No mês mundialmente escolhido para a prevenção do câncer de próstata, é preciso debater a masculinidade tóxica
Hélio Euclides
Meninos não choram, precisam brigar, jogar futebol e usar roupa azul: esses são alguns comportamentos incutidos nos homens ainda na infância – e, com o passar dos anos, as regras vão ficando ainda mais rígidas. É por essas e outras que o tema “masculinidade tóxica” está criando um fuzuê. Uma parcela, ainda pequena, de homens começa a descontruir essas normas.
Para isso, eles tentam mostrar, com o diálogo, que existem dois tipos de homens: os em “desconstrução” e os em “decomposição”. Isso porque, esse segundo grupo, está mais propenso a ter depressão e infarto, entre outras doenças, e especialmente a viver norteado por regras e imposições que só trazem desconforto e problemas – para eles, para as mulheres e para a sociedade em geral.
Mas o que é ser homem?
No inconsciente coletivo, o conceito do que é ser homem traz embutido vários adjetivos: forte, viril, másculo ou até violento. Isso gera a “masculinidade tóxica”. Para ajudar a descontruir esse conceito nasceu o MEMOH, referência à palavra homem de trás para frente, um projeto que organiza oficinas e rodas de conversa entre homens, para refletir sobre comportamentos.
Para Caio Cesar, geógrafo e integrante do MEMOH, a masculinidade tóxica é um conjunto de características e ações limitantes e prejudiciais, que a sociedade delimita como coisas de “homens de verdade”. “Meu intuito é promover a equidade de gênero, fazendo o homem refletir sobre a sua maneira de agir consigo, com o outro e com a sociedade de maneira geral. Pensar junto com outros homens todas as regras sociais que nos são impostas”, esclarece Caio Cesar.
Caio acredita que a questão familiar é algo muito impactante na construção dos filhos e que, embora não seja a única, muito do que os homens trazem nos debates de masculinidade vem dessa vivência familiar e do quanto isso influencia nas suas ações. Caio entende que a mudança de pensamento virá de maneira estrutural e somente em longo prazo. “Mas a gente já percebe um interesse muito maior de homens por esse debate, que tem crescido bastante num curto espaço de tempo”, conclui.
Uma sociedade sem imposições
Pablo Poder, educador da Lona Herbert Vianna e professor de Educação Física da Vila Olímpica da Maré, há seis meses vem estudando e divulgando o tema da masculinidade tóxica. “Precisamos começar a conversar sobre o assunto. Uma vez um aluno brincou que descascando cebola é o único momento em que o homem chora. A partir daí, começa um debate. Chorar é algo nobre, como abraçar”, afirma.
Pablo percebe que o machismo foi imposto aos homens pela sociedade, mas quem sofre é a mulher. São elas que têm de bater na tecla da igualdade de salário, pois o mundo do provedor acabou, hoje as tarefas precisam ser divididas. O seu estudo mostra que a sociedade impõe à menina brincar de casinha, e que ela precisa amadurecer mais rápido. Do outro lado, o menino não pode jogar “queimada”, sendo indicado, para ele, apenas o futebol.
Pablo acha que as regras devem acabar. “A ideia de homem máquina sexual precisa acabar, também temos dias em que estamos cansados. Ensinam que o homem pode trair, ter mais parceiras. Mas quem não pensa assim, vai ficar com depressão, solidão e frustação. Nós, homens, gostamos de um círculo de amizade, falamos de masculinidade para não sermos excluídos, fazemos o que a sociedade quer, para sermos aceitos. Precisamos colocar a cabeça no colo da nossa companheira para desabafar”, comenta.
O educador é pai de duas filhas, uma de 8 e outra de 19 anos. Ele fica chateado quando ainda ouve a frase: Prenda suas cabras, que meus cabritos estão soltos. “Temos de ter uma criação igualitária. Meu avô era machista, mas sempre incentivava os meninos a ajudar nas tarefas de casa. Isso nunca mexeu com a minha masculinidade. É preciso plantar a sementinha, se fosse um remédio, as doses seriam homeopáticas”, conclui.
É preciso soltar o sentimento e conversar
Uma das principais consequências dessa armadura que o homem veste é distúrbio emocional. Entre elas, a ansiedade, depressão, insônia e vícios em pornografia, álcool, drogas, comida, apostas e jogos eletrônicos. “Uma ironia é falar que não choramos, pois somos machos. Nós temos sentimentos. Eu choro muito, especialmente com saudade da minha mãe e irmão. O verdadeiro homem é o que cumpre seu papel como pai e marido, em conjunto”, conta o auxiliar de serviços gerais Paulo Ronaldo, de 45 anos, morador da Nova Holanda.
A saúde do homem
Caio Cesar avalia que os homens acessam muito pouco o sistema de saúde por conta de uma noção de força e virilidade, de não conseguir pedir ajuda e ser ajudado. “Isso faz com que a gente tenha uma expectativa de vida bem menor que as mulheres. Há muitos mitos, pouco diálogo e informação em relação a áreas específicas do corpo dos homens”, acrescenta.
A masculinidade tóxica pode deixar o homem doente e até contribuir para o grande número de suicídios. Existem várias travas sociais que impedem que os homens procurem ajuda psicológica por acreditar que serão menos homens.
Pablo Poder acredita que a sociedade cria um perfil e tem quem não se enquadre. “Não procuramos ajuda médica e não desabafamos nem com os pais. Assim ficamos doentes, pois não somos uma máquina. Com 40 anos, precisamos procurar o urologista. Não vamos, por medo do exame do toque, algo que ainda é um tabu. Precisamos descontruir, ser natural”, avalia.
Novembro Azul: Prevenção ao Câncer de Próstata
Para a conscientização a respeito do câncer de próstata e da saúde masculina, foi criado um movimento internacional, denominado, no Brasil, de “Novembro Azul”. A Secretaria Municipal de Saúde indica aos homens que desejarem uma consulta, que procurarem uma Clínica de Família. A SMS, seguindo orientações do Ministério da Saúde e do Instituto Nacional do Câncer (INCA), não recomenda nem realiza indiscriminadamente o exame de toque retal para rastreamento de câncer de próstata em pacientes assintomáticos e sem fatores de risco.
O povo fala:
“Homem é criado para ser machista. Somos secos, aprendemos na infância que chorar é coisa de boiola. Isso faz mal, ficamos nos remoendo por dentro, seguro no nosso mundo. Mas quando envelhecemos, vamos ficando mais sensíveis. Eu ainda travo os sentimentos. Acho que falta amor, olhar nos olhos e conversar. Estamos robotizados.”
Flávio Reis, de 46 anos.
“Está tudo errado, na vida não tem posição. Todos temos capacidade de ir em frente, mas esbarramos no preconceito. O mundo não pode julgar, temos de fazer o que gostamos, trabalhar no que desejamos. Por que todo cabeleireiro é taxado de homossexual? A lei precisa ser mais severa para mudar a sociedade.”
Talysso Rodrigues, de 35 anos, sendo 16 anos na profissão de cabelereiro.