Fiocruz mais perto da Maré

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Campus recebe o nome de conjunto de favelas e novas edificações; instituição foi parceira da Redes da Maré na campanha de vacinação em massa em 2021

Hélio Euclides

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) sempre foi uma grande parceira do maior conjunto de favelas do Rio de Janeiro, e essa união agora é reconhecida com a criação do Campus Fiocruz Maré. Fazem parte dele a edificação conhecida como Prédio da Expansão (ao lado do Conjunto Esperança), onde funcionam instalações das áreas administrativas e de pesquisa, reunindo 11 institutos, com circulação de cerca de mil pessoas diariamente; o Biobanco Covid-19, inaugurado em dezembro de 2021; e o Centro de Pesquisa, Inovação e Vigilância em Covid-19 e Emergências Sanitárias da Fiocruz, que deve ser inaugurado até o fim deste ano.

 O campus fica localizado na Avenida Brasil, 4036, do lado oposto ao Castelo Mourisco. O projeto ainda prevê a instalação da chamada passarela da ciência que vai ligar os dois campi, um centro esportivo e a requalificação do prédio-sede. 

O nome do novo campus, mais que uma homenagem à Maré, traduz o trabalho realizado e planejado da instituição: futuras intervenções estratégicas, com foco em pesquisa e inovação; integração e requalificação do Campus Manguinhos-Maré; desenvolvimento institucional; e desenvolvimento territorial.

“Haverá um memorial das vítimas da covid no muro em frente à Avenida Brasil, além de ações de compensação ambiental na Maré como o plantio de árvores, para diminuição da patologia respiratória”, conta Valcler Fernandes, médico sanitarista da Fiocruz. 

O projeto promete a integração do Campus Maré com as demais ações e projetos institucionais, fortalecendo a relação da Fiocruz com a comunidade e instituições locais, usando as capacidades da própria comunidade de favelas na colaboração em diversas dimensões e no processo de comunicação a nível do território. 

“Acho positivo esse relacionamento da instituição de saúde com a Maré. Isso se soma ao peso de ser um órgão honesto, com status mundial. Agora, além de estarmos ao lado, a Fiocruz destaca o nome do território, isso é de suma importância”, diz Pedro Francisco, presidente da Associação de Moradores do Conjunto Esperança.

Um campus de pesquisa

A primeira novidade do campus foi o Biobanco-Fiocruz, uma iniciativa pioneira que reúne em uma única infraestrutura o armazenamento seguro, confiável, ético, legal e rastreável de amostras humanas e não-humanas. O Biobanco tem capacidade para armazenar aproximadamente 1,5 milhão de amostras em condições adequadas de temperatura, umidade e pressão. O equipamento é uma das ações resultantes do do enfrentamento da pandemia de covid-19. 

A emergência sanitária global também impulsionou a criação do Centro de Pesquisa, Inovação e Vigilância em Covid-19 e Emergências Sanitárias.  Ali estará reunida uma equipe multidisciplinar trabalhando para entender melhor como o coronavírus age. O centro não ficará restrito à pesquisa da covid-19: sua função será agir frente às emergências sanitárias futuras. 

O prédio novo, com dois blocos com três pavimentos custou R$ 207 milhões. Por seus 11.400 metros quadrados se espalham 15 laboratórios, áreas laboratoriais multiusuários, quatro plataformas tecnológicas, acervos microbiológicos e área de experimentação animal de pequenos roedores, com capacidade para 4.300 animais. 

 “Queremos pensar nos dois lados do instituto, com conjunto de ações que traga além das construções, diversidade, geração e expectativas, resultados, incidências e criação de cooperativa com o território”, diz Valcler Fernandes. 

Junto à comunidade

Juliana Garcia, coordenadora do projeto de integração e requalificação do Campus Manguinhos-Maré, explica que o centro de pesquisa nasce como uma grande oportunidade de conseguir repensar um pouco o território que se encontra o equipamento. 

“A gente tem uma perspectiva tanto de integrar os dois campi, como de requalificá-los, aumentando a infraestrutura e promovendo a humanização do espaço. Foi preciso reconhecer que o espaço do Campus Manguinhos se esgotou, levando para o outro campus algumas estruturas que são essenciais para o pleno funcionamento da Fiocruz”, explica.

O projeto prevê a ampliação da infraestrutura de suporte e requalificação dos serviços, integração do Campus Manguinhos-Maré com a comunidade, harmonização dos espaços da Fiocruz, promoção de um ambiente saudável e seguro, incentivo à convivência ao lazer e à cultura e, por fim, a revitalização. “O princípio básico desse projeto é o do cuidado com o trabalhador da Fiocruz e com a comunidade do entorno — no caso a Maré”, diz Juliana. 

O projeto de integração e requalificação do Campus Manguinhos-Maré teve como base o plano diretor Campus Manguinhos Saudável, de 2016. “A ideia é que quando o Centro de Pesquisa efetivamente começar a funcionar, o campus esteja preparado para receber essa população nova que passa a ocupar esse espaço”, conclui. 

Centro de Pesquisa, Inovação e Vigilância em Covid-19 e Emergências Sanitárias da Fiocruz deve ser inaugurado até o fim deste ano – Foto: Matheus Affonso

O passado da expansão da Fiocruz

O território da Fiocruz que fica ao lado da Maré tem historicamente sua importância. É o que confirma o arquiteto Renato da Gama, chefe do Departamento de Patrimônio Histórico da Casa de Oswaldo Cruz (COC) e Alexandre Pessoa, arquiteto da COC, autores do livro Um lugar para a ciência: a formação do campus de Manguinhos

Os dois, em entrevista à Agência Fiocruz de Notícias (AFN), destacaram que antes da construção da Avenida Brasil, os pesquisadores vinham de trem e por via marítima, desembarcando em um cais ao lado do que atualmente é o Campus Maré.

A violência já assustou quem atuava na antiga expansão. Uma dessas situações ocorreu em 2018, quando foi realizada uma operação da Polícia Civil na Maré com o uso de um helicóptero. Naquele dia, foram sete vítimas fatais: seis jovens e o adolescente Marcos Vinícius da Silva, que estava uniformizado, a caminho do CIEP Operário Vicente Mariano. 

O caveirão voador, além de fazer voos rasantes, contava com policiais que faziam disparos do alto. O prédio da Fiocruz foi evacuado e as atividades, encerradas. Isso ocasionou um processo de revisão do Plano de Contingência, com ações de proteção das pessoas que circulavam nos campi, com aprimoramentos no prédio da expansão.

O Prédio Sede, que já foi a expansão, tem uma área construída de 4.864 metros quadrado. A edificação foi erguida no início da década de 1970, todo com revestimento de cerâmica. 

Até 2021, ele abrigou o mais importante acervo de história da saúde pública e da ciência do país: uma biblioteca de sete mil volumes, incluindo um livro sobre a saúde dos povos de 1757; registros da atuação de Oswaldo Cruz no combate a epidemias; o primeiro esboço do Pavilhão Mourisco, sede da Fiocruz; fotografias de insetos capturados em Lassance (MG), onde Carlos Chagas descobriu a doença que leva seu nome, em 1909; diários das expedições científicas ao Norte e Nordeste no início do século 1920; e estudos sobre HIV/Aids e biotecnologia.

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