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[toggle title=”Racismo tem CEP e gênero”]
Por Rosilene Miliotti
A assistente social Erika Fernanda de Carvalho, coordenadora do Centro de Referência de Mulheres da Maré – Carminha Rosa (CRMM-CR), situado na Vila do João, diz que cerca de 70% das mulheres atendidas na unidade são negras. Muitas delas sofrem com a imposição do padrão de mulher que se sobrepõe em nossa sociedade, que é a branca de cabelos lisos, olhos claros e rica.
Um estereótipo que serve ao modo de sociedade em que vivemos, que ainda precisa avançar muito para acabar com os preconceitos, seja de raça, de gênero ou de orientação sexual.
O CRMM, projeto da UFRJ, não tem uma política específica para o atendimento de mulheres negras, porque entende que elas são sujeitos, sejam brancas, negras ou indígenas. A maior parte das pessoas atendidas são moradoras que sofreram algum tipo de violência doméstica, seja física ou emocional. “Mas não podemos tratar todas da mesma forma só porque sofreram violência; cada uma é uma expressão singular desse fenômeno e a condição social, de raça, gênero não deve ser impeditivo para que ela acesse seus direitos de forma plena”, explica Erika.
Segundo Izabel Solyszko, também assistente social, a maior parte das mulheres não chega ao CRMM se reconhecendo como vítima de violência. Muitas não sabem nem que têm o direito de ter direito, como já sinalizado pela filósofa Marilena Chauí. “Talvez a gente nunca tenha recebido uma queixa de racismo, mas ouvimos isso em atendimento individual e nas o cinas. Ouvimos que elas não são identi cadas como clientes quando entram nas lojas e relatam discriminação por morar no bairro Maré. Muitas dizem que moram em Manguinhos, mas não falam que moram na Vila do
João”.
A assistente social ressalta que a mulher negra também é menos valorizada no mercado de trabalho. “O homem branco ganha mais, o homem negro e a mulher branca recebem quase a mesma coisa. Já a condição da mulher negra nunca muda na faixa salarial. Além disso, na questão da maternidade, a taxa de mortalidade materna se reduziu nos últimos anos, menos entre as mulheres negras, que chega a ser 10 vezes maior do que a mortalidade materna das mulheres brancas. A desigualdade de classe, associada à desigualdade de raça, traz para as mulheres que a gente atende um componente de exposição e de maior vulnerabilidade”, analisa Izabel.
Dia a dia mais difícil
As duas queixas mais ouvidas durante a apuração desta reportagem foram discriminação nas lojas e no mercado de trabalho. É mais difícil conseguir emprego sendo negra e tendo o cabelo crespo. Vera Lucia Jorge, 58 anos, dona de casa, moradora da Vila do João, afirmou no início da entrevista que nunca havia sofrido preconceito. Mas depois pensou e logo lembrou de uma perseguição dentro de um mercado na Nova Holanda, isso já há alguns anos.
“O que me deixou mais revoltada é que o segurança do mercado era negro igual a mim. Eu disse a ele que não ia roubar nada e que tinha dinheiro para comprar. Ele disse que não estava me perseguindo e logo se afastou. Outra vez, eu entrei no ônibus, ia fazer compras em Bonsucesso, aí uma senhora branca tirou o relógio bem rápido e o escondeu. Eu tinha 39 anos na época e minha vontade era de dar uma coça naquela mulher, mas falei pra ela que se eu fosse uma ladra, ela não teria tempo de tirar o relógio. Aí as pessoas no ônibus começaram a avançar na mulher e ela desceu no ponto seguinte”, conta.
Já Margarida Maria de Jesus, 65 anos, aposentada e também moradora da Vila do João, logo se lembrou de um fato quando ela ainda trabalhava no setor de limpeza no centro da cidade. “Quanta humilhação passei quando ia receber meu pagamento. Eu entrava no banco, sempre acompanhada com outras pessoas do trabalho (todas de pele clara) e o segurança logo me parava e perguntava se eu queria alguma informação. Eu respondia que não. Minha encarregada me chamava e dizia aos seguranças que eu estava com ela. O sentimento é de humilhação, mas fazer o quê, se não posso mudar de cor? Se a pessoa for negra e com dinheiro, ela tem os direitos garantidos. Mas não vejo pobre, favelado, negro reclamar os direitos e conseguir mudar alguma coisa. Olha só a desvantagem que eu tenho, sou preta e pobre”, lamenta ela, para quem o preconceito é ainda mais visível contra pessoas negras de classe econômica mais baixa.
Erika ressalta que as instituições que atuam na Maré têm responsabilidade de fazer com que essas mulheres sejam vistas como sujeitos de direito, que negras e brancas possam se unir para lutar por uma sociedade mais igual, tanto para homens quanto para as mulheres; e que as diferenças de cor ou de gênero possam ser vistas como algo positivo e não como objeto de opressão e desigualdade. Isso daria fim a situações como as relatadas por Vera e Margarida.
Negras x mídia
“As mulheres negras que estão na mídia estão embranquecendo. Essas celebridades têm responsabilidade no resgate de identidade. Elas são seguidas pela juventude e o que elas fazem se torna referência”, diz Erika. Mas é bom lembrar da atriz Taís Araújo e da cantora Margareth Menezes, por exemplo, que defendem o resgate da identidade negra.
Entretanto, de acordo com uma pesquisa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(Uerj), as mulheres negras não estão tanto nas telas de cinema quanto as brancas. Apesar de ser a maior parte da população feminina do país (51,7%), as negras apareceram em menos de dois a cada dez longas metragens entre 2002 e 2012. Atrizes pretas e pardas representaram apenas 4,4% do elenco principal dos lmes nacionais.
Além da atuação na TV e no cinema, não podemos esquecer a figura da mulata, mulher negra exuberante, objeto sexual, ligada ao carnaval. Outro exemplo são os modelos de propaganda de cuecas, sempre homens, em geral, negros e com corpos bem desenhados. “No Brasil ninguém é 100% branco, mas o que prevalece no mundo publicitário é esse modelo, a exemplo do comercial de margarina. Temos poucos negros na publicidade; quando temos é a cota ou sob a exploração do corpo”, reflete Erika.
Para Margarida, o pior racista está dentro do Brasil. “Eu já até me acostumei com o racismo. As negras só aparecem na novela se forem empregadas. E os anúncios na TV? No comercial de fralda só tem criança branca de olho azul. Quase não tem comercial de produtos para o nosso cabelo, quando aparece é produto para alisar o cabelo. Aqui mesmo, dentro da favela, não tem salão especializado em cabelo
crespo. Quando a gente chega, já querem alisar”, reclama (Na verdade, nossa reportagem descobriu dois salões afro na Maré, um no Parque União e outro na Vila do Pinheiro).
Para Izabel, a colonização do Brasil retirou das mulheres a condição de sujeito. “As mulheres sempre foram vistas como coisas que deveriam trabalhar (servir de mão de obra), ter o corpo e a sexualidade explorados. Temos uma trajetória de mulheres que tiveram a sua religião expropriada. Tiveram toda sua história cultural atribuída a algo ruim. Exemplo, o cabelo crespo. Tudo que é relacionado ao negro foi ‘coisificado’ como negativo, mas isso sobre o corpo das mulheres negras foi feito de uma maneira perversa”, critica ela.
Izabel lembra uma fala da militância negra que diz ‘nossos passos vêm de longe’, e é isso que para ela é preciso resgatar. “É muito triste que as mulheres, pensando na ascensão social, comecem a embranquecer, alisam e pintam os cabelos, afinam o nariz, usam roupas que não têm nada a ver com sua identidade. Fortalecer a identidade negra para essa luta é uma questão fundamental”, conclui.
“Meu cabelo enrolado, todos querem imitar…”
Muitas iniciativas vêm acontecendo no país pela valorização da identidade negra, especialmente neste mês da consciência negra, em novembro. Uma das surpresas da São Paulo Fashion Week deste ano, por exemplo, foi o desfile de cabelos crespos pelos corredores do evento.
Nas ruas da Maré, notamos que as meninas estão começando a adotar o famoso estilo black power e a assumir os cachos. Vitória Rosa, de 14 anos, moradora da Nova Holanda, já alisou o cabelo, não gostou do resultado e diz que se sente linda com seus cachos. “Lavo o cabelo todos os dias e acho que as brasileiras não gostam do cabelo crespo porque dá trabalho, mas elas não sabem o quanto é bom e bonito”, frisa.
No dia 8 de novembro aconteceu, aqui no Rio, o 1º Miss Black Power, iniciativa do Mercado Di Preta, uma oportunidade para discutir assuntos relacionados ao cotidiano da pessoa negra de maneira leve e democrática.
Paula Azeviche, uma das criadoras do Mercado Di Preta, diz que nem sempre as pessoas entendem a proposta do evento. “O Miss Black Power é um espaço de representação sócio racial valioso. Depois que a pessoa faz parte de um concurso como esse é difícil ser a mesma porque as escolhidas acabam se tornando uma
referência”, diz ela.
Cinquenta mulheres de diferentes estados se inscreveram, e quem levou o primeiro lugar foi a baiana Maria Priscilla de Jesus, seguida da também baiana Jaciene Mendes Souza e da mineira Elaine Serafim de Freitas.
Outra iniciativa voltada para as mulheres é o blog blogueirasnegras.org, que conta com várias articulistas sempre marcando posição contra iniciativas racistas e preconceituosas.
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[toggle title=”…A ver navios”]
Por Hélio Euclides
Pescadores já planejam um protesto com um bolo por mais de um ano sem píer na colônia do Parque União. A obra virou novela e já foi paralisada diversas vezes. “Procurei o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e dessa vez alegaram que a obra parou por falta de segurança e furto de material. Prometeram uma visita, estou aguardando até hoje o agendamento para mostrar que o material está todo guardado”, conta Reinaldo Alberto da Silva, conhecido como Coelho.
Em 7 de novembro, a Secretaria de Estado do Ambiente (SEA) informou ao Maré de Notícias que a empresa contratada para a execução das obras, a Construtora Fleming, solicitou o cancelamento do contrato. “A SEA vai iniciar novo processo de licitação de prestador de serviço para retomar as obras no próximo ano”, se comprometeu a SEA, por meio de sua assessoria de comunicação.
A placa de divulgação da obra até caiu. Nela constava a data inicial de agosto de 2013, para a obra de implantação de píers no Canal do Fundão, construção e instalação de infraestrutura náutica. A intervenção é feita com recursos do Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano (Fecam).
“Tenho medo, pois depois de 1º de janeiro muda a gestão e tudo fica mais difícil. Não
pedi nada, vieram e ofereceram, no final das contas só prometeram o píer, rampa nova e melhoria do entorno. Era melhor antes, mexeram e ficou inacabado”, reclama Coelho, temendo ficar sem a conclusão da obra.
O estado do lugar é desolador. Até sem rampa os pescadores ficaram. A antiga foi quebrada em outubro do ano passado para a construção do píer; e até agora nada.
Quer saber como é a vida de pescador da Maré? Leia nas próximas edições!
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[mare-materia titulo=”Personalidade do futsal”]
Antonio Bezerra, coordenador do projeto Fla/UEVOM da Vila Olímpica da Maré, recebeu o prêmio de Personalidade do Futsal , na categoria Melhor Treinador de Goleiro, concedido pela Federação de Futebol de Salão do Estado do Rio de Janeiro, em comemoração aos 60 anos da instituição.
“Estou feliz e surpreso com o prêmio. Apesar de ter ganhado várias competições e ter treinado grandes goleiros do futsal, não imaginava que tinha contribuído tanto para o esporte”, brinca Bezerra, que estava pensando em parar de trabalhar com gestão de projetos sociais e já repensa a decisão. “Meus goleiros atuais ficaram orgulhosos por saber da minha história pelas redes sociais. E acho que agora a coisa mudou, amo o que faço. Estou com 42 anos e agora que me toquei que sou referência no treinamento de goleiro, isso é muito bom”, afirma ele.
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[toggle title=”A voz e a vez da garotada”]
Por Fabíola Loureiro
O evento que aconteceu em 17 de outubro, no Centro de Artes da Maré, teve em torno de 200 participantes, entre crianças, adolescentes e adultos. As propostas serão apresentadas para aprovação nas conferências preparatórias para a Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, que será realizada em 2015.
Segundo Gisele Martins, coordenadora da Equipe Social da Redes da Maré, instituição que organiza o evento local e integra o Conselho Nacional, o objetivo foi discutir a forma como as crianças e adolescentes gostariam que as políticas públicas se desenvolvessem na Maré e nos demais espaços populares.
O estudante Jonathan Luiz, 10 anos, participou dos grupos de trabalho e gostou
da conferência: “Achei uma ideia boa, teve a participação de pessoas variadas e também adultos. Dei uma ajuda no grupo e surgiram várias propostas diferentes”, contou ele.
A também estudante Iana Carolina, 10 anos, acha que o evento teve uma boa participação. “É importante saber a nossa opinião. E não é todo dia que podemos
expressar nossa opinião, sem que outras pessoas se intrometam. Um dos exemplos
que me chamou atenção foi quando sugeriram: ‘Você bate em uma flor? Não.
Então não devemos bater em uma mulher’”, finalizou Iana.
Confira as propostas:
1. Eixo Educação:
* Garantir na educação básica um currículo que contemple temáticas como direitos humanos, prevenção de substâncias psicoativas, diversidade sexual e de gênero, território e demais temas conexos aos direitos das crianças e adolescentes;
* Promover o acesso aos equipamentos escolares, inclusive nos finais de semana, como espaços de lazer e convivência comunitária, com atividades esportivas e culturais em parceria com as instituições locais;
* Fortalecer os espaços democráticos nas escolas com a participação dos setores locais nas diversas políticas, tais como saúde, esporte e lazer, segurança pública, cultura etc., possibilitando ainda o protagonismo dos estudantes, de seus familiares e de toda comunidade local;
* Garantir o acesso das crianças e adolescentes com de ciência nas escolas públicas com espaços integrados e adaptados às diversas necessidades com profissionais capacitados periodicamente.
2. Eixo Segurança Pública:
* Criar políticas voltadas ao enfrentamento e erradicação do trabalho de crianças e adolescente no tráfico de drogas;
* Fortalecer e exigir dos órgãos de defesa dos direitos da criança e do adolescente um posicionamento público contrário à redução da maioridade penal e às diversas formas de violência contra crianças e adolescentes;
* Potencializar a atribuição dos Conselhos Tutelares de sistematizar e encaminhar as denúncias e demandas locais aos órgãos competentes para o planejamento de políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes;
* Fiscalizar e potencializar as instituições socioeducativas.
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