Comércio afetado e moradores cerceados pelo impacto das operações na Maré

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Sexto dia consecutivo de operação gera impactos para além das casas destruídas 

A tensão e insegurança tomam conta de um território que geralmente é cercado de alegria, descontração e trabalho principalmente aos finais de semana. Sim, trabalho. É no final de semana que os comércios da Maré ‘bombam’ de gente, sejam os bares, as lojas, salões ou as feiras. Neste sábado (24), quando se completa o sexto dia consecutivo de operação da Secretaria de Ordem Pública (SEOP) em conjunto com as Polícias Militar e Civil, equipe do Maré de Notícias presenciou policiais a pé circulando na feira da Nova Holanda.

Edna Alves, de 42 anos, proprietária do Salão Espaço Sempre Solto, conta que adquiriu sua loja há dois meses e paga mensalmente pelo espaço. Ela relata que durante a operação da última sexta-feira (23), R$ 600,00 em espécie, guardados em um envelope identificado para o pagamento da parcela, teria sido roubado.

“Levaram o dinheiro, pois não tenho como comprovar, já a mercadoria eu teria, pois tenho nota de tudo […] Isso me afetou psicologicamente, desde o ocorrido não consigo dormir. Trabalho na favela há 12 anos e nunca passou pela minha cabeça uma situação assim”, conta.

Uma ‘vaquinha’ que circula nas redes sociais, mostra mais um prejuízo para comerciantes da Maré. Em texto divulgado pedindo ajuda, a proprietária relata que a barraca, que é o principal sustento de sua família, teria sido destruída por policiais também durante operação.

“Pela covardia do Estado, minha barraquinha foi destruída por 3 policiais e por isso acabei ficando no prejuízo. O meu ganha pão de cada dia, o meu sonho e infelizmente no momento não estou conseguindo arcar com o prejuízo.”

Quando vai acabar?

Apesar de perguntarmos à SEOP qual a previsão do término dessas ações, a secretaria diz apenas que a demolição seguirá nos próximos dias. A falta de transparência impacta não só os moradores que estão vivendo as demolições de suas casas, mas também daqueles que são afetados com escolas, postos de saúdes e comércios fechados, além do direito de ir e vir cerceado. 

Em cada dia das operações, há presença de policiais do Batalhão de Ações com Cães, bem como veículos blindados pelas ruas da Nova Holanda, circulando inclusive distante do Parque União, onde ocorrem as demolições. Denúncias de violações de direitos, como invasão de domicílio, furto de pertences e danos ao patrimônio, tanto de residências quanto de comércios, têm sido relatadas ao Maré de Direitos, projeto do eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça (SPAJ) da Redes da Maré.

“A operação policial, que em tese, deveria ser um último recurso do uso da força do Estado, foi banalizada e tem sido usada como única forma de atuação da segurança pública em favelas promovendo cada vez mais violências e violações de direitos por parte do próprio Estado.”, ressalta Liliane Santos, coordenadora do eixo SPAJ.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), da qual o Brasil é um dos países signatários desde 1948, ou seja, é um país que adere ao acordo, assumindo as obrigações nele previstas afirma no Artigo 22 que “Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado […]”

É o que traz Liliane sobre a perspectiva de segurança pública. “Quando se fala em segurança pública não estamos falando da polícia em si. Estamos falando de um conjunto de ações que juntas vão promover condições de segurança para que a população consiga viver de forma segura. A responsabilidade da execução das políticas públicas que deveriam promover essa segurança é do Estado”, afirma. 

Falta de diálogo

Em entrevista ao Maré de Notícias, duas moradores afirmam que não receberam qualquer tipo de aviso ou assistência antes das demolições acontecerem. Isso contraria a versão da Secretaria de Ordem Pública, que alega que 90% das casas estavam vazias e que os moradores foram informados previamente.

“A grande questão é a falta de diálogo entre as diversas pastas administradas pelos governos e principalmente a falta de diálogo com a população. A desinformação gera grandes transtornos. Atualmente temos na gestão pública, uma maneira de se fazer política pública equivocada, sem diálogo e sem sequer uma tentativa de promover segurança pública para além das polícias. E o que resta ao morador e ao comerciante é ser silenciado e violentado de diversas formas” , analisa Liliane. Ela acrescenta: “A desculpa da demolição da obra irregular no Parque União acabou sendo outra desculpa para propagação do medo e insegurança em grande parte do bairro Maré.”

Aconteceria em outro bairro que não fosse uma favela? 

Liliane Santos

O Maré de Direitos, projeto do eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça, da Redes da Maré, acolhe situações de violações de direitos no WhatsApp (21) 99924-6462 e também nos equipamentos da organização.

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