Jogo Sujo: a grande vilã do jogo

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Na última reportagem da série, o tema é Baía de Guanabara, uma das áreas mais degradadas do Rio

Maré de Notícias #99

Por: Equipe do data_labe

Um ponto fundamental no debate sobre saneamento carioca é a Baía de Guanabara, um dos maiores exemplos de como não lidar com o esgoto. A região, que resume grande parte dos problemas de saneamento do estado do Rio de Janeiro, abrange o Complexo da Maré – o que gera consequências diretas na vida dos moradores.

Cláudio, morador do Complexo, trabalha há quatro anos em uma cooperativa de pesca às margens do Canal do Cunha, uma das áreas mais degradadas da Baía de Guanabara. O pescador relata que, diariamente, encara o total abandono da região pelas autoridades. “Essa água do Canal do Cunha é podre. No período de seca, o fedor é terrível”, conta Cláudio ao falar sobre o incômodo diário com o lixo e o esgoto despejados ao longo da Baía.

Atravessar o Canal também é uma provação diária. O pescador conta que, na maioria das vezes, é preciso remar além do Canal do Cunha, já que o motor do barco não funciona em meio ao lixo. “Se ligar, o motor é capaz de quebrar”. Mesmo com o cuidado, Cláudio perdeu as contas de quantas vezes foi obrigado a entrar nas águas contaminadas para livrar o motor do barco dos detritos.

Essa relação entre a Maré e a Baía é antiga. Na década de 1950, as primeiras casas de palafita foram construídas próximas ao Canal do Cunha, um dos poucos lugares secos da região, que era um mangue. Durante os anos 1960, começou um processo de industrialização muito forte próximo à Maré, por causa da sua posição estratégica na Cidade: o eixo da Avenida Brasil e da Via Dutra, importantes caminhos de escoamento de mercadorias. Morador da Maré, geógrafo e diretor do Museu da Maré, Lourenço César conta que a condição de vida na região foi ficando cada vez mais precária. A chegada das indústrias na Baía aumentou a poluição e prejudicou o território. “São tantos impactos ambientais que, sinceramente, é difícil imaginar uma solução, ainda mais se perceber que a Baía de Guanabara passou por vários governos e nenhum conseguiu despolui-la. A Baía é degradada e, ao mesmo tempo, uma área muito valorizada comercialmente”, revela.

A Refinaria de Duque de Caxias (Reduc), instalada neste período de industrialização, era a principal fonte poluidora da região, chegando a ser responsável por quase 20% da poluição total da Baía de Guanabara até a década de 1990. Segundo Sérgio Ricardo, ecologista e membro-fundador do movimento Baía Viva, o governo da época chegou a admitir a responsabilidade da Reduc. “Houve uma desindustrialização muito grande depois dos anos 1990. Muitas empresas da região da Zona Norte, que nós chamamos de bacia hidrográfica do Canal do Cunha, fecharam”. O ecologista afirma que esse processo é citado pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea) como uma das causas de uma possível diminuição da poluição da Baía, mas que não há muitos dados disponibilizados para confirmar se houve mesmo uma melhoria.

Sérgio ressalta que a situação da poluição da Baía tem se tornado cada vez mais complexa, ainda mais com a falta de disposição dos governos em divulgar informações. A equipe do data_labe foi em busca dos dados do Inea, via Lei de Acesso à Informação (LAI), sobre o número de indústrias que jogam seus resíduos na Baía de Guanabara. A resposta não foi nada animadora: não há uma sistematização dessas empresas e levaria cerca de um ano para enviar a resposta sobre o tema. A falta desses dados é alarmante e dificulta a definição de prioridades para a despoluição da Baía.

Além disso, outro vilão recente começa a afetar – e muito – a situação já problemática da Baía de Guanabara: o chorume. Sérgio Ricardo explica que grandes lixões ocupavam terrenos no entorno da Baía. Os lixões de Gramacho, em Caxias, e Itaoca, em São Gonçalo, os maiores do estado, já tinham um prazo para serem desativados de acordo com a Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos. No entanto, com a Rio+20*, o fechamento desses lixões foi adiantado, sem espaço para um planejamento melhor. O resultado não é dos melhores. “Os lixões foram desativados, mas não foi exigida a implantação da estação de tratamento de chorume. Então, a Baía está com algo em torno de um bilhão de litros de chorume por ano. É uma coisa terrível que está impactado muito os manguezais e a pesca”, lamenta o especialista.

Difícil passar de fase

A discussão sobre saneamento ambiental adequado é um tema de preocupação mundial. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), saneamento “constitui o controle de todos os fatores do meio físico do homem, que exercem ou podem exercer efeitos deletérios sobre seu estado de bem-estar físico, mental ou social”. Saúde e meio ambiente estão intimamente ligados e são pontos centrais quando o assunto é a questão sanitária. Garantir que a população mundial tenha acesso ao saneamento ambiental adequado é garantir o acesso à água potável e impedir a proliferação de doenças, como leptospirose, disenteria, esquistossomose, entre outras. Além de colaborar para a extinção da epidemia de dengue, chikungunya e zika.

Com a intenção de construir uma agenda global, a Organização das Nações Unidas (ONU) construiu uma série de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que devem ser cumpridos pelos países que fazem parte da Organização, garantindo um futuro sustentável até 2030. Saneamento e acesso à água potável são tópicos do objetivo 6 da agenda da ONU. O desafio foi lançado!

*Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, foi realizada de 13 a 22 de junho de 2012, no Rio de Janeiro.

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