Iniciativa de comunidade escolar na Maré luta por melhoria de infraestrutura dos espaços

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Graças à parceria entre professores e instituições não governamentais, estudantes de colégio mareense têm espaços para assistir às aulas, mas situação do equipamento público ainda está pendente

Por Hélio Euclides, em 15/06/2022 às 07h. Editado por Tamyres Matos

Um dilema da Nova Holanda era a Clínica da Família Jeremias Moraes da Silva, que funcionou com gerador por três anos. Em outubro, a unidade de saúde pode contar finalmente com rede direta de energia elétrica. Ao lado da clínica, desde março de 2018, a Escola Estadual Professor João Borges de Moraes tenta funcionar. A unidade escolar de ensino médio também sofre com energia, no caso específico, com falta de ligação de média tensão e instalação inadequada. “A escola está funcionando sem paredes. Nossos alunos estão conseguindo ter aulas graças às parcerias que conseguimos fazer. Há um risco real de incêndio se usarmos computador e ar-condicionado. Por esses motivos existe a inviabilidade do uso da escola”, desabafa um professor, que prefere não se identificar.

Apesar dos alunos terem conquistado o primeiro lugar na fase nacional do Torneio Brasileiro de Robótica 2020, não há valorização para continuação do projeto. Em pleno meio do ano, a escola  ainda não abriu suas portas, com isso alunos estão alocados em locais emprestados para terem aula. Quem passa pela escola percebe um poste com um transformador que nunca foi utilizado, ligado a nada. Por esse motivo o colégio não tem climatização, além das instalações de fiação internas ainda não estarem preparadas para aparelhos de ar-condicionado. Com o clima nas alturas da cidade, a unidade escolar é a única da Maré que, até o momento, não retornou com as aulas presenciais. 

Por não ter espaço físico pronto para utilização, os alunos da instituição estão espalhados em prédios de parceiros na favela, inclusive numa sala da clínica da família, para receber o conteúdo e não perder o ano letivo. “O processo da obra é burocrático, pois precisa de aprovação de projeto e o processo retarda a obra. Eu vejo a diretoria trabalhando, mas eles não têm autonomia para a obra. Estamos todos esperando a boa vontade do governo estadual. Foram três anos de funcionamento da escola numa situação de risco. A comunidade precisa se mobilizar para que a escola não se transforme num grande elefante branco de portas fechadas. Hoje é importante que a obra aconteça como necessário, sem improvisações”, cobrou o professor. 

A Secretaria de Estado de Educação (Seeduc-RJ) fez um balanço estrutural das quatro unidades de responsabilidade na Maré. Em relação à situação do Colégio João Borges de Moraes adiantou que já repassou os recursos necessários para a reforma da parte elétrica, incluindo o aumento da carga interna e a instalação de uma subestação de energia. O pedido foi protocolado junto à Light no dia 19 de maio de 2022. Ressaltou ainda, que as aulas estão sendo ministradas, por meio das orientações de estudo do Applique-se, aplicativo da rede pública estadual de ensino, além de um material personalizado pelos professores da unidade escolar.

A Secretaria mencionou que, para garantir interação pedagógica presencial diária, os estudantes possuem contato com os professores em atividades na quadra coberta e em outros espaços na comunidade, fruto de parceria com as instituições da Maré. Os alunos participaram da avaliação externa realizada em abril e vêm participando ativamente das demais atividades pedagógicas, assim como todos os estudantes da rede.

No caso dos colégios estaduais Bahia e Tenente General Napion, unidades que são compartilhadas com o município, foram realizadas intervenções na infraestrutura nas salas de aula pela Prefeitura em 2021. No entanto, logo após os reparos aconteceram diversos episódios de furtos de fios e cabos, onde ambas, durante um tempo, ficaram impossibilitadas de funcionar presencialmente. Na ocasião, os alunos estavam estudando de forma remota. É importante ressaltar que, atualmente, todos os colégios voltaram – ou deveriam ter voltado – a ter atividades realizadas de forma presencial.

Em relação ao CIEP 326 – Professor Cesar Pernetta, a unidade encontra-se com alguns problemas de infraestrutura. A Seeduc-RJ já encaminhou uma equipe técnica à unidade, com o objetivo de vistoriar e dar início às obras o mais rápido possível. Destaca-se que os alunos estão tendo aulas normais na unidade escolar.

Foto: Matheus Affonso

Escolas novas que necessitam de manutenção

Em terreno de 40 mil metros quadrados foi inaugurado em 2016 o Campus Educacional Maré I, na Nova Holanda. Composto por oito unidades escolares do Programa Fábrica de Escolas do Amanhã Governador Leonel Brizola, construídas com estrutura pré-fabricada de material drywall. O processo de ampliação no número de escolas, com a criação dos dois Campus Educacionais, é resultado da luta histórica de moradores, lideranças e instituições locais pela garantia do direito constitucional à educação pública gratuita e de qualidade para crianças e adolescentes da Maré.

No Campus Educacional Maré I se encontram as escolas municipais Nova Holanda, Genival Pereira de Albuquerque, Osmar Paiva Camelo, Lino Martins Da Silva, Erpídio Cabral De Souza, Olimpíadas Rio 2016 e os espaços de desenvolvimento infantil Azoilda Trindade (Tia Zô) e Maria Amélia Castro E Silva Belfort. 

Por estarem em local isolado, já antes da pandemia, unidades escolares já sofriam com o problema da degradação. Depois, muitos equipamentos públicos precisaram ficar fechados ou tiveram a diminuição no número de funcionários, com isso a situação piorou, ocorreram alguns casos de destruição de parte dos equipamentos externos, como grades, portões e tampas de bueiros. Para piorar, com a volta às aulas presenciais as unidades sofreram com o calor nas salas de aulas. Uma professora da Escola Municipal Olimpíadas 2016, que também preferiu não se identificar, revelou alguns problemas da unidade. “O térreo recebeu alguns reparos. Salas dos professores, coordenação, direção e secretaria estão com funcionamento dos aparelhos de ar-condicionados, mas inconstante, nem sempre funciona. Mas a escola sofre com problemas de energia, tipo curto-circuito. Algumas salas os ventiladores funcionam e no meio da aula param. Chamamos a equipe de manutenção quase toda semana, que faz o reparo, mas não dura muito tempo”, comenta.

“Tem uma sala que nenhum ventilador funciona e se colocamos na tomada puxa faísca. Faz o reparo na segunda e na mesma semana já aparece o problema, não sei se é a carga de energia é muito grande. A limpeza da escola está sendo bastante negligenciada. Pedimos aos funcionários da Comlurb, mas não ocorre a limpeza das salas como deveria. Há a depredação da escola, como os extintores de incêndio são esvaziados e não existia pichações, algo que a escola vem sofrendo”, expõe.

A docente percebe que até a localização das unidades traz prejuízos. “É preciso pensar na situação geográfica, o campus fica muito próximo do mar, tudo se corrói com facilidade, os dutos e a fiação se oxidam, o que dificulta a manutenção elétrica”, comenta.

Foto: Matheus Affonso

Fechadas para obras

Do outro lado da Maré, na Vila dos Pinheiros, o Centro Integrado de Educação Pública (CIEP) Ministro Gustavo Capanema, está há três anos fechado, após o início de uma obra que não chega ao fim. No ano passado, alunos e professores se uniram em uma aula pública para pedir o retorno da restauração que estava parada. Esse ano as obras voltaram, mas alunos não sabem quando ocorrerá o retorno das atividades na escola. Enquanto isso, os alunos estão divididos em duas unidades próximas.

Uma professora do Ciep Ministro Gustavo Capanema, que também teve receio de se identificar, pede a mobilização para a reabertura de unidades escolares. “Precisamos de uma contribuição das instituições da Maré de dar visibilidade às escolas que estão sofrendo desafios enormes. Temos muitas unidades da Maré que têm problemas estruturais sérios e obras que não são concluídas, como o Gustavo Capanema, a Creche Albano Rosa e o Colégio Estadual João Borges de Moraes”, diz. 

Segundo ela, nem sempre as verbas que chegam para as instituições podem ser utilizadas nas questões consideradas prioritárias. “Entra verba para as escolas, que escorre pelo ralo, pois não se pode usar para obra. No nosso caso nem temos onde colocar e usar. É preciso questionar o poder público. Não se tem dinheiro para dar prosseguimento em obras, mas tem verba pública que não se pode usar em estrutura?”, protesta. Um outro professor da unidade, que não revelou o nome, ressaltou que não aguenta mais um ano de sofrimento. “Uma covardia e irresponsabilidade. São três anos que já consumiram cerca de um milhão de reais”, reclama. 

Na mesma favela, a Creche Municipal Pescador Albano Rosa funcionava desde 2004, com salas feitas de metal, no estilo container, que passaram por algumas reformas, com a promessa de que era temporário. O provisório virou permanente, algo bastante comum na história da Maré. Em setembro do ano passado a unidade escolar sofreu um incêndio que destruiu um dos dois prédios. Uma obra deu início para construção de um Espaço de Educação Infantil (EDI) no local. Alunos estão frequentando a escola do lado, mas não sabem quando será o fim da obra, já que a placa instalada na frente não traz data de conclusão.

A Secretaria Municipal de Educação (SME) declarou que o processo de climatização da rede teve um grande investimento na gestão anterior do Prefeito Eduardo Paes. “Saltamos, naquele período, de 250 unidades escolares climatizadas para 1272, perfazendo cerca de 83 % da nossa imensa rede, composta de 1543 unidades de ensino. No entanto, na gestão passada, muitos contratos de obras e de manutenção foram paralisados”, diz a nota.

A SME salientou que reativou todos os 11 contratos de manutenção de condicionadores de ar que estavam suspensos na gestão passada. Ainda no ano passado encaminhou para licitação um grande pacote de condicionadores de ar, com o objetivo de efetuar o retrofit dos equipamentos mais antigos, bem como, dos danificados, uma vez que muitos datam de 2010. No entanto, as empresas não se manifestaram na pesquisa de preços e a Secretaria decidiu abrir nova licitação alterando os termos de referência para atrair mais interessados. Para isso, está sendo feita alteração dos termos de referência, necessária para o novo processo de licitação. Para amenizar o quadro, a secretaria comprou 29.306 ventiladores de parede, que estão sendo distribuídos para as escolas para renovação dos aparelhos das unidades que apresentaram necessidade de troca.

A secretaria completou que sobre a reinauguração do CIEP Ministro Gustavo Capanema, ocorreu um problema no contrato que foi paralisado administrativamente para ajustes de um aditivo. A SME deu a previsão de entrega da obra de seis meses. Quanto ao EDI Pescador Albano Rosa, a previsão de conclusão da obra é para dezembro deste ano.

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