos que VOCÊ preparou para que hoje eu e muites outres fotografes possam caminhar, VOCÊ sempre estará cravado na minha história. Siga seu caminho de luz.

Matheus Affonso, fotógrafo do Maré de Notícias.

Quando comecei a fotografar no ano de 2004, Bira já fotografava, foi ele que me avisou do curso de fotografia que iria acontecer com o João Roberto Ripper. Dias depois éramos colega de turma numa das escolas de fotografia mais importante do Brasil. Um enorme prazer poder dividir, não só a sala de aula, mas também as ruas, e poder nelas conversar sobre nosso dia a dia. Lembro bem quando me disse algumas semanas atrás: ”Aqui tem muita coisa interessante Ratão, acho que tem que fotografar 100 anos, mano, ainda sim nós não consegue contar a historia dessa favela, de tantos personagens“. Quero poder dar continuidade ao seu legado, meu irmão, e que possamos fortalecer a fotografia na Maré e no mundo. Que possamos ser narradores das nossas histórias. Todos vão lembrar do Bira carregando no colo sua câmera fotográfica que lhe permitiu produzir um material riquíssimo para nossa memória coletiva da Maré. Uma produção incrível do cotidiano, trazendo em suas fotografias personagens, cores, ruas, histórias, reflexões. Muito obrigado, Bira, pelos ensinamentos, amizades, gargalhadas. Que sua passagem seja luz, assim como você foi aqui.

Ratão Diniz, fotógrafo formado pela Escola de Fotógrafos Populares.

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