Entenda a polêmica do PL das fake news

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Sob pressão de big techs como Google, TikTok e Meta (controladora do Facebook) votação do PL 2630 foi adiada

Por Daniele Moura

Depois de três anos de tramitação e de ser aprovado pelo Senado, o PL 2630 (que regula plataformas digitais para combater abusos como desinformação, ódio, ameaças ao Estado Democrático de Direito e violações de direitos humanos) foi colocado em votação ontem na Câmara dos Deputados.

Na semana passada, deputados aprovaram, por 238 votos a 192, o pedido de urgência da matéria, o que permite que o texto seja votado diretamente no plenário, sem passar por comissões. Mas apesar disso, o PL não foi votado ontem. O relator do projeto, deputado Orlando Silva, ao perceber que não teria de votos suficientes para aprovação, pediu adiamento da votação, decisão que foi acatada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira. De acordo com ele, o projeto voltará a ser apreciado em duas semanas.

O projeto estava adormecido na Câmara desde o final de 2020, mas ganhou impulso como forma de impedir novos episódios como os assassinatos em escolas, alguns praticados por menores de idade, que vem se intensificando nos últimos meses incentivados por extremistas organizados na internet. Os ataques golpistas do dia 8 de janeiro também deram novo ar ao texto.

Entenda o PL 2630/2023

A proposta traz avanços fundamentais para o combate a abusos nessas redes, a despeito de suas limitações e de problemas pontuais. Entre as diversas medidas propostas no projeto de lei estão a obrigatoriedade de identificação de contas em redes sociais e serviços de mensagens instantâneas, a criação de mecanismos de verificação de conteúdo, a responsabilização de plataformas digitais e usuários por danos causados pela disseminação de informações falsas. Além disso, o projeto original prevê que a reprodução de conteúdo jornalístico nessas plataformas gere remuneração para as empresas jornalísticas e propõe que as plataformas digitais tenham a obrigação de verificar a veracidade de informações que possam causar danos à saúde, à segurança pública e à ordem econômica, e de excluir ou suspender imediatamente perfis que desrespeitem as normas de conduta.

Além disso, o projeto de lei:

  • obriga que provedores sejam representados por pessoa jurídica no Brasil;
  • criminaliza a divulgação de conteúdos falsos por meio de contas automatizadas, as chamadas contas-robô;
  • responsabiliza os provedores pelos conteúdos de terceiros cuja distribuição tenha sido impulsionada por pagamento;
  • determina que as plataformas digitais mantenham regras transparentes de moderação;
  • determina a retirada imediata de conteúdos que violem direitos de crianças e adolescentes;
  • estabelece remuneração pelo conteúdo jornalístico utilizado por provedores;
  • estende a imunidade parlamentar às redes sociais;
  • deixa claro que a liberdade de expressão é direito fundamental dos usuários dos provedores e que as proibições presentes não lei não podem restringir: o livre desenvolvimento da personalidade individual; a livre expressão; e a manifestação artística, intelectual, de conteúdo satírico, religioso, político, ficcional, literário ou qualquer outra forma de manifestação cultural.


Mudança no texto

O texto do projeto foi modificado diversas vezes pelo relator Orlando Silva. Um dos pontos retirados da proposta foi a criação de um órgão regulatório. Há deputados que querem que a regulação seja feita pelas próprias plataformas. Outra sugestão partiu da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que se ofereceu para servir como entidade reguladora. Do outro lado, o Comitê Gestor da Internet (GSI) resiste que o papel fique com a Anatel e disse que eles já acumulam outras funções e não teriam capacitação e foco para isso.

O relator também modificou, a um pedido da Frente Parlamentar Evangélica, a questão da restrição à liberdade religiosa. A versão anterior do texto citava a previsão constitucional de livre expressão de religião, mas Orlando também acrescentou no relatório que deverá ser respeitada a “exposição plena dos seus dogmas e livros sagrados”.

Fake news contra fake news

A extrema-direita e as plataformas digitais têm promovido uma pesada campanha de mentiras nas redes e junto a parlamentares bolsonaristas que acusam o a iniciativa falsamente como censura. Também houve pressão por parte das big techs Google contra o projeto.

Na segunda-feira (01/05) o Google lançou uma ofensiva contra o PL 2630 que criou um link bem embaixo da caixa de busca, com os dizeres: “O PL das fake news pode piorar sua internet”. O link direciona para um post do blog do Google com inúmeras críticas ao projeto. Segundo o site de dados Statista, 97% dos brasileiros usam o Google para buscas na internet. De acordo com o Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais (NetLab), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) a plataforma também privilegiou links contra o projeto nos resultados das buscas sobre o assunto, como também liberou anúncios criticando a nova legislação.

Além disso, youtubers vêm recebendo desde sexta (28) e-mails do YouTube afirmando que eles vão perder dinheiro se o projeto for aprovado. As mensagens afirmam que o PL compromete “nosso modelo de compartilhamento de receita”. As big techs dizem que, ao ser obrigada a pagar por conteúdo jornalístico, como prevê o artigo 32 do PL, sobrariam “menos fundos para investir em você, em todos os nossos criadores e nos programas para ajudá-lo a desenvolver seu público”. No final, insta os youtubers a falar “com seus deputados nas redes sociais.”

Determinações jurídicas


Isso gerou questionamentos por parte de diversos órgãos legislativos. O Ministério Público Federal, que embora reconheça como legítimo os debates sobre o projeto, alertou à empresa que a manipulação em resultados de buscas para enviesar o debate público pode configurar abuso de poder econômico. O ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a Polícia Federal colha os depoimentos dos presidentes no Brasil das empresas Google, Meta, Spotify, além de determinar que as companhias excluam os conteúdos impulsionados que tenham críticas ao projeto de lei.

Além disso, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça, determinou que a Google cumprisse, imediatamente, uma série de medidas cautelares para corrigir os indícios de que a empresa estaria censurando o debate público do projeto que cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, a Senacon também determinou a Google que sinalize ao usuário como publicidade este e outros conteúdos contrários à aprovação do PL 2630.

Por já ter dado ampla divulgação às críticas à proposta de regulação das plataformas digitais, a Google também teve que começar a veicular, em até duas horas do dia de ontem (terça-feira 03/05) após ser notificada da decisão, as posições favoráveis ao projeto de lei. Se descumprisse as determinações da Senacon, a empresa será multada em R$ 1 milhão por hora. O link remetia o internauta a um artigo assinado pelo diretor de Relações Governamentais e Polícias Públicas da Google, Marcelo Lacerda, foi retirado do ar pouco após a Senacon anunciar as medidas que a empresa deve cumprir.


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