O Estado do Rio de Janeiro teria um total de 2.654.198, o que representa a média de 15 bicicletas para cada 100 habitantes
Por Hélio Euclides
Cada vez mais utilizada no planeta, as bicicletas são opções sustentáveis de mobilidade, com emissão zero de qualquer gás do efeito estufa ou outro componente dos combustíveis fósseis. Mas o uso deste transporte vai além da eficiência, para muitos ciclistas o amor ao camelo fala mais forte. “Nada se compara ao simples prazer de pedalar”, esse era o pensamento de John Kennedy, ex-presidente dos Estados Unidos, que reflete o carinho de muitos usuários da magrela. Os irmãos Alisson Cícero e Leandro Andrade foram além de possuírem uma bicicleta. Eles atuam como mecânicos em uma oficina no Parque Maré. Com dedicação, montam e realizam manutenção em diversas bicicletas por dia.
Os irmãos, que preferem dizer que tem a profissão de monteiro, atuam numa oficina na esquina entre as ruas Tatajuba e Teixeira Ribeiro. Os jovens ficam emocionados quando falam desse trabalho familiar. “Começou esse comércio com Seu Nelson, depois meu pai assumiu por sete anos. Em seguida passou o ofício para nós. Eu via meu pai pintando bicicleta e achava aquilo uma arte. Meu pai meteu o pé para o Nordeste e já estamos nessa profissão há 12 anos”, conta Alisson Cícero, mais conhecido como Magrinho, de 25 anos. Ele deu início a vida profissional como camelô em Copacabana, mas depois viu que o seu futuro estava ao lado das bicicletas e na Maré.
Cicero conta que os primeiros passos na profissão foram difíceis, para pegar a confiança da clientela, que via um garoto novo no batente. “Depois fiquei conhecido e vem gente de Ramos, Ilha do Governador e da Vila dos Pinheiros. Em Ramos tem duas oficinas, na Vila do Pinheiro tem três e mesmo assim tem clientes que nos procuram. Os clientes confiam no nosso trabalho, lutei para isso”, diz. Ele desabafa que ao contrário do manuseio, aprendeu a andar de bicicleta na marra, que no dia a dia não rola pedaladas, tem preferência por caminhadas.
O seu irmão, Leandro Andrade, de 24 anos, é o craque das marchas das bicicletas e já sonha em abrir uma filial. “Quero abrir outra, tem muito serviço, com gente que vai em minha casa para consertar bicicleta. O ponto não é importante, pois meu pai trabalhou primeiramente na Baixa do Sapateiro em um beco. O segredo é trabalhar bem satisfeito, com amor no coração e o cliente sair satisfeito, para voltar depois. Não vou desistir do sonho de partir para uma filial. Posso até começar com uma barraca coberta por lona e depois ir crescendo com o negócio”, expõe.
Uso de bicicleta aumenta em todo país
Segundo pesquisa realizada por Glaucia Pereira, especialista em mobilidade urbana e fundadora da Multiplicidade Mobilidade Urbana, revela que o Brasil tem uma frota estimada de mais de 33 milhões de bicicletas. O Estado do Rio de Janeiro teria um total de 2.654.198, o que representa a média de 15 bicicletas para cada 100 habitantes. Uma outra pesquisa realizada pela Strava, aplicativo para Android e iPhone que permite registrar número de pedaladas, corridas e outras atividades físicas, mostrou que, em 2021, houve um aumento do uso das bicicletas em diversas cidades do país. Em segundo lugar ficou a cidade do Rio de Janeiro, com uma elevação de 25%, perdendo apenas para Curitiba.
Os números mostram que os irmãos terão sempre muito trabalho, fato que é confirmado por eles. “No dia bom são 15 a 20 bicicletas que são consertadas. No ano passado foram nós dois e mais dois amigos para montar as bicicletas para o Dia das Crianças. Foram no total 120 bicicletas, com dois dias e uma noite sem dormir, só rolou cochilo e no rodízio. Foi um grande desafio”, revela Cícero. Quando se fala do trabalho que mais aparece, eles são unânimes. “Na maioria das vezes são pneus furados que precisam de remendos. Muitos furos de pneus são no dia seguinte ao baile, por causa de vidros“, conta Andrade.
Os dois contam o segredo para o trabalho diferenciado. “Nos colocamos no lugar dos clientes. Tem gente que precisa de bicicleta para trabalhar, por isso, às vezes é necessário abrir no domingo. Os que sofrem mais são os entregadores, tipo de farmácia ou de aplicativo de alimentos, já que tempo é dinheiro, então emprestamos bicicleta enquanto a deles estão na fila da manutenção”, revela Andrade. Outro ponto é não cobrar dos clientes para usarem as chaves, como fazem os concorrentes.
Quando se fala em concorrentes, mostram que não são times adversários. “É bom lembrar que há diálogo com outros profissionais de oficinas de bykes, pois somos concorrentes, mas nunca inimigos. Tem vezes que até um ajuda o outro, indicando clientes, quando estamos atolados de trabalho e trocamos peças”, detalha Cícero. Para ele, o importante é que o cliente possa sair pedalando. “Muitas vezes fazemos adaptações para que o cliente possa usar a sua bicicleta. Tem ocasiões quando estamos quase desistindo e conseguimos consertar, é quase como um gol, dá vontade até de abrir uma cerveja para comemorar. Ficamos orgulhosos”, conta.
Os irmãos só pedem que os ciclistas tenham mais cuidado com seus “camelos“. “Tem bicicleta boa em circulação, mas outras não dá nem vontade de mexer. Na maioria das vezes é falta de lubrificação, o que causa dor de cabeça. O que menos gosto de fazer é mexer na parte central da bicicleta, onde ficam os pedais. Outro ponto é a montagem dos raios da roda, no qual não pode errar nem um, se ocorrer um erro é necessário começar tudo de novo”, avisa Cícero.
Ambos explicam que é preciso amor em qualquer profissão. “É gratificante quando montamos uma bicicleta, assim deixamos nossa assinatura de trabalho. Sempre penso no desejo de querer mostrar para minha mãe, que não está mais no meio de nós, que sou persistente. É uma profissão que quero seguir para a vida”, diz Cícero. O seu irmão fala com emoção sobre o ofício. “Meu pai viu que gostávamos da coisa e assim ele deixou o trabalho em nossas mãos. Não quero parar mais”, conclui Andrade.