Literatura feminina com as marcas da Maré

Data:

A história por trás de Andreza Jorge e Sara Alves, no “Seis temas à procura de um poema”, da FLUP

Maria Morganti

A Maré literária e feminina marca presença nas páginas do livro Seis temas à procura de um poema” com escritos de duas moradoras: Andreza Jorge e Sara Alves. A publicação foi o resultado do processo de formação da FLUP Pensa 2017, que realizou seminário sobre temas como machismo, privilégios e racismo.  Este processo precede a Feira Literária das Periferias, que existe desde 2012. As poesias de Andreza e Sara foram selecionadas após um ciclo de formação e reuniões com uma banca. Dos 100 inscritos, além de Andreza e Sara, outros 48 escritores também tiveram suas obras publicadas. Jedai da Marcílio Dias e Matheus de Araújo, do Parque União, também estavam entre os selecionados.

“São duas poetas absolutamente diferentes. Sara tem um trabalho memorialístico, vive em uma Maré idílica, com vida comunitária. A poesia da Andreza tem sensualidade, feminilidade, fala de um corpo que é dela”, analisa Julio Ludemir, um dos fundadores da FLUP.

Em comum, as duas têm a paixão pela escrita, desde sempre; ler muito e serem crias da Maré. Tanto Andreza quanto Sara nasceram na Favela Nova Holanda e viveram ali grande parte da sua vida.

O meu lugar

Com 50 anos, a autora Sara Alves, sem perder o ritmo, que talvez tenha herdado da mãe baiana, Marina Alves, enaltece a rotina dos trabalhadores, relembra o crescimento da Maré, as festas na favela e finaliza com aquilo que afirma com força e olhos arredondados e expressivos: “por que eu não posso gostar do lugar onde eu moro? Por que as pessoas que não conhecem onde eu moro falam do lugar se elas não sabem? Tem violência? Tem. Mas onde não tem? Você tem quase que brigar pra dizer que aqui tem artistas, professores, gente honesta”.

Sara conta que Ê Vila de Gente é o seu poema favorito, mesmo já tendo publicado, em 2013, Movimentos, pela Editora Multifoco, graças ao incentivo de uma amiga, Cláudia Santos. Sara conta que vive sendo abordada por gente que diz que já recebeu bilhetinhos dela, sempre escritos à mão: “Não gosto de escrever no computador. Mas também não posso ver uma folha em branco que eu adoro”.

Uma estreia promissora

Na poesia de Andreza o mais marcante é o “lugar de fala da mulher” que, segundo ela, “também é territorial, mas ultrapassa”. Com 29 anos e mãe de uma menina de 3, a jovem é uma das recordistas em poesias no livro da FLUP, que foi sua primeira experiência com a publicação. “Sempre trabalhei com projeto social, escrevi um monte de coisas, mas nunca, nada dentro desse lugar mais artístico. Então foi muito lindo assim pra mim”.

Com o trabalho comparado à poesia da mineira Adélia Prado, importante referência literária no Brasil, Andreza diz que sempre escreveu muito para falar sobre sentimentos que a atravessam, mas que de uns tempos pra cá a narrativa foi se politizando. “De maneira geral, minha escrita sempre foi sobre sentimentos, sensações, relações cotidianas. Mas de um tempo pra cá, fui crescendo, fui politizando de alguma forma essa minha escrita, então ela é muito feminista e tem um recorte racial bem específico”.

Sobre a vontade de publicar um livro só dela –  já tem até um acervo –  Andreza conta que não vai em frente por um sentimento que é mencionado várias vezes em uma das poesias do livro, LAROIÊ, o medo. “Eu fico trabalhando, fazendo outras coisas, sempre brinquei, dizendo que quando crescesse seria escritora, mas nunca tinha levado a sério. Talvez por medo de dar errado, pode ser. Porque é uma coisa que eu gosto muito de fazer” – confessa

A boa notícia é que os leitores que quiserem ler a poesia de Andreza têm a chance de conseguir um exemplar autografado. A Redes de Desenvolvimento da Maré recebeu 150 exemplares, e realizará no próximo dia 22 de março, quinta-feira, a partir das 16h30, na Biblioteca Popular Lima Barreto, na Nova Holanda, um evento de lançamento com a presença das autoras. É só chegar!

Lançamento na Maré: livro “Seis temas a procura de um poema” 2017, FLUP

Local: Biblioteca Popular Lima Barreto – Rua Sargento Silva Nunes, 1012 – Nova Holanda.

Horário: 16h30

Compartilhar notícia:

Inscreva-se

Mais notícias
Related

Areninha da Maré recebe espetáculo ‘Todos por um’

Obra convida o público a mergulhar na saga de Agenor, um homem negro nascido em 6023, que decide retornar ao seu planeta de origem

Salvador sediará 2° Conferência de Jornalismo de Favelas e Periferias em agosto

O Fala Roça, em parceria com o Consulado Geral dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, realizará a 2° Conferência de Jornalismo de Favelas e Periferias nos dias 2 e 3 de agosto de 2024, em Salvador, Bahia

Completar o ensino básico ainda é um desafio para mulheres negras mães, revela estudo

Essa informação foi reforçada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD contínua) realizada em 2023, que mostrou que mais de 9 milhões de jovens entre 15 e 29 anos não concluíram o ensino básico

Mulheres negras são maioria da Maré e criam estratégias de combate às violências

Dia de celebrar a Mulher Negra e refletir sobre essas mulheres que formam a maioria da população de favelas e são as mais impactadas pelas violências, mas criam estratégias coletivas de enfrentamento aos abusos sofridos e são rede de apoio umas das outras.