Escola de Letramento Racial comemora formação da segunda turma

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Jovens moradores da Maré se formam em curso que debate relações étnico-raciais

Por Hélio Euclides, em 07/06/2022 às 07h. Editado por Jéssica Pires e Edu Carvalho

“Você não sabe o quanto eu caminhei, pra chegar até aqui”. A Estrada, escrita por Toni Garrido, Bino, Lazão e Da Ghama, um hit da banda Cidade Negra, é compreendida como uma metáfora que retrata obstáculos vivenciados em um processo até a sua conclusão. Os alunos da Escola de Letramento Racial, na festa de encerramento, mostraram que percorreram um longo e desafiador caminho para superar barreiras apresentadas no dia a dia, como jovens negros e favelados. Nesta segunda edição do curso, com período de 24 encontros, os inscritos trocaram experiências que misturam teoria e vivência.

A formatura aconteceu na tarde do último sábado (05/06), no Centro de Artes da Maré (CAM), na Nova Holanda. Ao todo, 25 jovens de 16 a 34 anos concluiram a jornada, vindos de diversas favelas da Maré. A iniciatia é organizada pela Casa Preta, um projeto da Redes da Maré. O curso visa a reeducação das relações étnico-raciais, pensando o impacto do racismo no cotidiano e o que fazer a partir disso. A primeira edição foi feita de forma remota em 2020.

“Esperamos que essa ação se torne uma atividade regular da Casa Preta da Maré. É muito gratificante participar desse projeto, no qual descobri diversas similitudes e diferenças nos integrantes e fui convidada a pensar o que seria importante para favorecer o crescimento coletivo e individual”, comenta Millena Ventura, educadora. A Escola se divide em quatro grandes temas: história e racialização, impactos da racialização no cotidiano, representações negras e instituições e coletivos, com visita a esses projetos que pensem essas temáticas em seus trabalhos.

Uma nova fase da escola

Por ser presencial, esta edição foi muito intensa, com uma grande preparação para saber quem seriam os alunos, os professores e os módulos. “No ano passado os convidados eram palestrantes, este ano queríamos uma relação de aluno e professores. O virtual distanciava a todos. Agora o desejo era a aproximação e a coletividade”, conta Luana Alves, educadora. Um dos diferenciais da escola é a possibilidade dos alunos trazerem muito das suas experiências, com aulas construídas com suas vivências, a partir deles. Os conteúdos das aulas se conectam com alguma situação que os jovens tenham vivido, que são instigados a pensar soluções possíveis para resolver situações.

A Casa Preta tem como diferencial convidar o professor a ser um mediador na sala de aula para uma construção coletiva de conteúdo com intervenções. O resultado é a possibilidade dos alunos entrarem e se integrarem nas aulas, ocorrendo um debate. Os educadores também aprendem com eles, com uma troca de ensinamentos, proporcionando a reflexão sobre as relações étnico-raciais. Os alunos mostraram no decorrer do curso que carregam muitas experiências na vida. “Conhecemos cada um e com essa comunicação poderemos pensar em mais ações para mais pessoas do território”, diz. 

A Escola deseja uma construção de saberes a partir da partilha. “A escritora Conceição Evaristo pontua muito bem que a vivência é muito importante, sendo uma construção de saber. A Casa Preta é um dos primeiros lugares que me possibilita trabalhar livremente a relação de educação, conhecer outras pessoas e trocar com eles, para a minha própria construção. Isso me deixa aquecida e me leva a acreditar nesse método de educação”, explica. Ela completa que para o sucesso do projeto é indispensável o coletivo e a importância da disponibilidade de conhecer mais a partir do outro.  

Componentes da Casa Preta festejam mais um núcleo formado. Foto: Hélio Euclides

A valorização da experiência de cada um

Marlon Brendo, de 17 anos, morador da Nova Holanda foi um dos alunos que finalizou a formação neste sábado. Ele revelou o que chamou sua atenção nas aulas: “Nos encontros aprendi sobre os meus antepassados e me senti representado por perceber uma energia boa e a liberdade. Nas aulas vimos histórias de protagonismo que nos estimularam como jovens. Dessa forma, saio com mais confiança para usar as palavras em ocasiões de racismo e preconceito. Hoje eu sei debater”. 

No evento de formatura ocorreram mesas de bate-papo dos professores e educadores. Em uma delas, Rodrigo Almeida, produtor da Casa Preta, destacou o que o projeto já realizou neste ano. Segundo ele, além da formação da turma, foram realizadas duas rodas de conversas em comemoração ao mês das mulheres, quatro Cine Conceição com debate para alunos da Escola Estadual João Borges de Moraes e ações étnicos-sociais em comemoração aos 30 anos do Ciep Hélio Smidt. Os integrantes do projeto lembraram que ainda não tem um espaço físico, mas que a Maré toda é Casa Preta.

Na formatura duas profissionais responsáveis pela aula estiveram presentes. Beatriz Virgínia, professora do primeiro módulo e moradora do Conjunto Esperança, ressaltou que tentou estudar com eles o processo de formação, resgatar as palafitas e as remoções. “Quando entendemos as histórias não nos sentimos culpados por algo que tem a origem no passado e podemos ter uma resistência urbana. É muito importante ser uma cria da Maré e falar no curso sobre a minha realidade”, conta. Já Mnlaisa Luciano, professora do módulo três e moradora da Vila dos Pinheiros, destacou que nas aulas se propõe o diálogo e a legitimação. “No curso falamos da linguagem colonial e da necessidade de se implementar o pretoguês, por meio da cultura, como a dança e a música. O curso valoriza pessoas como eu, uma travesti, a ser um corpo político”, conclui.

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