Moradores da favela relatam operações policiais diferenciadas das demais que compõe a Maré; pavor, morte e interrupção do cotidiano segue o mesmo padrão
Jéssica Pires
Marcílio Dias fica geograficamente distante das demais favelas da Maré, entre as passarelas 16 e 17, na Penha Circular, próxima do conhecido Mercado São Sebastião. A comunidade é separada das demais por uma área militar. Sua ocupação e história, no entanto, são bem próximas das outras 15 favelas da Maré: seus primeiros habitantes eram pescadores que construíram palafitas ainda no final da década de 1940. De acordo com os dados do Censo Maré 2013, Marcílio Dias tem 6.342 moradores, atendidos por uma escola e um Centro Municipal de Saúde. Em Marcílio, às ruas são largas e pouco movimentadas, e o comércio é de pequeno porte, muito diferente do cenário conhecido por quem frequenta outros pontos da Maré e outras favelas da cidade.
As diferenças não param por aí. De acordo com os relatos recebidos pelo Eixo de Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré, as ações policiais em Marcílio Dias também costumam ter dinâmicas bem diversas das demais. O principal ponto de distinção observado, durante a última semana, foi a presença ostensiva das polícias militar e civil no território. A ação contou com ainda com atuação do “caveirão voador”, helicóptero usado como plataforma de tiro, que sempre gera pânico nos que circulam pelo território. Também pôde ser observado o descumprimento de normas da Ação Civil Pública (ACP) da Maré, como, por exemplo, a presença de uma ambulância para socorro aos feridos. Porém, tanto o uso “caveirão voador” quanto a ausência de ambulâncias podem ser observadas em ações em outras favelas.
Morte e indignação
Nessa quinta-feira, 16, mais uma atuação da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro apavorou os moradores de Marcílio Dias, interrompendo o cotidiano do território, levando medo e causando danos irreparáveis a mais famílias. Segundo o relato de moradores, dois homens vestidos à paisana dispararam tiros contra três jovens na esquina da Rua Nossa Senhora da Penha com a Rua 21 de Abril.
Os jovens feridos, que não reagiram, foram retirados por uma blazer da PM, e, em seguida, levados para o hospital Getúlio Vargas, na Penha. De acordo com a família, um deles faleceu assim que chegou ao hospital. Os outros dois seguem em estado grave. O pai de um dos jovens, um homem de 51 anos, teve o rosto atingido por estilhaços do disparo. O telefone celular da irmã deste mesmo jovem foi quebrado. A família relatou ainda que a casa onde moram é violada pela polícia frequentemente.
Em resposta à ação, moradores se mobilizaram e fizeram uma manifestação na Avenida Brasil. Policiais do Bope e homens das unidades da Marinha do Brasil, que ficam localizadas na região, interviram para conter a mobilização. A Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar informou em nota que equipes do 16º BPM (Olaria) realizaram uma ação para “reprimir as quadrilhas de tráficos de drogas e roubos de cargas que atuam na região” e durante as incursões houve confronto. Ainda de acordo com a assessoria, logo após a ação, moradores tentaram impedir o tráfego em vias próximas, porém a ação foi controlada pelas equipes policiais. “Seguimos acompanhando e afirmando lutas por uma política de segurança pública que garanta direitos e preserve vidas. Acreditamos no funcionamento das instituições públicas, mas nenhuma vida, sonho e direito deve ser interrompido legitimado pelo território que se habita”, afirma Lidiane Malanquini, coordenadora do Eixo de Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré.