Favela Salsa e Merengue foi a escolhida pelos moradores para ter o nome da vereadora, nascida e criada no território e defensora dos Direitos Humanos
Maré de Notícias #118 – novembro de 2020
Thaís Cavalcante
As ruas, becos e vielas das favelas da Maré contam histórias – de resistência, luta e perseverança daquela população. Uma das formas de garantir que a história local continue viva é batizando a rua com o nome de um morador querido que faleceu. Esta tradição comunitária não vem de hoje, mas da época em que as casinhas da Maré ainda eram de madeira e sobre a água, no tempo das palafitas.
O caminho de homenagear moradores é trilhado até hoje na favela Salsa e Merengue, localizada no Conjunto Novo Pinheiro. Marielle Franco, moradora brutalmente assassinada em 2018, recebeu esta homenagem na Escola Municipal Vereadora Marielle Franco, inaugurada no mesmo ano. Com o passar do tempo, a ação fez com que a Rua Projetada D, a rua da escola, ficasse conhecida naturalmente pelo nome da vereadora.
Mônica Cândido, secretária da ONG Redes de Desenvolvimento da Maré e moradora do Salsa e Merengue, faz parte do acompanhamento territorial de nomeação das ruas do território. Ela conta que o trabalho de articulação demorou cerca de dois meses para ser feito e que valeu a pena: “Foi uma troca enorme com os moradores, e vamos levar esse abaixo-assinado com as assinaturas dos moradores para a Prefeitura”.
Para fazer a sugestão de mudança de nome de ‘Rua Projetada D’ para ‘Rua Marielle Franco’, foi necessária uma articulação entre os moradores da região, Redes da Maré, Prefeitura do Rio de Janeiro e a Associação de Moradores do Conjunto Novo Pinheiro. Mônica afirma que o nome sugerido pela Prefeitura era Rua Gratidão. “Fomos até os moradores conversar e avisar sobre essa decisão. Informamos que eles poderiam mudar o nome se sugerissem algum morador querido daquele espaço. Acredito que todos conhecem o nome de luta de Marielle e tem como referência do nome da escola”, observa.
Um legado que fez história
Marielle Franco teve um papel fundamental no território desde pequena. Primeiro, como assistente de catequista na igreja católica, depois, na horta comunitária e até como professora de pré-vestibular comunitário. Uma trajetória de vida que ficou na história do Conjunto de Favelas da Maré. Sua estrutura de formação, socialização local e política vem de família, assim como sua atuação na favela.
Marinete Silva, mãe de Marielle Franco, fala sobre a importância de ter uma homenagem à sua filha em um território tão potente como a Maré. “Não dá para imaginar o que Marielle se transformou para receber uma homenagem desse tamanho. Isso é gratificante, e eu quero muito que se concretize. Além de ser uma coisa boa para a gente, de ter o nome da nossa filha honrada num território em que a gente viveu tanto tempo”, diz.
Entre a burocracia e o reconhecimento
Ainda não há previsão para que aconteça o lançamento da nomeação, de acordo com a Secretaria Municipal de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação: “O trabalho de articulação e mobilização social junto às comunidades do Conjunto de Favelas da Maré, com o objetivo de reunir as sugestões de nomes para os reconhecimentos de logradouros, está em andamento”.
Na prática, as pessoas já fazem referência à rua com o nome. Na teoria, há processos e critérios antes da decisão oficial. Todos os nomes sugeridos de moradores precisam ser avaliados pelo Número Global de Localização (NGL), para não correr o risco de serem duplicados, por exemplo. Essa é uma das justificativas da Prefeitura para tomar decisões. Em 2017, foram alteradas ruas e travessas na Vila do João, e muitos moradores não sabiam da mudança até a sua divulgação.
Colocar nome em uma rua é reconhecer que ela existe. É uma atividade que resgata a memória de quem viveu ali e fez parte de sua construção social. Uma mudança de significado.