Maré de Mulheres e Notícias

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O que pensam e desejam as repórteres e editoras do Maré de Notícias neste 8 de março para as mulheres, e, principalmente, para as mulheres do Conjunto de 16 favelas da Maré. 

Por Amanda Célio e Jéssica Pires

A luta pela garantia de direitos básicos na Maré tem um histórico protagonismo das mulheres. A própria Redes da Maré é resultado desse processo. Eliana Sousa, fundadora e diretora da organização, é uma das mulheres e símbolo dessa representatividade. Eliana liderava a Chapa Rosa nos 1980 e se tornou a primeira mulher presidente da Associação de Moradores da Nova Holanda, estando à frente da associação por seis anos. A Chapa Rosa é como se nomeou um grupo composto apenas de mulheres. Com uma dinâmica de gestão e mobilização social, Eliana pôde implantar  equipamentos, que facilitaram a distribuição de energia elétrica e outros serviços básicos para a população da Maré, como o processo de chegada da água. Benefícios utilizados até hoje, graças ao voto popular.

O Maré de Notícias foi pensado e fundado, em 2009, como um dos resultados do avanço da metodologia da Redes da Maré. Pensar o jornalismo e a comunicação mareense a partir de toda essa experiência de luta e mobilização foi fundamental para a estruturação e desenvolvimento desse projeto.

Atualmente, a equipe do Maré de notícias tem a maioria de mulheres em sua composição, o que faz toda diferença para o material que produzimos diariamente. Afinal, são nove mulheres (Jéssica Pires, Dani Moura, Amanda Célio, Ana Paula Lisboa, Andrezza Paulo, Samara Oliveira, Aline Fornel, Gabi Lino e Julia Marino), mães, mulheres negras, trabalhadoras, que estão diariamente fazendo a engrenagem girar, sendo dentro de suas casas e cuidando da família, seja em outras regiões do estado correndo atrás da sua independência. 

A vida de uma mulher já é desafiadora e complexa desde quando nascemos. Nossos direitos são negados há anos. No Brasil, adquirimos o direito de votar apenas há 92 anos – uma vitória que precisa ser comemorada e refletida até hoje. 

Vale lembrar que mesmo as mulheres sendo mais de 50% do eleitorado brasileiro, na Câmara Federal somos pouco mais de 17% dos deputados eleitos, sendo 91 mulheres para um total de 563 parlamentares eleitos. No Senado, dos 27 eleitos em 2022, apenas quatro foram mulheres. E temos apenas 11 mulheres, dentre os 81 senadores do Brasil. Ainda não temos garantida a plena participação das mulheres na política, mas isso não significa que vamos parar de lutar. 

De acordo com uma matéria do site Alma Preta, até hoje mulheres negras são impactadas de maneira diferente em assuntos eleitorais, mesmo sendo quase 30% da população brasileira, se candidatam menos e algumas sequer conseguem votar.

Também não somos vistas nos principais cargos de chefia, não temos os mesmo salários que os homens, a disparidade de gênero nos bate à porta a cada dia. 

Quando falamos do cotidiano que atravessa a vida da mulher favelada a história é duas vezes mais complicada. Isso porque, para além das batalhas diárias, uma mulher, criança ou adolescente que nasce na favela precisa lidar com a falta de direitos básicos como ter acesso à uma estrutura de saneamento básico eficiente; à saúde e educação de qualidade; à mobilidade, aos direitos urbanos e ambientais, além do acesso à arte, cultura e lazer por exemplo. 

Neste dia 8, é dia de lembrar e resgatar forças para não desistirmos de lutar juntas. É preciso estarmos atentas e fortes. Atentas também aos nossos direitos reprodutivos, que estão sempre sendo questionados, retirados na surdina e questionados por homens brancos de paletó e gravata. Não vamos esquecer que só há sete dias atrás, no dia 1° de março, é que a nova lei da laqueadura, que garante à mulher o direito ao procedimento sem a necessidade de autorização do marido, entrou em vigor, após ser aprovada em agosto de 2022. 

Para não esquecer: laqueadura antes de 25 anos e agora é 21 anos. Se tiver 2 filhos,  não tem idade mínima. Se quiser fazer o procedimento no momento ali após o parto, pode, desde que comunique 60 dias com antecedência o interesse de fazer a cirurgia. E, não precisa mais do consentimento do cônjuge.

A saúde reprodutiva da mulher é pautada há anos, porém sobre o poder de decisão masculina, inclusive em casos de violência sexual e risco de vida da mãe e do bebê. A interrupção da gravidez é reconhecida pelo Código Penal brasileiro desde 1946, autorizado em casos de má formação fetal (anencefalia); quando a vida da gestante está em risco (em ambos os casos é necessário um laudo médico); se a gravidez é fruto de um estupro e em caso de gestação em menores de 14 anos, visto que toda relação sexual com uma menina dessa idade é considerada por lei estupro de vulnerável. Infelizmente e de maneira contraditória, o aborto legal não é garantia para que os procedimentos aconteçam aqui no Brasil, já que o estigma gerado a partir da interpretação do Código Penal resulta em dúvidas nos profissionais de saúde e discussões de caráter moral. 

De acordo com o Ministério da Saúde, o risco de uma mulher negra morrer por aborto inseguro é 2,5 vezes maior do que o de uma mulher branca. O Brasil, um país de dimensões continentais, tem poucos polos de atendimento e está concentrado em regiões com maior poder aquisitivo. Quase 40% das mulheres que fizeram um aborto autorizado por lei no Brasil entre janeiro de 2021 e fevereiro de 2022 realizaram o procedimento fora do município onde moravam, segundo levantamento feito pelo g1 com dados do Sistema Único de Saúde (SUS) obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI).

As mulheres que moram mais distante dos centros – pretas, periféricas e indígenas – ficam mais expostas a complicações; e reféns da falta de acesso.

E não podemos esquecer também das mulheres trans, das mulheres indígenas, das mulheres com deficiência. O tema é urgente e delicado. Só em 2021 a categoria “deficiência” ganhou visibilidade no Atlas da Violência, devido à mobilização dos movimentos de enfrentamento à violência contra as mulheres com deficiência. Vale lembrar que a perpetração de violência contra pessoas com deficiência é proporcionalmente maior.

Que este 8M fortaleça a luta e as conquistas de todas. E que as mulheres que compõe essa Maré de Notícias sejam sempre fio que tecem direitos para as mareenses e tantas outras mulheres.

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