Luta constante por dignidade

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No mês do Dia Internacional dos Direitos Humanos, o Maré de Notícias inicia uma série de reportagens sobre o tema

Por Edu Carvalho

Num jogo rápido, responda: morador de favela tem direitos? Se você demorou mais de três segundos para responder à pergunta é porque sabe que, historicamente, a população periférica sempre esteve distante da maior parte das garantias constituídas por lei. Se elas deveriam ser válidas para todo e qualquer cidadão, independentemente do lugar onde vivem, quando se trata do território favelado e preto usufruí-las se torna um desafio. 

Dezembro é marcado pelo Dia Internacional dos Direitos Humanos, celebrado dia 10 deste mês. Ele faz parte do calendário desde 1948, quando foi promulgada a Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Organização das Nações Unidas (ONU). Na data, ações espalhadas pelo mundo alertam sobre a garantia dos direitos tidos como fundamentais descritos na Declaração. Desde seu surgimento, a história da Maré é a trajetória da luta pela disseminação dos direitos humanos para todos.

E assim é feito através de mobilizações em diversos aspectos, como o #VacinaMaré (pela vacinação contra a covid-19), Rema Maré (saúde mental), além de Maré Diz Não Ao Coronavírus; o Maré Que Queremos e o Azulejaria, projetos por direitos urbanos e ambientais; Robótica, pela educação; Maré de Direitos e Maré Sem Fome, programas ligados à segurança pública e alimentar.

Direito à vida

Uma campanha que ajuda a responder à pergunta inicial completou dez anos de realização em 2022: Somos da Maré, Temos Direitos foi criada pela Associação Redes da Maré em 2012 para garantir, nas favelas, os direitos à vida e à segurança. 

“Quando a campanha foi lançada, a Maré estava entre as áreas prioritárias da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro para receber uma Unidade da Polícia Pacificadora (UPP). Muitas favelas com essas unidades relataram frequentes situações de violações de direitos por parte dos agentes da segurança pública”, conta Maykon Sardinha, coordenador do eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça. 

A luta por direitos na Maré é anterior às UPPs, como conta Eliana Sousa, diretora da Redes. Em 2012, a associação promoveu a campanha de conscientização e comunicação sobre o que os agentes da segurança pública podem e não fazer durante uma abordagem policial. 

“Se a gente for olhar para os direitos, as políticas de segurança pública e de justiça são aquelas que estão mais distantes da realidade de quem vive nas favelas e periferias”, diz Lidiane Malanquini, também coordenadora do eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça e testemunha da criação do eixo e do desenvolvimento da campanha. 

Segundo Lidiane, as experiências dos moradores de favela, através de relatos colhidos, são sempre ligadas à violência, o que naquele momento fez com que a ONG criasse um setor específico para trabalhar o tema: “Não tinha como a gente investir na ampliação de vários direitos e não trabalhar a segurança pública.”

Moradores na luta

Ao longo dos anos, com o diálogo efetivo junto aos moradores, uma melhor e maior compreensão no debate foi estabelecida, com articulações comunitárias que pautaram um antes e depois da vida na Maré. Marcos históricos, como a mobilização depois da chacina no Parque União em 2013, e a ocupação do Exército em 2014 por 15 meses, fizeram com que a campanha ficasse ainda mais urgente. 

“Podemos afirmar que essa ocupação não trouxe melhorias para as condições de segurança pública no território”, diz Patrícia Viana, coordenadora das Ações de Enfrentamento e Monitoramento das Violências do eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça. Patrícia explica que a campanha mobilizou o morador e fortaleceu o seu protagonismo na luta pela garantia de direitos. Um trabalho bem planejado resultou na entrega de cartilhas de porta a porta, além de outras iniciativas. 

O movimento ganhou fôlego em 2016 (um ano antes histórica Marcha Contra a Violência), quando foi criado o projeto De Olho Na Maré para coletar e sistematizar dados de violência nas 16 favelas do conjunto. Ainda em 2016, a insatisfação dos moradores com as frequentes violações de direitos cometidas por agentes da segurança pública chegou à Justiça através de uma Ação Civil Pública — ela trata de direitos difusos e coletivos — como forma de protestar por um direito coletivo.

“A ACP da Maré é um exemplo de como a mobilização por uma causa é peça fundamental para a consolidação de ações concretas que garantam a melhoria da qualidade de vida local”, diz Maykon Sardinha. 

Conhecimento é poder

A proximidade com os moradores tornou possível, no fim daquele ano, produzir o primeiro Boletim de Segurança Pública, com dados inéditos relacionados às operações policiais e seus desdobramentos. 

Com o mote “É preciso estar vivo para viver”, a terceira edição da campanha busca entender e dar visibilidade aos impactos da política de segurança pública na vida de quem mora no território.  “O objetivo era mostrar para as pessoas que a violência atravessa o cotidiano delas. Nas oficinas, pedimos às pessoas para que escrevessem seus sonhos, e conforme íamos perguntando sobre a violência, elas se afastavam’’, relembra Shirley Rosendo, coordenadora do eixo Direitos Urbanos e Socioambientais da Redes da Maré. 

Ela acredita que a luta e o engajamento da população mareense se dá de maneira contínua. “As pessoas da Maré estão lutando por direitos. E diante da ausência deles, acabam se tornando sonhos.” 

Direito, não privilégio

Para Maykon, um dos focos do trabalho é fazer com que o morador se reconheça não como quem exige um privilégio, e sim luta para a efetivação daquilo que é seu por direito: “É preciso que haja um engajamento de toda a sociedade, reconhecendo que as favelas são parte da cidade e que seus moradores são cidadãos plenos.” 

Arthur Viana, coordenador da campanha Somos da Maré, Temos Direitos!, concorda: para ele, os próximos passos da campanha giram em torno do aprofundamento do diálogo entre moradores e agentes de segurança, explicando de maneira ainda mais didática as questões relacionadas ao assunto.

”Segurança pública vai muito além dos efeitos da violência armada. Existem outros impactos, como direitos básicos que são afetados dentro das favelas por essa falta de garantias. Vamos levar a todos, usando diferentes metodologias e ferramentas, essas informações”, diz.

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