Desafio da tecnologia é chegar com a mesma qualidade no interior do país e nas favelas
Hélio Euclides, João Gabriel Haddad (*) e Rebekah Tinôco (*)
Em outubro deste ano, a rede de internet móvel 5G foi ativada (com dois meses de atraso) em todas as capitais do país, incluindo o Distrito Federal. Se a expectativa é de que a cobertura atinja todos os municípios brasileiros até o fim de 2029, o problema maior é o novo sistema ter igual desempenho no país todo — incluindo cidades do interior do Brasil e favelas. Apenas com o desenvolvimento igualitário será possível uma verdadeira democratização da internet. De acordo com o Instituto Locomotiva, 43% dos moradores de favelas não possuem internet de qualidade. O Jornal Voz das Comunidades, do Complexo do Alemão, publicou em outubro de 2021 uma reportagem sobre o projeto Rio Estado Digital, que prometia mudar essa realidade, com disponibilidade de internet gratuita.
O projeto do governo estadual começou em 2009, mas foi descontinuado quando começaram a surgir falhas. Na Maré, o sinal era captado na Avenida Brasil, mas nem sempre funcionava corretamente. Em 2017, o programa foi encerrado, sem que a democratização do acesso à internet se concretizasse.
Atualmente, a tecnologia 5G está muito distante das favelas. Na Maré, moradores ainda precisam superar a falta cotidiana de sinal da internet em celulares e a lentidão na conexão dos telefones fixos. A internet ruim foi um dos motivos que fez Mateus Vieira se mudar da Maré.
“Morava no Morro do Timbau, local onde os internautas mais sofrem. Acredito que a internet 4G é relevante e aceitável; o problema é que na favela nem o 3G pega. Sou estudante e na pandemia não consegui estudar, pois a internet era caótica”, conta o aluno de história da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
Alguns moradores esperam com ansiedade a nova tecnologia de transmissão de dados. É o caso de Jadson Couto, dono de uma empresa de manutenção de impressoras na Baixa do Sapateiro.
“Teoricamente vai ajudar muito, principalmente com novos serviços, na agilidade dos que já existem e na comunicação”, espera ele. Contudo, quando se fala de favela, Jadson tem dúvidas quanto à disponibilidade do 5G. “A tecnologia é muito boa, porém a cobertura na comunidade ainda deixa a desejar. Dependendo da região nem sinal pega. Hoje em dia se limita somente a bairros com poder aquisitivo alto”, acredita. [INSERIR OLHO]
A chegada da nova tecnologia também preocupa quando se fala de aumento da desigualdade social. No programa Canal Livre que foi ao ar no último dia 20 de novembro, o prefeito de Araraquara (São Paulo), Edinho Silva, lembrou que os avanços precisam chegar a todos os municípios do país e em todas as áreas: “Hoje, é preciso que pelo menos o 4G chegue às escolas públicas e mais ainda, que elas tenham equipamentos adequados para os seus alunos.”
A primeira favela 5G do Brasil
A operadora TIM e a ONG Gerando Falcões (que atua em favelas de todo o Brasil usando análise de dados para combater a pobreza) anunciaram que uma comunidade em São José do Rio Preto (São Paulo) — mais especificamente, a Favela Marte — será a sede do projeto-piloto “Favela 3D”, se tornando a primeira no país plenamente conectada ao 5G. Duzentas famílias serão beneficiadas pela iniciativa, que tem como meta a instalação da quinta geração de transmissão de dados no local até agosto de 2023.
Segundo a TIM, com o projeto a empresa espera colaborar para a construção de um mundo mais igualitário: “O setor cultural e a produção de conteúdo, que possuem um potencial enorme nas comunidades, serão alguns dos segmentos mais beneficiados pelo 5G, capazes de irradiar para cada vez mais longe o poder de negócios das favelas.”
A operadora, de acordo com sua assessoria, quer contribuir para potencializar outros tipos de serviços, como educação, saúde e o comércio local.
Popularizar a tecnologia
O 5G é a nova geração de distribuição de dados do sistema de telefonia móvel celular. Ele é até cem vezes mais rápido que o 4G, com velocidades que podem chegar a mais de 1000 Megabits por segundo, com um pequeno intervalo de transferência de dados entre dispositivos.
“A rede 5G é caracterizada por uma estrutura híbrida que maximiza diversos serviços”, explica João Dias, pesquisador e engenheiro de telecomunicações.
Popularizar a tecnologia é considerado um consenso para o sucesso do 5G nos próximos anos. Porém, João Dias lembra que a implementação da rede em comunidades passa por mais desafios, como a instalação de equipamentos.
Como o alcance das antenas 5G pode ser limitado, áreas densamente ocupadas (como as de favelas) exigem um planejamento mais cuidadoso para garantir a cobertura total daquela região. O acesso de veículos de grande porte para instalação do equipamento também deve ser avaliado, já que eles podem enfrentar dificuldades em circular em vias estreitas das comunidades.
Futuro à vista
Além da velocidade, o 5G contribui para o aperfeiçoamento do suporte a serviços de internet e automação industrial e de serviços como a indústria 4.0, ou seja, totalmente automatizada a partir de sistemas que combinam máquinas com processos digitais, carros autônomos e casas e cidades inteligentes.
O usuário precisa de um dispositivo compatível para usufruir da rede 5G, além de estar na área de cobertura. Embora ainda não esteja disponível em muitas localidades (até mesmo dentro das capitais), a TIM já registrou um aumento da demanda por celulares com a nova tecnologia 5G.
Segundo a empresa, “observamos que 40% das nossas vendas de smartphones são de modelos 5G, e 75% dos nossos aparelhos à venda são compatíveis com a nova tecnologia”.
A implementação do 5G, entretanto, não está consolidada e o preço dos serviços e aparelhos pode ser maior do que os similares com outra tecnologia. Por isso, na opinião do João Dias, a aquisição de novos aparelhos apenas para ter acesso à nova tecnologia, no cenário atual, deve ser feita com cautela.
Atrasos e desafios
O desembarque do 5G no Brasil passou por problemas técnicos e políticos, o que explica os atrasos na disponibilização do serviço no país. O alcance limitado do sinal por conta da utilização de frequências altas exigiu o planejamento da instalação de equipamentos mais potentes e mais antenas espalhadas pelas cidades.
“Foi necessário trabalhar com frequências que nunca haviam sido usadas para comunicações móveis, e isso impõe desafios no desenvolvimento de novas tecnologias para atender esses objetivos”, explica João Dias.
O pesquisador também atribui disputas comerciais entre os EUA e a China à demora da chegada do 5G ao país: “Isso acabou, de certa forma, provocando um atraso na tomada de decisão da Agência Nacional de Telecomunicações”, pondera.
Até o fim de 2030, além de disponibilizar o 5G em todos os municípios brasileiros, as empresas de telecomunicação precisam garantir o sinal em 1.700 localidades consideradas não-urbanas — o que vai depender do desenvolvimento de planos de negócio pelas empresas que contemplem essas regiões.
Será preciso também que os governos locais e federal ofereçam incentivos fiscais ou acordos a essas empresas, como os firmados no leilão do 5G em 2021. Na ocasião, o governo federal viabilizou a compra das frequências pelas operadoras, mas impôs metas como a disponibilização de sinal 4G e 5G em escolas.
*Alunos comunicadores do Programa de Extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em parceria com o Maré de Notícias.