Maré de Educação: medidas do corpo pedagógico para amenizar o impacto da violência

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Em entrevista com diretoras dos Cieps Elis Regina e Presidente Samora Machel, profissionais explicam ações durante e após operações policiais na Maré

Foto: Douglas Lopes

Adriana Pavlova e Hélio Euclides

Vizinhos na confluência entre a Nova Holanda e o Parque Maré, os Cieps Elis Regina e Presidente Samora Machel têm também em comum um histórico de violências em seu entorno, quer seja por operações policiais no território ou por confrontos entre os grupos civis armados. Neste ano, o Elis Regina chegou a ser ocupado por policiais em busca de civis armados que se abrigaram na escola, fugindo de uma operação. Nesta entrevista, as diretoras das duas escolas municipais contam como lidam com a violência no dia a dia dos cieps, e quais são as ações para minimizar os problemas de aprendizado dos alunos e a angústia dos professores.

MN: Como dar conta da angústia dos professores e dos alunos diante de tantos episódios de violência, inclusive dentro das escolas?

Andrea: Temos um programa chamado Acesso Mais Seguro – AMS –  (fruto de um acordo de cooperação com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha) que nos ajuda bastante. Depois de um episódio de violência, onde a escola não abriu ou até abriu, a gente trabalha o psicológico dos professores para que eles entendam que a escola deveria ser e é um lugar de paz. Cada um fala das suas angústias, de seus medos. Num dia depois de operações ou confrontos, também escutamos muito as crianças e seus pais, principalmente quem ficou mais abalado, para um cuidado da parte emocional. Temos que acolher as angústias de todos porque alguns profissionais, depois de um dia de violência, às vezes não querem mais voltar.

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Aline: A AMS é um programa da Secretaria Municipal de Educação que é muito importante. Percebeu-se a necessidade de ter esse espaço de apoio às escolas, com um grupo de suporte, já que a violência é algo que impacta tanto as escolas da cidade do Rio de Janeiro. O programa cria protocolos para que tenhamos acesso mais seguro às regiões de violência conflagrada e traz o tratamento para o dia seguinte. E muitas vezes quem mais precisa são os alunos e responsáveis, por que num dia de operação, por exemplo, a escola está fechada, mas eles estão em suas casas vivenciando as operações. Podemos não estar em sala, mas estamos pensando como os nossos alunos e nos seus pais estão. A AMS traz esse momento de escuta, de compartilhamento de angústias e de apoio. Tem o suporte da SME num grupo de whatsapp e também existe um link para notificarmos, até mesmo em tempo real, o que está acontecendo na escola. Através dessas notificações, a SME consegue entrar em contato com outras secretarias e até mesmo com a polícia militar, ou seja, com quem julgarem necessário naquele momento. Só de ter alguém que nos escute e, muitas vezes, em tempo real, já traz um apoio. O AMS começou em 2016.

MN: Como é feita na prática a reposição das aulas/matérias perdidas?

Andrea: Tem duas situações: quando a escola abre e por motivo de violência tem que interromper as aulas, mas a matéria já começou a ser dada, e quando a escola nem abre. Se a escola nem abriu, esperamos um pouco, porque entendemos que os pais não conseguem receber nenhuma informação no meio do conflito, mas depois enviamos nos grupos de whatsapp dos responsáveis todo o material que seria dado naquele dia. Mandamos folhinhas, páginas de livros. No dia seguinte, voltando à normalidade, entregamos o material impresso, para quem não pôde visualizar a mensagem ou não imprimiu. E agora temos uma equipe de reforço para ajudar às crianças que consideramos em estado de carência, que são aquelas que não têm celular ou não conseguem imprimir os materiais. Em cada ano de escolaridade, temos um professor responsável para entregar os materiais e depois corrigi-los.

Aline: Temos um grupo geral da escola com avisos. Mas temos grupos divididos por turmas no WhatsApp, com participação do professor e do coordenador da escola. Nesses dias que a escola nem abre, a gente coloca ali uma atividade. Chamamos isso de plano B, quando o professor adapta o que ia passar naquele dia para o Whatsapp, mas geralmente a devolutiva não é grande, chega a 20 a 30% dos alunos somente. Orientamos quem não conseguiu imprimir para colocar as respostas no caderno, o que acontece bastante. E agora, a partir de uma sugestão da 4ª CRE, começamos a entregar nas segundas-feiras atividades para os alunos e se, ao longo daquela semana, houver algo que impeça a escola de abrir, aquela será a atividade de reposição. Caso não ocorra, a atividade é trabalhada na sexta-feira como matéria de revisão ou de reforço. Começamos a fazer isso pensando em famílias que não têm internet ou um responsável que tem muitos filhos e só um celular. Hoje já fazemos isso com as 11 turmas da escola.

MN: Faltam professores no quadro hoje? Há muita desistência por conta da violência?

Andrea: Tem duas categorias de professores, o generalista e o especialista, que são os de artes e música. Hoje faltam professores especialistas. Mas tem anos que não tem saída de professores por questão de violência.

Aline: Aqui não temos falta de professores generalistas, só especialistas. É difícil achar na rede municipal professores de artes.

MN: Há algum projeto de integração sistematizado da escola com os moradores/pais/famílias?

Andrea: Adaptamos um projeto federal, que é a Educação em Família, que tem acontecido em média de dois em dois meses. É o momento de ter esse contato mais de perto com os pais, no final de cada bimestre. A presença é irregular, porque muitos pais trabalham, mas com uma média de 40% de participação. Hoje temos 19 turmas na escola. 

MN: Há algum tipo de assistência psicológica ou apoio pedagógico antes e após operações policiais e/ou conflitos entre grupos de civis armados?

Andrea: Quando o AMS começou, tivemos reuniões e, entre outras coisas, aprendemos a fazer o tratamento de crise, seguindo os protocolos. 

Aline: Nós nos baseamos nos protocolos da AMS. Já tivemos programa primordial do Núcleo Interdisciplinar de Apoio às Unidades Escolares (PROINAPE) em algumas crises. Foi implementado em 2009, sendo acionado em alguns casos, com os psicólogos indo até a escola. Isso ocorreu após uma operação, por exemplo, quando a escola foi ocupada, assim como contamos com a visita da 4ª CRE.

Nota da redação: Professores especialistas são responsáveis por identificar as necessidades dos alunos e planejar atividades educacionais para os alunos de acordo com as suas necessidades e apoia os professores regulares, os generalistas. Fonte: artigo “A compreensão do professor especialista sobre seu papel no atendimento educacional especializado” de Beatriz Nascimento e Claudia Giroto.

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