Ilhas de calor urbanas

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Estudo mostra que algumas áreas com menos verde sofrem com a temperatura elevada

Hélio Euclides

Está fervendo, pegando fogo, que lua, maçarico ligado, que calor dos infernos…”. Essas são algumas expressões que ouvimos no período do verão, ou quando o calor invade outras estações do ano. Percebe-se que a temperatura é maior em alguns locais da cidade que em outros, principalmente onde há mais construções e menos vegetação: essas são as ilhas de calor urbanas. Este fenômeno não causa apenas desconforto às pessoas, mas podem ser motivo de doenças, aumentando as taxas de mortalidade, além de elevar a demanda de energia e o aquecimento global. Esse fato estimulou Carolina Hartmann Galeazzi, arquiteta urbanista e doutoranda, a estudar este fenômeno na Maré e as possibilidades de diminuir seus efeitos.

A ilha de calor é um fenômeno climático em que as temperaturas são mais altas nos espaços mais urbanizados, com concentração de asfalto, alta densidade de prédios e materiais que absorvem mais energia solar. O aumento da temperatura se deve, sobretudo, a áreas com ausência ou baixa ocupação de vegetação e pouca permeabilidade do solo. “Podemos sentir que o calor é maior perto da Avenida Brasil, por exemplo. O asfalto absorve calor, além do alto fluxo de carros que soltam altas concentrações de gás carbônico, que também ajudam a aquecer o ar. Quando chove na terra, a água é armazenada e evapora assim que o solo começa a aquecer, diminuindo a temperatura do ar, o que não acontece no asfalto que esquenta e libera calor”, comenta Carolina.

No mapa de ilhas de calor da Região Metropolitana do Rio de Janeiro existe uma grande mancha vermelha sobre a Zona Norte, o que simboliza um local muito quente. Foram identificadas temperaturas mais altas que no centro da cidade, exatamente onde se concentra a maior parcela da população carioca, de 40,2%. Na Zona Norte também há grande número de favelas da cidade, entre elas a Maré. “A Zona Norte é muito densa e tem menos árvores. Um exemplo da baixa arborização é a Praça do Parque União, que sem o sombreamento, se torna um espaço desconfortável termicamente para o seu uso durante o dia, permanecendo vazia”, revela Carolina. Para ela, um dos maiores erros é cimentar o quintal, pois a terra e a vegetação ajudam a amenizar as temperaturas do ar, e ainda auxiliam no controle de enchentes.

Assim como em outros locais da cidade, na Maré se encontram materiais que contribuem com as ilhas de calor: o asfalto, as lajes de concreto e as telhas de fibrocimento, que ficam pretas com o tempo. “A deficiência de ventilação também causada pela densidade construída que impede a circulação de ar penetre nas ruas no nível do pedestre, também auxilia no aumento do calor e, dentro das casas acarreta, além do aumento do calor, aumento da umidade e do mofo e maior risco de se ter doenças respiratórias”, explica a pesquisadora. As ruas estreitas e casas coladas impedem que o ar circule, favorecendo o calor. As casas ficam sem ventilação, e essas edificações não podem se refrescar. Ao circular na Vila dos Pinheiros, percebe-se que as casas próximas ao Parque Ecológico são menos quentes.

 

Amenizar os efeitos das ilhas de calor

Algumas ações podem ser tomadas para diminuir as ilhas de calor, como a valorização das áreas verdes. É preciso sombrear as vias, com arborização das ruas, praças e, porque não, usar vegetação nas fachadas das casas. A vegetação ajuda muito no controle da temperatura, pois, além de sombrear as superfícies que absorvem calor, e quando ela absorve a radiação solar libera vapor d´água, o resultado é menos calor no ambiente. Para lugares em que não há espaço para o plantio de árvores, por exemplo, o jardim vertical pode ser uma solução.

Para ela, plantar hoje é uma solução eficiente para o futuro. O aquecimento excessivo da cidade intensifica o aquecimento global, podendo acarretar outros problemas, como áreas da cidade passíveis de alagamento, pela elevação do nível do mar. “Algumas regiões da Maré estão apenas a um metro e meio do nível do mar, o que pode ser preocupante”, calcula Carolina. Além disso, pode-se melhorar os materiais usados nas construções. A pesquisadora acredita que para contornar a problemática das ilhas de calor é necessário, a princípio, pouco gasto, como pintura da laje e de telhado ou uso do telhado verde. “O ideal é pintar as casas, lajes e telhas com cores claras. As cores, além do seu efeito visual, interferem na capacidade dos materiais de absorver radiação do sol, de refletir, de armazenar e transmitir calor. Um exemplo são os tecidos, as roupas brancas são mais frescas que as pretas. O preto do tecido também absorve calor, já o branco reflete”, lembra Carolina.

Uma solução que se torna problema é o uso do ar condicionado. Quando se instala um ar condicionado a parte interna da edificação fica fria, mas joga ar quente para fora de casa, aquecendo ainda mais a cidade. Na Maré existe um grande número de aparelhos instalados. “É importante que os moradores da Maré tomem conhecimento das causas e consequências das ilhas de calor e que conheçam as formas de suavizar seus afeitos para que possam agir na comunidade pela melhoria do conforto térmico e pela promoção da saúde nos lugares em que moram e trabalham. É importante também que as escolas façam um trabalho educacional com as crianças, mostrando a importância do verde para a própria comunidade, por meio da plantação de hortas e árvores na escola e no entorno. Não entendo essa cultura de ter que ser tudo asfaltado, do campo de futebol ser sintético, e de cimentar o próprio quintal”, questiona a pesquisadora.

Uma Maré de temperatura quente

Na tarde de 11 de setembro, a pesquisadora percorreu as ruas da Maré e entorno, e mediu a temperatura de superfície de diversos pontos, com uso de uma câmera especial: na Avenida Brasil, altura da passarela 10, a medição do asfalto ficou em 37º graus na sombra, e 45º ao sol. Já numa loja da própria via, com fachada preta, a temperatura chegou a 52º graus. O que mostrou a problemática do uso da cor escura. No Centro de Artes foi feita três verificações, com 45º graus na cobertura, telhado externo 52º, e fachada branca 34º. Em uma casa com vegetação na frente, a temperatura era amena, só 30º graus. Outro ponto, se repetiu a temperatura agradável, na Rua dos Lírios, um logradouro com vegetação. Numa laje sem pintura, e batendo sol, a temperatura foi ao limite de 55º graus. No campo sintético da Rubens Vaz, o clima não era para futebol, com 44º graus.

 

Uma pesquisa sobre a favela

O projeto de título “O mar que virou sertão: as ilhas de calor e o conforto térmico na Maré” só está no início. A previsão é, no mínimo, um ano de pesquisa de campo para estudar as ilhas de calor na Maré e as maneiras eficientes de reduzi-las. A Nova Holanda foi escolhida como primeira etapa, depois as análises devem seguir para outras comunidades. “Eu espero que com este trabalho, os moradores possam ter as ferramentas para melhorar o conforto térmico na Maré, dentro do possível, e exigir melhorias no entorno com o objetivo de melhorar a qualidade de vida na Maré e na cidade como um todo, por um futuro mais saudável e sustentável para todos. Outro objetivo é conscientizar os governantes para a necessidade de a população ter um ambiente confortável”, conclui.

O geógrafo Andrews Lucena, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), entende que o estudo das ilhas de calor objetiva identificar os espaços mais quentes na cidade e possíveis estratégias para amenizar seu efeito no conforto térmico da população. “O morador terá condições de compreender como acontece o fenômeno e participar de fóruns junto ao poder público para buscar soluções de diminuir o desconforto térmico no bairro. As soluções passam pelo uso de novos pavimentos e revestimentos nas ruas e casas, além da necessidade de criação e manutenção de áreas verdes”, finaliza.

A cor preta da fachada da loja faz a temperatura chegar perto dos 53 graus, conforme a máquina fotográfica da pesquisadora, que consegue captar o calor por infravermelho | Foto: Carolina H Galeazzi

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