Marielle e a nossa democracia

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Por Edson Diniz em 14/03/2021 às 9h30

Grandes tragédias sempre produzem traumas que nos fazem lembrar o ponto exato onde estávamos e o que fazíamos quando recebemos a notícia ou presenciamos o fato. O impacto é tão forte que não esquecemos mais o que sentimos naquele momento. Foi assim, com o assassinato de Marielle Franco, na noite de 14 de março de 2018.

Quando soube de sua morte, lembro que eu estava em casa, sentado no sofá, assistindo um dessas séries de tv. As notícias começaram a chegar aos montes pelo aplicativo de mensagens e vinham de várias pessoas. No início não acreditei, pois vivemos na era das fake news e sabemos bem que figuras importantes, defensoras dos direitos humanos e da democracia são alvos de mentiras constantemente. Mas, ato contínuo, procurei no sites dos grandes jornais enquanto mudava o canal da televisão e estava lá!

Marielle Franco, a vereadora negra, mulher, favelada, defensoras dos direitos humanos, defensora dos direitos LGBTQIA+ e mãe, fora assassinada num atentado que matou também o motorista Anderson Gomes. Confesso que levei um choque e não sabia o que pensar nem o que dizer.  Estive com Marielle dias antes em um programa de TV debatendo justamente a violência armada que ceifa milhares de vidas negras e pobres no Brasil. Lembrei que a conhecia desde a época do pré-vestibular na Maré, das minhas aulas de história. Ela era uma das alunas mais críticas e atuantes. Ao longo do tempo, acompanhei seu engajamento e desenvolvimento político, que culminou com o trabalho no gabinete do então vereador Marcelo Freixo. Daí, para consolidar sua própria carreira política, foi questão de tempo.

A notícia da morte de Marielle foi um baque enorme!

Lembro que ela sempre foi uma pessoa alegre e vivaz. Marielle encarava a vida sempre de forma positiva, franca e descontraída. Quem não lembra do seu sorriso aberto? De seu afeto pelas pessoas? De sua disponibilidade para ajudar outras mulheres tragadas pela violência do machismo e do racismo?

O Assassinato de Marielle, além de tirar de nosso convívio uma pessoa extraordinária, colocou em jogo a sobrevivência de nossa democracia. Isso porque este ato de violência covarde, contra uma jovem liderança que se afirmava no horizonte político como portadora de mudanças, teve a intenção clara de calar um projeto de Brasil mais igual e mais justo. Marielle levava consigo o povo pobre, as mulheres negras, a favela e a Maré.

Não há dúvidas de que as forças políticas mais retrogradas e obscuras estão por trás dos assassinatos de Marielle e Anderson. Forças representadas por grupos que chegaram ao poder e naturalizaram a violência como forma de fazer política e intimidar adversários. Aproveitam-se da boa fé do povo para vender autoritarismo populista como salvação, criam falsos Messias que prometem melhorar o país, mas que, ao contrário, conduzem a nação para crises que se aprofundam dia a dia. Incitam à violência e a perseguição, incentivam a compra de armas de fogo, intervém na justiça e nos aparelhos policiais, enfim, se apossam do Estado e usam o poder em benefício próprio.

Esse cenário sombrio, só reforça a importância de cobrarmos respostas para os assassinatos de Marielle e Anderson. Não podemos aceitar que mais esse crime fique impune e que vire um dado estatístico que se juntará aos quase 140 mil brasileiros assassinados por armas de fogo só nos últimos três anos.

Marielle sonhava com um Brasil melhor, mais justo, democrático e livre. Fazia isso sem perder de vista os problemas concretos que viveu de perto na Maré. Não podemos deixar que seu sonho se perca, é preciso mantê-lo vivo principalmente quando atravessamos uma das maiores crises de nossa história causada pela pandemia. Crise que é agravada pela inoperância e irresponsabilidade do Governo Federal que não protege e não valoriza a vida dos brasileiros, principalmente os mais pobres.

Por isso, neste 14 de março de 2021, três anos após os assassinatos, devemos erguer nossas vozes para lembrar e homenagear Marielle e Anderson, ao mesmo tempo em que exigimos a identificação e responsabilização dos mandantes do crime. Fazendo esse movimento, nos posicionamos a favor do legado de Marielle Franco, defendemos a democracia e nos colocamos contra o uso da violência como arma política.

Só assim poderemos garantir que novas Marias, Mahins, Marielles e Dandaras possam viver livres e sem medo no Brasil.  

Marielle e Anderson Presentes! Justiça por e para eles.

Edson Diniz tem 48 anos, morou por 40 anos na Maré onde ajudou a fundar a Redes da Maré. Estudou nas escolas públicas locais e graduou-se em História pela UERJ. É professor há 25 anos, tendo trabalhado em escolas públicas e privadas no Rio de Janeiro. Fez mestrado em educação pela PUC-Rio e Doutorado no curso de Sociologia da Educação pela mesma instituição. Tem debatido temas que envolvem educação pública, favela, juventude, identidade, arte/cultura e direitos humanos a partir de sua experiência na Maré.

Edson Diniz em debate sobre Educação e Favela em 12 de setembro de 2019.

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