Grupo de mulheres mapeia situação dos animais abandonados na Maré

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Como a falta de informação gera riscos.

Por Ana Beatriz Pires

Com quantos animais em situação de rua você cruza no percurso da Avenida Brasil até a sua casa? Destes quantos você consegue identificar que estariam com ferimentos? Essas perguntas e o espírito de ajuda tocaram um grupo de quatro mulheres (Alexandra, 48 anos; Ana Lúcia, 50 anos; Elaine Oliveira, 31 anos e Luciana Pires, 48 anos) moradoras do Conjunto de Favelas da Maré. A partir daí, as quatro se mobilizaram e passaram a refletir sobre o que poderiam fazer para amenizar o cenário.

No último ano, as mulheres se reuniram para cuidar de gatos abandonados e que ficavam próximo ao local em que residem. Dois deles estavam com uma moléstia chamada esporotricose (micose subcutânea) e que foi diagnosticada por uma razão: em 2019, uma das envolvidas no projeto voluntário teve o cachorro infectado pela mesma doença. E, durante o tratamento do animal, descobriu que além da enfermidade ser transmitida através de arranhões e mordidas entre cães e gatos (quando o transmissor está infectado), a doença é uma zoonose – pode ser transmitida para seres humanos.

Elas contam que os animais, que foram identificados primeiro com a doença, eram muito agressivos. Como eles viviam em uma área com presença de outros animais, os embates se tornavam frequentes. E a transmissão também. Assim, na prática, dois gatos doentes passaram a ser 4 em menos de 1 mês. Um ritmo multiplicador perigoso.

A decisão de começar a rede de apoio para buscarem tratamento para esses animais doentes se tornaria urgente quando notaram que as crianças, desconhecendo os perigos, brincavam com eles todas as vezes que estavam na rua.

Muitas obrigações

Mas o início do trabalho não foi fácil. As quatro voluntárias se viram confrontadas por diversos desafios. Além das questões e obrigações pessoais e profissionais de suas vidas cotidianas, se viram com novas incumbências. Como já conheciam os caminhos para chegar aos medicamentos apropriados para o tratamento da doença, precisavam ir até o local. Entretanto, as exigências legais impõem que só é possível cadastrar dois animais por CPF. Na época, as mulheres estavam tratando de 4 gatos doentes e apenas uma delas tinha condições de ir até os locais que forneciam o remédio e o tratamento.

No site da prefeitura é fornecido instrução para conseguir acesso gratuito a medicação adequada, entretanto, apresentam apenas dois locais de referência: o Centro de Controle de Zoonoses, que fica  no Largo do Bodegão, 150, em  Santa Cruz e o Centro de Medicina Veterinária Jorge Vaitsman,  localizado na Avenida Bartholomeu de Gusmão, 1120, em São Cristóvão.  Em ambos os lugares há a exigência que o animal doente vá junto. “’É indispensável a presença do animal para a retirada do medicamento”, reitera o site. Isso dificulta ainda mais o acesso ao tratamento. Afinal, muitos dos animais são agressivos e, por não terem donos, são de difícil localização.

As mulheres conseguiram curar dois dos quatro gatos, um desses acabou adotado e o outro elas não têm notícias pois continuou na rua e depois de curado não voltou a aparecer na região. Há uma esperança de que tenha sido adotado por algumas razões positivas: já não tinha feridas, era castrado, o pelo estava saudável e ele era muito dócil. As quatro mulheres permanecem ajudando animais da comunidade como podem. Uma resgatou mais de 10 e colocou em sua casa. Outra, os alimenta, enquanto as demais  tentam ajudar a levar informações que reduzam danos aos pets, como campanhas de castração e vacinação local.

Em 2021 foi lançado um boletim pela Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro. Trata-se da Gerência de Doenças Transmitidas por Vetores e Zoonoses (GERDTVZ) e outras referências no assunto. No levantamento é apontado um cenário menos preocupante sobre a doença: entre  2019 e 2020 houve uma queda no número de infectados. Entretanto, o município do Rio de Janeiro permanece com o maior número de casos registrados.

A doença chega com certa facilidade aos animais e até às pessoas, mas o acesso às informações permanece lento. Uma das dificuldades pode ser verificada no âmbito oficial: não há campanhas de conscientização como informações sobre a doença nos sites do governo, por exemplo. Algo que poderia ser feito com muita facilidade.

A partir da rede de apoio que o grupo produziu, uma outra iniciativa promovida por uma mulher da mesma comunidade acabou emergindo. Ela ajuda, dentro das suas limitações, animais abandonados/de rua, cedendo a casa por um valor simbólico para que  passem por castração e tenham um lugar para ficar durante o pós-operatório.

Mesmo que o grupo possua uma potência e capacidade de impacto indiscutível na ação que se propuseram a realizar, as mulheres relataram a falta que sentem da presença do Estado na conscientização sobre as questões e riscos que atravessam. Elas acreditam que com as informações sobre as consequências do abandono de animais, a importância da castração e características das doenças, modos e lugares de tratamento chegando até a população, diminua e assim o risco de doenças perigosas, como a esporotricose, se torne mínimo. E fazem um apelo: o acesso à informação é capaz de alimentar a empatia das pessoas.

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