É preciso estar vivo para viver: somos da Maré, temos direitos!

Data:

Maré de Notícias #131 – dezembro de 2021

Por Shyrlei Rosendo* 

Alguma vez você deixou de ir à escola? A uma consulta médica marcada? Chegou tarde no trabalho por conta de alguma operação policial ou um tiroteio na comunidade onde mora? Pois bem, imagino que sua resposta seja SIM. Então, ao ser perguntado se essa situação tem saída, o que nos diria? Possivelmente NÃO. Mas o que queremos conversar com você é que, sim, pode levar tempo, mas podemos ter o nosso direito à segurança pública — entendido como direito à vida — preservado. Lutamos muito para conquistar nossa casa, nosso emprego, nossos móveis e eletrodomésticos… Não é justo que o direito ao nosso patrimônio e à nossa vida seja violado. Não é justo que não possamos ir à escola, ao posto de saúde, por conta da violência.

Para saber como podemos ter direito à segurança pública em nossa favela, nosso primeiro esforço é conhecer nossos direitos, ou seja, o que pode ou não ser feito em uma abordagem policial, como os policiais devem se comportar durante uma operação, onde eles podem ou não entrar sem mandado judicial. Esse ano, a campanha Somos da Maré. Temos Direitos! vai  abordar isso. O objetivo é orientar o morador com informações básicas sobre como agir quando estiver no meio de uma situação que envolve agentes de segurança pública. Ou seja, conheça seus direitos para reivindicá-los e reconhecer quando eles forem desrespeitados ou ignorados. A polícia cometeu uma violência contra você, um amigo, parente ou vizinho? Saiba como agir sem sentir medo. A campanha auxilia, inclusive, na compreensão sobre a responsabilidade das instituições públicas nessa garantia de direitos.

A Redes da Maré, por exemplo, mantém um plantão com advogados, assistentes sociais e psicólogos para atender moradores que sofrem violências em operações policiais — é só chamar no número de WhatsApp da Redes (21 99924-6462). O Ministério Público (MP) tem um plantão que recebe denúncias de incursões policiais violentas, você sabia? É o MP que tem que fiscalizar se os servidores públicos, incluindo os policiais, estão agindo dentro da legalidade. Você sabia que a Defensoria Pública tem um núcleo especializado para atender a esse tipo de denúncia?

A campanha Somos da Maré. Temos Direitos!  também fala de sonhos; mas o que isso tem a ver com a violência? Percebemos ao longo dos anos que a violência, seja ela causada por uma operação ou um confronto armado, interrompe os sonhos. Vamos explicar melhor. 

Se o seu sonho for ter uma casa própria, por exemplo, para alcançá-lo você precisa de um emprego. E vai que você consegue uma entrevista de emprego bem bacana? A vaga paga um salário maneiro, e com isso você vai conseguir juntar uma grana para realizar esse sonho. E imagina se, no dia da entrevista, tem uma operação policial na comunidade onde você mora? Dificilmente você vai conseguir sair e, mesmo que consiga, vai chegar cansado, estressado, preocupado com a sua casa, com as pessoas que moram com você. E aí, pode ser que você não se saia bem. Ou você pode até já ter arrumado um emprego bacana, mas volta e meia chega atrasado porque não conseguiu sair de casa. 

Sabemos que essas coisas são difíceis de perceber, e as pessoas que não moram em favela têm dificuldade de entender, mas nós sabemos que, de vez em quando, deixamos de fazer coisas importantes por conta da violência. Mas não desista! Porque acreditamos que as coisas podem mudar que queremos mostrar que os moradores da Maré têm sonhos!  

Falo em nome da Redes da Maré, mas, pessoalmente, também acredito que é preciso ESTAR VIVO PARA VIVER! Ou seja, precisamos ter nossas vidas preservadas, nossos direitos garantidos, para que possamos realizar nossos sonhos. E o nosso sonho maior é que a violência não nos impeça de realizá-los. E que os mais de 140 mil moradores das 16 favelas do território sejam respeitados, que possam construir uma Maré de vida, de alegria e de sonhos — possam construir uma realidade melhor para todos!

*Shyrlei Rosendo é mestre em educação pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e coordenadora do Eixo de Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré.

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