De costas para a África

Data:

Maré de Notícias #88 – maio de 2018

As dificuldades da Lei que resgata nossas raízes africanas na Escola

Jorge Melo

Dizem que, no Brasil, existem “leis que pegam e leis que não pegam”. E é, no mínimo, desconfortável reconhecer que, depois de 15 anos, Leis tão importantes quanto as de números 10.639 e 11.645 ainda não pegaram. A Lei, de 09/01/2003, inclui no currículo oficial da Rede de ensino pública e privada a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-brasileira”.  A Lei determina ainda que a História e a Cultura Afro-brasileira sejam ministradas no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística, Literatura e História. Em março de 2008, a Lei recebeu um acréscimo, tornando obrigatório também o ensino da Cultura Indígena (Lei nº 11.645).

Segundo Ana Paula Brandão, gerente de Mobilização e Produção do Canal Futura, “a Lei foi resultado de uma luta histórica do movimento negro”.  De acordo com Ana Paula, “há um aspecto fundamental nessa Lei, porque altera a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), incluindo nos currículos da Educação Básica a temática étnico-racial de forma transdisciplinar”.

Ana Paula coordenou A Cor da Cultura, um projeto educativo de valorização da cultura afro-brasileira, no Canal Futura e da Seppir – Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. O projeto teve início em 2004, um ano após a Lei, e produz audiovisuais e ações culturais valorizando o ponto de vista afirmativo.

De acordo com os números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, divulgados em dezembro de 2015 pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, os negros e pardos representavam 54% da população brasileira; no entanto, sua participação no grupo dos 10% mais pobres era muito maior: 75%. Por outro lado, a participação dos negros e pardos no grupo do 1% mais ricos não chegava a 18%. Como se vê, a desigualdade no Brasil, além de enorme, tem um forte componente racial.

A realidade nas escolas

Marcelo Belford é diretor do recém-inaugurado Colégio Professor João Borges de Moraes, na Maré. Ele elogia as Leis 10.639 e 11.645 e diz que elas são muito importantes. No entanto, considera que “não vieram precedidas de uma ampla discussão com os professores, para buscar formas de compreender os desafios da implantação de novas disciplinas e um trabalho com o professor, no sentido de prepará-lo para os novos desafios”.

Marcelo Belford diz ainda que inovações desse tipo precisam de formação, material didático, recursos e mesmo redistribuição da grade curricular. Mas conclui dizendo que “ainda há tempo para se rever a questão e fazer as correções necessárias”.

André Gomes é professor de História no Colégio Professor João Borges de Moraes, na Maré. Segundo ele, “a Lei não pegou”, porque ainda há dificuldade da própria sociedade brasileira de perceber a importância da África e do negro na formação do nosso País, “e se a gente não consegue fazer essas conexões fica difícil”.   André diz que nas aulas que dá, durante todo o ano letivo, sempre incluiu a questão negra e a importância dessa cultura, mas não pode considerar isso um programa, “é uma iniciativa pessoal”.

Mudanças visíveis

Segundo Ivanir dos Santos, interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, “a questão maior é que não temos como fiscalizar o cumprimento das leis nos espaços de formação públicos e privados do País. A implementação foi estabelecida, a questão de fundo é a aplicabilidade que ainda não acontece tal como previsto na Lei”.

Mas Ivanir é otimista: “é inegável que estamos tendo grandes avanços, como cadeiras docentes voltadas especificamente para História da África e História Afro-brasileira, o crescimento significativo de dissertações e teses voltadas para esse tema, livros e pesquisas publicadas e também um processo muito forte de enegrecimento da nossa juventude negra que, a cada dia, vem afirmando com maior veemência as suas raízes africanas, promovendo um fortíssimo processo de desbranquiçamento”.

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