Falta de comida e medo do vírus estão mais fortes na mesa dos brasileiros

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Sem Auxílio Emergencial e com aumento do número de casos e mortes, dobram-se incertezas sobre a vida

Por Edu Carvalho e Hélio Euclides, em 29/03/2021 às 8h

Editado por Edu Carvalho

Não faz muito tempo e esta mesma dupla (Edu Carvalho e Hélio Euclides) trazia ao Maré de Notícias um debate sobre o início do ano de 2021 e a suspensão do Auxílio Emergencial, programa de transferência de renda criado pelo governo federal para mitigar os impactos da pandemia do novo coronavírus na economia e desenvolvimento do Brasil. Seu destino? A população mais vulnerável. Em janeiro deste ano, com o corte de pagamento após nove meses, sustentamos, amparados por números e personagens, que os meses que viriam pela frente custariam caro ao país, agravando o cenário de desigualdade social já existente. Não deu outra. 

Em menos de três meses, o tema da fome – sempre com caráter especial de tratamento por nossos colaboradores – volta mais forte. Porque há urgências, e precisamos dar visibilidade a esta que é, também, uma das muitas pandemias que coexistem em nosso país, sobretudo nas favelas e periferias. 

De acordo com dados levantados pela última pesquisa do Instituto Data-Favela-Locomotiva- Pesquisa e Estratégia e a Central Única das Favelas (Cufa), realizada em 76 favelas, no período de 9 a 11 de fevereiro de 2021 com 2.087 pessoas maiores de 16 anos, pode-se aferir que 68% dos entrevistados passou ao menos um dia sem nenhum recurso para comprar alimentos nas duas semanas anteriores à pesquisa. A média de refeições diárias também caiu de 2, 4 em agosto de 2020, para 1,9 em fevereiro de 2021.

Os dados da pesquisa também mostram que 93% dos moradores de favela não têm nenhuma poupança e que 71% das famílias estão sobrevivendo com menos da metade da renda, que obtinham antes da pandemia.

Para Renato Meirelles, fundador do Data Favela e presidente do Instituto Locomotiva, com a situação das favelas ao longo de 2020, os dados atuais são ainda mais preocupantes do que os do início da pandemia e houve piora em todos eles: “O principal impacto é na geração de renda. Como tem um grupo grande de trabalhadores informais, e o auxílio emergencial demorou para chegar na favela, o impacto na renda foi gigantesco, e isso trouxe a fome. A fome é consequência da ausência de renda”, ressalta.

           É o caso de Simone Cristina, moradora da Vila dos Pinheiros, que trabalhava como segurança e o desemprego virou um pesadelo na sua vida. “Estamos passando um pouco de necessidade. O pai dos meus filhos também está parado, porque trabalha em obra e não tem serviço. Além disso, tem 59 anos. Onde vai arrumar trabalho nessa idade?’’, questiona. ‘’Ainda tem a nova lei de aposentadoria, e o benefício só vai chegar quando estiver perto de morrer. Já dizia o nosso Renato Russo: Que país é esse?”.

Ao contrapor a atuação do país frente outras nações, Simone considera que o Brasil ficou para trás na adoção de medidas que ajudassem a população. “Teríamos que copiar outros países, como o Reino Unido, que não acabou com o auxílio emergencial. Aqui é uma briga para dar um valor irrisório, por causa de um presidente ignorante, que não dá exemplo nenhum”, diz. Com a segurança, moram quatro pessoas na mesma casa, todos sem emprego. Nenhum deles conseguiu o benefício federal durante o ano passado, contando apenas com o recebimento de cestas básicas doadas pela ONG Redes da Maré, além da ajuda de alguns amigos. 

O cenário é ainda pior quando fazemos o recorte de gênero, levando em consideração mulheres que são mães solo. Quem sente na pele é Ana Carolina, moradora do Parque União, afastada do mercado há dez anos para criar seus dois filhos – um deles deficiente. “Está uma vergonha. É um descaso total com a população, principalmente com aqueles que são de baixa renda’’, reflete sobre o nicho em que está inserida. ‘’Um absurdo essa demora do Auxílio Emergencial, o que eles estão fazendo com a gente? Para piorar ainda tem que atualizar o cadastro, o que muitas pessoas não estão conseguindo fazer”, comenta. 

Ana Carolina com os filhos

Para Ana, o plano de repasse de renda não deveria ter o valor reduzido nessa volta. ‘’Quem vive com R$150 neste mundo? Ninguém. Parece que estamos pedindo esmola, isso é triste demais”, expõe. Sob seu entendimento, o governo deveria fazer uma estrutura que analisasse as urgências de cada caso e situação, como o dela. 

         E o que deveria ser emergencial passa longe da realidade que salta aos olhos no presente. O atraso na definição de retomada do projeto e a liberação de orçamento que não ultrapasse o teto de gastos, fez com que o sofrimento, esse sim, tomasse conta de todos os que viam a geladeira vazia e a despensa às moscas. Janeide Gonçalves, moradora da Baixa do Sapateiro, contou com o depósito do Auxílio para sustentar seis pessoas no ano passado, ficando de mãos vazias durante os últimos três meses. “Meu esposo está desempregado e eu sou diarista, mas com a pandemia fico mais em casa.  Está difícil para mim e pra todo mundo, é muito triste o que estamos passando”, conta. Enquanto a ajuda do governo não chega, seu lar conta atualmente com cestas básicas doadas pela igreja e a força de um irmão. Analisando o cenário do país, lamenta: ‘’Deveria ter melhorias’’. 

Sociedade civil retoma engajamento para suprir faltas do Estado

Repetindo de maneira mais forte o trabalho solidário que varou os primeiros meses da pandemia no ano de 2020, instituições e coletivos voltam a atuar nos territórios para conseguir frear a alta onda de fome que colapsou o país. 

É o caso da Coalizão Negra por Direitos, que com mais de 200 organizações, entre elas Anistia Internacional, Oxfam Brasil, Redes da Maré, 342 Artes, ABCD – Ação Brasileira de Combate às Desigualdades e Nossas Rede de Ativismo, articularam uma aliança para mitigar a falta de comida na mesa de quem precisa. É a campanha “Tem gente com fome”, que visa atingir 222.895 mil famílias mapeadas em todas as regiões do Brasil. Serão doações revertidas em alimentos, produtos de cuidados com saúde e higiene, no valor equivalente a R$ 200 mensais por família, num período de três meses, totalizando R$ 133.737.000.

Para contribuir, basta acessar: www.temgentecomfome.com.br ou depósito em conta corrente em: 

Associação Franciscana DDFP 

CNPJ: 11.140.583/0001-72 

Banco do Brasil 

Agência: 1202-5 

Conta Corrente: 73.963-4 

Chave PIX: 11.140.583/0001-72 

Há também outras iniciativas espalhadas pelo Brasil, e nós listamos algumas delas: 

Ação da Cidadania 

Diante do atual cenário em que o país vive e com o intuito de minimizar a situação da fome, a Ação da Cidadania lançou a campanha “Brasil Sem Fome”. O objetivo da ONG é fazer doações de cestas básicas para todo o país de forma ininterrupta, principalmente para aquelas regiões onde a logística é mais complicada com a intenção de não deixar nenhuma comunidade ou família desassistida. A Ação da Cidadania foi fundada em 1993 pelo sociólogo Herbert de Souza, conhecido como Betinho, com o intuito de combater a fome e a desigualdade socioeconômica em nosso país e ajudar os mais de 32 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza naquele ano. As doações podem ser feitas através do site exclusivo da campanha: https://www.brasilsemfome.org.br/  

Instagram: @acaodacidadania 

Banco do Brasil 

CNPJ: 00.346.076/0001-73 

Ag 1211-4 CC 500.537-x (trocar por o x por zero se for de outro banco) 

ou

Itaú Ag 0417 

CC 65638-6

Fundo solidário Mães da Favela – Central Única das Favelas CUFA 

Fundo solidário para o enfrentamento da covid-19 para mães, chefes de família, em comunidades e favelas. O projeto doa cestas básicas e cestas digitais – o valor de R$ 120 em dinheiro, por dois meses. 

www.maesdafavela.com.br 

Instagram: @cufabrasil

Gerando Falcões – Corona no Paredão 

No ano passado, a ONG arrecadou 25 milhões de reais que beneficiaram 420 mil famílias faveladas por todo o país. De lá para cá as doações caíram, mas com a guinada na crise sanitária e econômica no país, a ONG lança uma nova campanha: #CoronanoParedão. As doações são feitas pelo site e os valores são convertidos em cestas básicas digitais. O benefício terá duração de dois meses e as famílias receberão um cartão com R$ 150 cada mês. A ONG acredita que, ao dar o dinheiro em vez de cestas básicas, a doação acaba ajudando a movimentar pequenos mercadinhos e comércios da comunidade. gerandofalcoes.com/coronanoparedao

Fundo de Solidariedade para Famílias Sem Teto 

O MTST irá construir 16 cozinhas em municípios periféricos de 11 estados do país com o projeto Cozinha Solidária. A primeira foi inaugurada na Brasilandia, em São Paulo, e a próxima será em Maceió. A proposta é distribuir almoço gratuito para as famílias em situação de vulnerabilidade. Ajude pelo financiamento coletivo, neste link: apoia.se/cozinhasolidaria ou por PIX: 

CNPJ: 28.799.171/0001-41 

Instagram: @mtstbrasil 

Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas

O MLB está organizando uma campanha de arrecadação financeira em vários estados para a compra de cestas básicas e materiais de limpeza para as famílias sem-teto organizadas no movimento. O resultado das doações é informado em suas redes sociais. Para contribuir via PicPay, acesse o link: picpay.me/mlb_brasil  ou http://www.mlbbrasil.org/fale-conosco

SOS Periferia – Fortaleza (CE) 

O projeto transforma as doações em cestas básicas, kits de higiene, além de distribuir refeições por meio de uma cozinha solidária em bairros como, Regional V e Maracanaú, parque São José, São Bento, e outras regiões periféricas da cidade. Contato: (85) 9.9635-7677 

Pix: 85996357677 

Instagram: @sos.periferia

Para conferir a lista completa de mobilizações e como doar, clique aqui.


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