Discussão sobre parâmetros no desempenho dos veículos em relação aos limites éticos acontece no segundo dia do festival de jornalismo inovador, inspirador e independente
Por Emílio César e Juliana Martins (*)
A ética no jornalismo é um tema cada vez mais atual e necessitado de atenção. A manutenção da democracia, a formação de um novo fazer jornalístico e a construção de novos profissionais dependem da compreensão das questões éticas. Esses princípios regem todos os aspectos das empresas, inclusive as que administram as práticas jornalísticas. Em um ambiente informacional repleto de desinformação, é imprescindível que as redações encontrem um meio de se destacar e conquistar a confiança dos leitores.
Na mesa de debate do Festival 3i “A ética do negócio e o negócio da ética” foram estabelecidos parâmetros no desempenho dos veículos em relação aos limites éticos. Mediada pela cofundadora e diretora executiva da Agência Pública, Natália Viana, que é autora de cinco livros, além de ser a jornalista mais premiada do ano de 2016, a atividade contou com a participação de Caio Túlio Costa, Fabiana Moraes e Paula Miraglia.
O jornalista, e um dos fundadores do UOL, Caio Túlio Costa, especialista em mídias digitais, falou sobre ética com uma visão objetiva. Partindo do conceito de Moral Provisória, sobre o qual possuiu livros publicados, Caio questionou a régua que “serve provisoriamente para determinada situação que requer meios moralmente condenáveis para conseguir fins moralmente defensáveis”, resumido pelo famoso questionamento: “os fins justificam os meios?”.
Caio Túlio Costa, que também é professor e doutor em Comunicação, enfatizou a busca pela objetividade e apontou as mudanças na forma de produzir jornalismo nos últimos anos.
“Antes o jornalismo ocupava um espaço de Quarto Poder, hoje isso ficou em segundo plano com tantos atores e instituições ocupando espaços midiáticos, com ou sem formação e credibilidade”
Caio Túlio, jornalista
Ele ainda afirmou que as redações tradicionais andam a passo de tartaruga para rever seus modelos de negócios, pois ainda não entenderam, de fato, as redes sociais.
Em seguida, quem ocupou o palco foi a jornalista, escritora, professora e pesquisadora, vencedora de três prêmios Esso e colunista do The Intercept, Fabiana Moraes. Em contrapartida de Caio Túlio Costa, ela ressaltou a importância de compreender as subjetividades sociais para a construção de um jornalismo mais inclusivo.
“Não tem como discutir ética usando a régua da constituição do jornalismo tradicional”
Fabiana Moraes, jornalista
Apresentando os termos de colonialidade, como formação de padrão racional e irracional e o conceito de subjetividade como uma questão coletiva, a doutora em sociologia reforçou a necessidade de expor e criticar a objetividade que contempla apenas uma parcela social.
“A objetividade serve para quê e para quem?”, questionou Fabiana ao explicar e exemplificar os perigos de favorecer as ideias tradicionais. O caso do assassino Lázaro Barbosa, em 2021, foi colocado em perspectiva de forma analítica, explicitando como a mídia tem potenciais racistas. No mesmo ano que exibiu manchetes acusando o criminoso de bruxaria, por conta de rituais de matriz africana, divulgou uma pesquisa sobre o crescimento das denúncias de intolerância religiosa no Brasil. Ou seja, ao mesmo tempo que produz conteúdos problemáticos, denuncia as consequências da disseminação de ódio promovidos pelos próprios veículos.
Por último, assumiu a mesa a cientista social, cofundadora e diretora geral do Nexo Jornal e da Gama Revista, Paula Miraglia. Ela iniciou sua fala de forma incisiva:
“Eu sou muito otimista em relação ao jornalismo. Ele é fundamental para a democracia, principalmente a brasileira nesse momento. Por isso, precisamos ter essas conversas difíceis”.
Paula Miraglia, fundadora do Nexo.
Logo após, a conselheira do International Press Institute apresentou quatro pontos que considera problemáticos sobre a ética em relação ao jornalismo. “Primeiramente, a publicidade, que historicamente é a maior financiadora do jornalismo e acaba tendo um espaço de domínio sobre as editorias.” Como segundo problema, citou os “dois ladismos” ou a polarização, já que impede a sociedade de enxergar questões sociais de urgência.
“Racismo e misoginia não são o outro lado, são um crime e uma opinião inválida”.
Paula Miraglia, fundadora do Nexo
Então, o jornalismo versus ativismo entra em pauta como terceira problemática, tendo em vista que, segundo Paula, o papel do jornalista é trabalhar em um espaço cívico para empurrar a agenda pública de um país. Por fim, a falta de diversidade e inclusão se firmam como o quarto problema, em um país onde a maior parte da população é negra, parda ou mulher e as redações chefiadas por homens brancos.
Já nas considerações finais, os três palestrantes refletiram sobre os desafios de manter parâmetros éticos no jornalismo. Foi destacada a importância do posicionamento social e reiterado o papel do ofício na democracia. Ainda não existem soluções práticas para a construção de produções realmente impactantes que exerçam o direito de ser desobediente ao que está, muitas vezes, sendo imposto por governos autoritários. A esperança se mantém nas novas gerações de jornalistas que se mostram interessadas em produzir matérias com temas plurais e inclusivos.
Assista a íntegra do debate no canal Festival 3i no youtube.
Emílio César e Juliana Martins são estudantes da Facha, escreveram essa reportagem para o site “Facha em todo lugar” e fazem parte do projeto Foca no 3i, uma cobertura colaborativa do Festival 3i.