Ensinando a transgredir

Data:

Por Alexandre dos Santos em 16/12/2021 às 18h

Topei pela primeira vez com bell hooks (assim mesmo com minúsculas, como ela fazia questão de salientar, para dar ênfase ao conteúdo que ela defendia e não à pessoa em si) por causa da Lauryn Hill. Pois é. Era o fim da dedada de 1990, os Fugees tinham implodido e dos destroços nasceu “The Miseducation of Lauryn Hill” (A deseducação de Lauryn Hill). Até hoje um dos meus álbuns de hip-hop de referência.

Lauryn abriu espaço pro feminismo negro à força pondo as vozes femininas à frente de um mercado machista e misógino (não só nos EUA). Numa entrevista na finada revista Bizz (que eu colecionava), Lauryn dizia que, aos 22 anos, ela só se deu conta de que era “uma mulher negra capaz de qualquer coisa porque bell hooks havia ensinado” isso a ela. Tracy Chapman já tinha me mostrado algo semelhante 10 anos antes, mas eu ainda era muito jovem pra perceber.

Foi assim que bell hooks entrou na minha vida e nunca mais saiu. Numa época em que não havia internet e tampouco livros dela publicados aqui no Brasil.

hooks (na verdade, Gloria Jean Watkins) abriu pra mim, homem branco, uma porta que nunca mais se fechou, a do contato com o feminismo negro, concentrado na importância da identidade, do questionamento da masculinidade (branca e preta), do pós-colonialismo e do feminismo transnacional. Tudo amarrado com o que identificamos hoje como questões de diversidade e interseccionalidade de etnia e gênero.

Foi com ela que aprendi o que era “silenciamento histórico e social”. E tanto Tracy Chapman quanto Lauryn Hill, por exemplo, eram exemplos feministas do que bell hooks chamava de “novos paradigmas culturais”.

Hoje quase tudo dos 30 livros que ela publicou já está disponível em português, inclusive “Ensinando a Transgredir: A Educação como Prática da Liberdade”, de 1994, no qual ela faz um lindo diálogo com o educador pernambucano Paulo Freire.

Obrigado doutora hooks, nesta vida não tenho como pagar o que você me deixou. Mas tenho como retribuir.

Alexandre dos Santos é jornalista e professor de História do Continente Africano no Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio.

Compartilhar notícia:

Inscreva-se

Mais notícias
Related

Já garantiu seu peixe? Semana Santa movimenta pequenos negócios na Maré

Os preços, segundo a pesquisa, devem se manter estáveis. Na Maré, o filé de Tilápia é um dos favoritos e custa em torno de R$36 o quilo, mas a queridinha é a sardinha que custa em média R$10